A mensagem no WhatsApp virou o novo “dar uma olhadinha na prova do colega” e a pesquisa no Google substitui os rabiscos de fórmulas e datas na borracha. Não é de hoje que a “cola” faz parte da rotina escolar. Com o ensino remoto, a prática mudou de plataforma e os testes virtuais feitos em casa abriram espaço para a troca de informações. Após um ano de aulas online, em que as notas dos alunos subiram inexplicavelmente, colégios agora sofisticam avaliações para dificultar fraudes.
As provas “anticola” no ensino remoto usam ferramentas tecnológicas que avisam se um aluno abre novas abas e monitoram o tempo em que leva para fazer o teste. As escolas também passam a exigir câmeras abertas durante as provas. Em uma frente menos Big Brother, colégios investem em questões discursivas ou avaliações sobre trabalhos - modelos menos “copiáveis”.
“É importante mostrar a seriedade do momento da prova”, diz Andrea Godinho, coordenadora do ensino médio do Colégio Poliedro, com unidades na capital e no interior paulista. No início deste ano, a escola passou a aplicar as avaliações em uma plataforma que embaralha as alternativas. A ferramenta também ajuda o professor a verificar se o texto de uma resposta discursiva se parece com o de outros alunos. A coordenação sabe que o controle total é impossível.
Quando um estudante abre outra aba na internet durante a avaliação, recebe um alerta - o professor também fica sabendo. São registradas ainda informações sobre quanto tempo o aluno permaneceu em outra página, que horas iniciou a prova e quando terminou. O que será feito com esses dados depende das políticas de cada escola. "É possível acompanhar em tempo real. Verificamos, por exemplo, se um aluno acessou a plataforma, mas não entrou no Zoom (ferramenta para vídeoconferências)."
Além disso, é possível obter informações rapidamente sobre as questões consideradas mais difíceis pelos estudantes - o que ajuda a pensar em novas estratégias de aprendizagem. “Na escola você não poderia abrir uma aba do Google. No vestibular também não”, diz Daniele Balsan, de 15 anos, aluna do 1.º ano do Poliedro. Ela garante não colar, mesmo antes da inauguração da nova plataforma, e afirma que fazer a prova sem consulta ajuda a persistir para encontrar as respostas - como teria de fazer em um teste presencial.
Nem todos têm a mesma honestidade. E a prova disso é que as escolas perceberam aumento das notas dos alunos no ano passado. “Houve ligeiro deslocamento da curva (de notas) que não explicamos como variação normal de crescimento do aprendizado”, diz Renato Júdice, diretor do Colégio Rio Branco, na região central de São Paulo. A explicação mais provável é a cola, segundo o colégio.
Parte dos pais reclama da falta de controle nas provas online e apontam o risco de que os estudantes acabem mal avaliados. “Minha mãe ficava revoltada porque eu estudava e tinha gente que não estudava e tirava a mesma nota”, diz Daniele. Por outro lado, alguns colégios têm de fazer campanhas com as famílias para evitar que passem informações aos alunos na hora da prova. Há casos de pais que respondem no lugar dos filhos porque não admitem que eles errem e até estimulam a cópia entre os colegas.
O Rio Branco também passou a usar uma plataforma de testes, a Eduqo, e acrescentou a regra de que os alunos mantenham as câmeras abertas durante as avaliações. Segundo Júdice, as estratégias como embaralhamento das questões, análise do tempo gasto na prova, monitoramento de abas e câmera aberta se somam às atividades menos rígidas - chamadas avaliações formativas - para tentar chegar a resultados mais fiéis sobre o que os alunos de fato estão aprendendo.
Aplicada em outros colégios paulistanos, a regra de câmeras abertas nas provas desagradou os estudantes. Na Escola Móbile, na zona sul de São Paulo, um grupo de alunos reclamou de ter de ligar o Zoom durante a avaliação - regra que começou este ano para os testes mais importantes, segundo contou uma aluna do ensino médio. A escola também usa outra estratégia de monitoramento, em que a tela de cada um dos estudantes e o som do ambiente em que o aluno faz o teste são compartilhados com a escola. Há ainda outras avaliações menos controladas, como trabalhos em grupos e questões em formulários.
Fora do Brasil, sistemas de monitoramento das provas que usam até inteligência artificial para detectar movimentos do rosto dos estudantes são alvo de contestação. Os alunos dizem que há invasão de privacidade e que acabam ficando ansiosos com o excesso de controle. Nas redes sociais, há relatos de alunos de graduação no exterior desclassificados porque não olharam fixamente para a tela durante uma prova ou porque o sistema detectou “pessoas” que não existiam dentro do quarto onde faziam os testes.
