O governo federal anunciou na manhã desta terça-feira, 18, um pacote de R$ 3 bilhões para ações de proteção nas escolas após ataques e ameaças ocorridos em unidades de diferentes partes do País. O programa inclui ações como a instauração de um grupo de trabalho focado no tema, elaboração de recomendações de segurança no ambiente escolar, programa de formação para implementação das recomendações com membros da comunidade escolar, entre outros.
Foi anunciada, ainda, a antecipação de R$ 1,097 bilhão referentes à parcela de setembro do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para que os gestores educacionais possam investir em infraestrutura de melhoria da segurança das instituições de ensino. O Ministério da Educação também liberou R$ 1,8 bilhão de recursos de anos anteriores que atualmente estão parados nas contas das escolas.
O conjunto de medidas é encarado de maneira positiva pela especialista Carolina Campos, mestre em políticas públicas e fundadora da consultoria Vozes da Educação. Ao Estadão, Carolina destacou como medida essencial do pacote a integração de diferentes ministérios, visto que, de acordo com ela, o problema é multifatorial.
A especialista ainda enfatizou a importância da integração do governo federal com Estados e municípios – algo que, para ela, é requisito para que medidas sejam implementadas de forma efetiva. Confira a entrevista completa.
O Brasil estava inserido, até então, em um contexto em que ataques às escolas não eram frequentes e, portanto, ainda não havia um conjunto formal de orientações para esse problema. Qual a importância de dar esse passo?
Esse pacote de ações vem em um momento muito importante. Na verdade, já deveria ter isso no Brasil. Outros países já lidam com esse mesmo desafio, e o governo central desses locais já vêm atuando nesta temática há muito tempo. Na minha avaliação, o mais importante disso é a criação de um grupo de trabalho interministerial, porque não é um problema exclusivo da educação. Precisa envolver, necessariamente, as pastas de segurança, assistência social, esporte, juventude, direitos humanos e igualdade racial. É um problema complexo, e problemas complexos exigem soluções complexas.
A segunda medida que eu considero essencial é esse amplo debate com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Não tem como o governo federal agir se ele não debater com Estados e municípios. É um trabalho que deve ser feito em articulação constante com estados e municípios, de maneira coletiva.
Entre as medidas anunciadas no pacote, em sua avaliação, qual tem mais urgência em ser implementada?
A elaboração de recomendações para proteção e segurança no ambiente escolar. O presidente Lula fez uma fala importante dizendo que a gente não pode transformar as nossas escolas em uma prisão de segurança máxima, e eu concordo. Nós não podemos achar que colocar guardas na frente das escolas ou detector de metais são a resposta para o que estamos vivendo. O momento exige que se pense em medidas de prevenção, elaborando protocolos e promovendo uma cultura de paz, de ação, criando um fluxo estruturado que determine como as escolas devem agir em caso de situação de emergência, e de pósvenção, pensando o que precisa ser feito, seja em termos de organização logística e de cuidado com as emoções, se acontecer alguma situação.
O momento exige que se pense em medidas de prevenção, elaborando protocolos e promovendo uma cultura de paz, de ação, criando um fluxo estruturado que determine como as escolas devem agir.
Carolina Campos, mestre em políticas públicas e fundadora da consultoria Vozes da Educação
A elaboração dessas recomendações vinha sendo feita de maneira individualizada por Estados e municípios. Como um protocolo unificado pode ajudar a garantir mais efetividade?
Se o aluno ou o professor muda de escola, o protocolo não muda. Mas, para isso, esse protocolo tem que ser amplamente difundido por toda a comunidade escolar. Nós precisamos que essas orientações unificadas sejam concretizadas em ações brigadistas com os alunos, não comunicando a eles que irão aprender a lidar em situações de ataque, porque isso assusta, mas explicando que são orientações para saber como agir em situações de emergência. Se o meu aluno está em São Paulo e muda para o Rio Grande do Sul, ele não perdeu o aprendizado. Claro que há particularidades em cada escola, mas de um modo geral ele estará preparado para lidar.
Como garantir que essas medidas sejam implementadas em todo território nacional e executadas com efetividade?
Para isso, é essencial a conversão com a Consed e com a Undime, que já citei. Essa aproximação é muito importante. Os Estados e municípios precisam comprar a ideia desse apoio do governo federal e, mais do que isso, levar a ele o que está acontecendo na ponta. Tem que haver uma troca de informações entre esses atores. Temos, no Brasil, uma dificuldade histórica de implementação de medidas, até pelo tamanho grandioso do País. É preciso assegurar que o que o governo está propondo faz sentido nas redes, e que as redes, por sua vez, estão atentas. É uma via de mão dupla. E, como a implementação de qualquer política pública, é preciso monitoramento constante, fiscalização, avaliação de resultados e ajustes, se necessário.
É preciso assegurar que o que o governo está propondo faz sentido nas redes, e que as redes, por sua vez, estão atentas. É uma via de mão dupla.
Carolina Campos, mestre em políticas públicas e fundadora da consultoria Vozes da Educação
Dentre as ações listadas, há alguma que você acredita que tenha mais empecilhos para ser implementada?
Quando falamos do programa de formação continuada e desenvolvimento profissional voltado à proteção no ambiente escolar, que deverá ser desenvolvido por instituições de ensino superior, é preciso que as universidades consigam transpor essa formação para as escolas entendendo as suas vivências particulares. Isso é algo muito difícil de ser feito, e a gente precisa que isso aconteça de uma forma muito bem feita, para que o programa tenha sucesso. Para mim, o foco principal de tudo é formar os profissionais. É importante que tenhamos essas ações, mas sem treinamento e formação dos educadores nada funciona. É preciso apoiá-los de uma forma muito direta. Falar o que fazer, e como fazer. “Como”, aliás, é a palavra que precisamos usar agora. É preciso saber como tirar do papel esses protocolos e colocá-los na prática.
Por trás do discurso de ódio, está o esfarelamento da saúde mental, isso é algo que não podemos esquecer.
Carolina Campos, mestre em políticas públicas e fundadora da consultoria Vozes da Educação
Em sua avaliação, há alguma ação que não foi abordada pelo governo federal, mas que deveria?
Pósvenção. Nós falamos de prevenção e da necessidade de ação. Mas não estamos falando do que fazer depois, quando a escola reabre após uma situação de ataque. Eu espero que isso esteja dentro das ações de proteção, mas isso não está explícito. Isso é algo que não podemos esquecer. Também não está claro a vinculação do plano com o trabalho de saúde mental da comunidade escolar. É preciso valorizar o trabalho de desbaratamento na internet já feito pelo ministro Dino, identificando potenciais agressores nas redes sociais, mas sem esquecer que saúde mental é algo que está diretamente relacionado nessa questão. Por trás do discurso de ódio, está o esfarelamento da saúde mental, isso é algo que não podemos esquecer.
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