Desde os ataques em São Paulo e Blumenau, uma série de mensagens e vídeos sobre supostos planos e ameaças de atentados em escolas e faculdades têm circulado nas redes sociais. Além da investigação da veracidade dessas informações e uma regulação maior dos serviços das plataformas digitais, especialistas alertam que a sociedade precisa agir coletivamente contra o pânico.
“Eu fico me perguntando que tamanho de buraco a gente foi parar como sociedade em que resta como alternativa de segurança nas nossas cabeças que a escola precisa ser desocupada. Que o certo é não ir para a escola, o lugar mais importante de transformação social que a gente tem, onde vamos construir a possibilidade de viver com os outros”, diz a psicanalista e doutora em Educação Ilana Katz, que integra a Rede Nacional de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes.
Diante das supostas ameaças, famílias têm deixado de enviar seus filhos para escolas públicas. Outras consideram fazer o mesmo por medo do que possa ocorrer nos próximos dias e semanas. Pais têm ainda cobrado escolas particulares e públicas por medidas de segurança. Especialistas afirmam que mensagens com ameaças devem ser denunciadas a canais oficiais, como o criado pelo governo federal, e não compartilhadas pela internet.
“Na hora que os pais perguntam se vai haver mais polícia, a escola tem que dizer como é precária essa solução. As ameaças entram na escola, não precisa alguém pular o muro”, diz. Ela destaca a importância da escola justamente para a construção de uma sociedade mais segura e de convivência pacífica, que não se reduz a medidas físicas, já que muitos ataques são cometidos por alunos das instituições.
“Essas ameaças nos fazem sentir fragilizados e mostram que já estamos atrasados em discutir o enfrentamento das causas que produzem a violência na sociedade civil.” Ela e muitos educadores defendem que as escolas brasileiras precisam efetivamente colocar a convivência e uma cultura de paz como parte do currículo escolar, como fazem alguns países.
llana, que pesquisa a infância no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), diz, no entanto, que é legítimo pais e professores terem medo. “Mas a questão principal é como lidar. Você pode responder com pânico, se trancando em casa ou pensando na função que cada um tem nisso”, diz. “A ideia de segurança que a gente quer produzir é muito maior que muro e policiamento. Segurança tem a ver com construir uma rede comunitária, produzir pertencimento para as pessoas, acolhimento e disputar com essa narrativa do ódio.”
“O pânico é desagregador”, completa. Segundo ela, por isso, é preciso haver uma resposta coletiva centralizada pelo poder público. “Ninguém responde individualmente. Não dá para esperar isso nem de uma criança, nem dos pais e mães e nem de uma escola sozinha.”
Veja as orientações
- A escola precisa registrar boletim de ocorrência, acionar a PM pelo 190 e informar a diretoria de ensino sobre qualquer ameaça no “prédio escolar ou em rede social no qual seja citada a escola e/ou alunos e seus profissionais”. Qualquer ameaça, mesmo que pareça ‘brincadeira’, deve ser levada a sério e tratada com rigor.
- Em caso de identificação do autor da ameaça, a orientação para a escola é convocar os pais/responsáveis para comparecer na escola imediatamente. Se o aluno se retratar, é preciso acompanhá-lo até a sala de aula e solicitar o comparecimento diário da família.
- Especialistas afirmam que mensagens com ameaças devem ser denunciadas a canais oficiais e não compartilhadas pela internet e em grupos de aplicativos de mensagens. Entrar em pânico e deixar de frequentar as aulas não vai resolver o problema, alertam.
- O governo federal criou um canal para recebimento de informações sobre ameaças e ataques contra escolas. Para realizar a denúncia, é preciso preencher um curto formulário que não exige identificação no endereço www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura. Veja aqui como fazer.
Além disso, afirma Ilana, são necessárias a regulação e a responsabilização das redes sociais. “A gente vai entender que a internet é um espaço público e precisa ser regulado ou a gente vai ficar lutando contra um inimigo que só cresce.”
Comunicados das escolas
Diretorias de ensino ligadas à Secretaria Estadual da Educação, segundo o Estadão apurou, enviaram comunicados às escolas com protocolos que devem ser seguidos em casos de violência ou suspeita. “Qualquer ameaça, mesmo que pareça ‘brincadeira’, deve ser levada a sério e tratada com rigor”, diz o texto.
Já a Secretaria da Segurança Pública informa que a Polícia Militar mantém contato permanente com as direções das escolas. Segundo a pasta, “566 policiais militares atuam no policiamento realizado no entorno das unidades educacionais em todo o Estado, por meio do programa Ronda Escolar”, além de agentes que circulam a pé e em motocicletas.
O governo também estuda contratar policiais da reserva para que fiquem de modo permanente nas escolas.
Com o aumento no número de ataques e supostas ameaças, escolas particulares passaram a mandar comunicados aos pais sobre medidas de segurança nesta semana. O Colégio Bandeirantes, no Paraíso, zona sul de São Paulo, afirmou em carta nesta terça-feira, 11, que entendia “o temor e a preocupação” e que “a fim de garantir a proteção da comunidade” reforçou “medidas de segurança”.
O Rio Branco, em Higienópolis, na região central, ressaltou em carta aos pais que tem parceria com uma consultoria de segurança e lembrou o “controle rigoroso de acesso à escola” com exigência de crachá e biometria. E ainda que as atividades e eventos terão “rigoroso controle de acesso às instalações”.
O Colégio Oswald de Andrade, na Vila Madalena, zona oeste, afirmou em comunicado que reforçou “procedimentos importantes” com os funcionários que atuam na segurança. E lembrou que vê na “educação um caminho para uma sociedade mais justa, gentil e empática, que se faz a partir do desenvolvimento humano em situações cotidianas”.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou nesta segunda-feira que empresas de tecnologia e plataformas de redes sociais poderão ser responsabilizadas pela falta de monitoramento e bloqueio de mensagens e perfis que incitem ataques em escolas.
“Não basta uma posição reativa ou meramente passiva em relação às nossas solicitações”, afirmou Dino. A pasta criou na semana passada, após o ataque à creche de Blumenau, que matou quatro crianças, a Operação Escola Segura, com o objetivo de realizar ações preventivas e repressivas contra ataques nas escolas de todo o País.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.