Vestibulares de faculdades particulares brasileiras que migraram para o formato online também usaram ferramentas com inteligência artificial para inibir as fraudes. Contra sistemas de monitoramento dos exames, milhares de estudantes universitários em todo o mundo já assinaram petições online ou enviaram cartas às instituições reclamando do controle.
Na educação básica brasileira, as escolas afastam a ideia de modelos de monitoramento que não venham acompanhados de mudanças no formato das avaliações ou trabalhos educativos. “Se o aluno faz uma pesquisa qualificada durante a prova, isso também é aprendizagem”, diz Bruno dos Santos Silva, coordenador de Tecnologias Educacionais do Colégio Franciscano Pio XII. A escola, na zona oeste de São Paulo, passou a usar a plataforma da Eduqo e, segundo o professor, interessa mais saber quanto tempo alunos gastaram em cada questão para tornar as provas melhores.
O Colégio Albert Sabin, na zona oeste, apostou em algumas frentes para fazer a avaliação ficar mais confiável: desde a elaboração de questões inéditas e randomização dos itens, até o monitoramento da prova, que passou este ano a ser feito pelos professores, com grupos pequenos. “A avaliação é aplicada em uma aula remotae cada professor acompanha um grupo de alunos, que deve manter obrigatoriamente as câmeras abertas”, explica Giselle Magnossão, diretora pedagógica do colégio. Ao mesmo tempo, a escola tenta trabalhar aspectos éticos relacionados à cópia e ao plágio. “É importante discutir implicações morais e práticas dessa atitude: a ruptura da relação de confiança e do contrato didático, e o prejuízo imediato para a aprendizagem, pela falta do feedback confiável”, diz Giselle.
Provas diagnósticas e seleções
As plataformas de controle das avaliações também passaram a ser usadas pelas escolas para avaliações diagnósticas da qualidade do ensino - sem nota aos estudantes - ou para processos seletivos. No Rio Branco, uma ferramenta de monitoramento desenvolvido pela empresa Primeira Escolha foi usada em prova para a concessão de bolsas.
A ferramenta pode gravar a tela do aluno e captar som e imagem do ambiente em que faz a prova para auditar os dados depois. Segundo Aline dos Reis, consultora técnico-pedagógica na Primeira Escolha, houve aumento de procura por escolas de elite e, principalmente, para estudantes do ensino médio. O Colégio Mackenzie, na região central, usou o modelo para provas diagnósticas, que antes eram feitas em lápis e papel, e estuda ampliar para testes regulares.
No Colégio Magnum, uma escola particular em Belo Horizonte, o sistema antifraude foi usado no processo de seleção de novos alunos e o modelo só não ganha escala para avaliações regulares dos estudantes por causa do custo, segundo a escola. Cláudia Naves, gestora de ensino da escola, diz que no ano passado as notas subiram e o número de recuperações caiu.
Este ano - e após trabalho de sensibilização da escola - os professores já percebem mudança na postura dos estudantes, mas até hoje há questões anuladas por causa do “crtl C, crtl V”. Para Cláudia, o movimento anticola tem de envolver a família. “Tem aquelas totalmente parceiras, engajadas, que entendem que o processo é do filho. Como também tem famílias extremamente ansiosas. A impressão que dá é que o erro do menino é da mãe ou do pai.”
Em Belo Horizonte, alunos do ensino fundamental e médio não tiveram nem um dia sequer de aulas presenciais após o início da quarentena, em março do ano passado. Já quem consegue trazer os alunos de volta à sala de aula diz preferir o modelo analógico de provas, com papel e lápis. No Colégio Uirapuru, em Sorocaba, onde o retorno está permitido desde setembro do ano passado, as provas mais importantes têm sido feitas de forma presencial.
Segundo a coordenadora geral, Maura Bolfer, além da necessidade de uma avaliação fidedigna, também era importante retomar o processo de organizar o pensamento para a escrita manuscrita. "Entendemos que eles (alunos) estavam saturados do online e os mecanismos para conseguir lisura nas provas vão fugindo do controle." Alunos com comorbidades podem até fazer a prova em sala separada e aqueles que não querem ou não podem ir à escola resolvem o teste em casa, sob os olhares de um profissional da escola enviado para monitorar o exame.
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