Após ser alvo de polêmica por questões relacionadas ao agronegócio na prova de Ciências Humanas, no último domingo, 5, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) voltou a abordar temas relacionados ao setor agrícola neste domingo, 12, quando os estudantes fizeram as provas de Ciências da Natureza e Matemática. Conhecimentos sobre pesticidas e as consequências do desmatamento foram cobrados dos alunos. Segundo professores de cursinhos, as perguntas eram indiretas, sem críticas claras ao agro.
No último domingo, 5, deputados ligados ao agronegócio criticaram a “ideologização do Enem” por perguntas que, segundo eles, teriam viés ideológico. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) chegou a pedir a anulação de três questões sobre a exploração do Cerrado e os prejuízos do agronegócio para os camponeses e o desmatamento da Amazônia no cultivo da soja. A anulação foi descartada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Na prova deste domingo, uma das questões abordava o uso de pesticidas e perguntava quais amostras de fluidos humanos poderiam conter maior concentração deste produto. “Existe o inseticida e a prova mostrava a sua composição, a sua fórmula. Depois, ela diz que o pesquisador coleta fluidos biológicos de uma população, de sangue, de saliva, da urina e do leite. A prova pergunta em qual desses fluidos o pesquisador encontrou a maior concentração dessa substância. É uma questão técnica, natural de exames desse tipo”, avalia o professor Ademar Celedônio, diretor de Ensino e Inovações do SAS Plataforma de Educação.
O tema do desmatamento também foi abordado, mas de maneira indireta, falando sobre redução de população de abelhas e uma possível intervenção para evitar o declínio no número desses insetos.
“Um dos grandes motivos da extinção das abelhas é a falta de regiões onde elas possam produzir suas colmeias em segurança. Uma das ações possíveis para reverter esse quadro é o replantio de árvores nativas”, explica Caê Lavor, diretor de Ensino Médio e Avaliações do SAS Plataforma de Educação. De acordo com o professor de Biologia Diogo Diaz, do Colégio e Curso AZ, o uso de pesticidas foi citado em uma das alternativas, mas essa não era a resposta correta.
Outra questão abordava a baixa fertilidade dos solos amazônicos e uma técnica utilizado por antigos habitantes da região para torná-la fértil. O tema, porém, foi usado para cobrar conhecimentos sobre conceitos físico-químicos, como eletronegatividade.
A Associação De Olho No Material Escolar (DONME), que monitora os conteúdos educacionais relativos ao agronegócio, afirma que o tema foi exposto de forma equivocada. “Não é verdade que os solos amazônicos sejam inapropriados para cultivo por serem incapazes de reter nutrientes. Tanto é que existe agricultura nesses solos, seja com baixo ou alto uso de insumos agrícolas. Com o desenvolvimento da ciência e o uso de novas tecnologias foi possível encontrar diversos modelos de produção agropecuária para serem empreendidos tanto no solo amazônico como nos demais biomas brasileiros”, informou a associação.
Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, afirma que as questões não incentivam uma visão negativa do agronegócio. “Não vejo nada de ideológico. Não é porque fala da proteção do solo e da inadequação do solo para determinadas formas de agricultura, como diz uma das perguntas, que isso envolve um conteúdo contra o agronegócio. Isso é consenso científico”, diz. “Nenhuma das perguntas parece ter preconceito ou incentivo a uma visão negativa do agronegócio”.
MEC anula questão que já havia caído em 2010
O Ministério da Educação (MEC) decidiu anular uma questão neste ano porque ela já havia caído na edição de 2010. A informação foi confirmada em entrevista coletiva na noite deste domingo, 12. A pergunta pedia ao candidato para interpretar um gráfico sobre os grupos que estavam mais expostos ao vírus da gripe A-H1N1 por estarem com baixa cobertura vacinal.
A questão 177 da prova amarela já havia sido cobrada na prova aplicada em 2010 na edição PPL (pessoas privadas de liberdade). A elaboração do Enem pressupõe apenas perguntas inéditas. A repetição dos itens foi identificada por professores da SAS - Plataforma de Educação.
Amadurecimento do abacate, Síndrome de Down e a TPM entre os temas
Sabrina Bileski, coordenadora de Avaliações no SAS Educação, destaca que os temas deste segundo dia de provas estavam relacionados ao cotidiano, aproximando o ensino do dia a dia do aluno. Entre os exemplos da prova de biologia estão vacinação (tecnologia do RNA mensageiro, usada contra covid-19), a gravidez de um casal com síndrome de Down e as causas hormonais da Tensão Pré-Menstrual (TPM). “Outra questão perguntou por que o abacate amadurece mais cedo em determinadas situações”, exemplifica.
“Duas questões sobre covid e imunização é algo que pode ser considerado como um tópico atual e relevante, tendo em vista a discussão da vacina nos últimos anos. Na maior parte das vezes, as questões não são elaboradas no mesmo ano da prova, mas ainda assim, é algo importante”, comleta Daniel Balbinot, coordenador pedagógico do Poliedro.
Uma conversa entre Cascão e Cebolinha, personagens da Turma da Mônica, por meio de um telefone improvisado com barbante, foi usada para abordar noções de ondas sonoras na prova de física, o que chamou a atenção de Pedro Lopes, editor de Avaliações no SAS Educação.
Virgílio Aveiro, professor de Química da Escola SEB Lafaiete, cita uma questão sobre o funcionamento das usinas nucleares de Chernobyl e Fukushima. “A prova de química foi muito bem dividida, com leitura rápida, questões conceituais e poucos cálculos. Senti ausência da eletroquímica e termoquímica, que são assuntos bem cobrados em edições anteriores do Enem”.
As questões de matemática enfatizaram conceitos de matemática financeira, abordando juros e investimentos. Uma pergunta envolvia o uso de aplicativos de transporte e de entrega de comida; outra mencionava os gastos calóricos com práticas esportivas.
“De forma geral, foi uma prova leve, com contas que não davam muito trabalho. Os conteúdos estavam bem definidos e os textos eram diretos e objetivos. O aluno batia o olho na questão e já sabia do que se tratava”, avalia Thiago Galrão, professor de Matemática do Colégio e Curso AZ.
Ao analisar a prova como um todo, Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, afirma que a “prova de Ciências da Natureza foi menos interpretativa e mais conceitual, exigindo um estudante que soubesse conceitos de física, química e biologia”.
A prova foi “excelente”, na opinião de Vera Lúcia da Costa Antunes, coordenadora Pedagógica do Objetivo. “Textos mais curtos que não dariam trabalho. Pais e professores vão perceber que elas estão claras, bem formuladas e atualizadas. Foi uma prova criativa, pedindo o conteúdo do Ensino Médio”.
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