*Beatriz Luz
"A bicicleta que me leva pra escola não é minha, mas está sempre na porta da minha casa. A armação quebrada dos meus óculos foi substituída por uma impressa em casa em algumas horas pelo meu pai. Minha mãe não tem mais carro, mas tem sempre alguém diferente para nos levar a todos os lugares e, agora, todas as vezes que viajamos não ficamos mais em hotel, mas sempre na casa de um 'amigo' diferente."
Este relato poderia ser de uma criança nos dias de hoje.Estamos vivendo uma nova realidade onde a posse do produto não é mais o foco, mas sim o serviço proporcionado por aquele bem e a experiência no consumo.
A impressora 3D é uma revolução que permite a produção caseira de diversos produtos.
Disruptura total, desde o sistema de transporte ao setor hoteleiro. Qual cadeia de hotel iria imaginar que seu maior concorrente seria um aplicativo sem nenhum ativo?
O mundo digital e o físico se confundem. Amigos digitais, namoros virtuais e inteligência artificial. Portanto, como ensinar as crianças a se comportar e crescer neste novo mundo? Precisamos achar o equilíbrio entre tecnologia e emoção.
É o momento de rever valores, avaliar nossas prioridades, redefinir o processo de produção e consumo e repensar os modelos de ensino.
A sala de aula foi "invertida" e a pesquisa vem antes da explicação. A tecnologia pode e deve ser usada como uma ferramenta incrível de ensino, mas para unir e não para isolar. A tecnologia pode estimular as crianças e até acelerar o aprendizado, mas não banalizar o ensino e a geração de conhecimento. Ninguém se torna expert em um curso online de duas horas.
O modelo econômico baseado na conveniência, no consumo a qualquer custo, e na produção linear do "explora, produz, usa e joga fora" não é mais possível. Uma nova economia surge trazendo novas formas de produzir, consumir e se relacionar: a Economia Circular.
Essa economia cresce com base na geração de valor e em novos modelos de negócio. Um sistema produtivo regenerativo por design em que o valor dos materiais e dos produtos é mantido por mais tempo ao longo da cadeia. Produtos são feitos para serem consertados e remanufaturados. Resíduos são vistos como matéria-prima para novos ciclos produtivos. Uma economia mais colaborativa, restauradora e em equilíbrio com o meio ambiente. Produtos viram serviços e consumidores, usuários.
Portanto, a transição para essa nova economia e a compreensão dessa evolução tecnológica, que transforma nossas vidas, requerem novas habilidades e um novo sistema de ensino. Precisamos estabelecer um equilíbrio entre o isolamento no uso da tecnologia e as habilidades socioemocionais, que devem ser estimuladas nas crianças desde a pré-escola.
Porque, afinal de contas, nada como um abraço apertado, andar de pé descalço, nadar em um mar cristalino, sentir o cheiro da grama molhada e o gosto da comidinha da vovó.
*Beatriz Luz é curadora do Berlitz Green e idealizadora do Exchange4Change Brasil, plataforma global de troca de conhecimento que visa impulsionar a transição para Economia Circular no Brasil.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.