Internet, bolsa de estudo e limpeza: como o bloqueio de recursos do MEC afeta universidades e IFs

Instituições enfrentam terceira restrição orçamentária do ano e algumas, como a UFRJ, falam até em suspensão de atividades após bloqueio de mais de R$ 475 milhões

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

O bloqueio de mais de R$ 475 milhões de recursos das universidades, institutos, centros de educação tecnológica e colégios federais imposto pelo governo Jair Bolsonaro ao Ministério da Educação (MEC) deve impactar no pagamento de despesas básicas em um ano de orçamento reduzido. Instituições afirmam que não há mais como restringir os custos sem afetar o funcionamento e estudam o que irão “cortar no osso”. Entre os cortes de custo discutidos, estão o pagamento de contas de água, energia, internet e serviços essenciais terceirizados, como de vigilância e limpeza, e a manutenção de auxílios estudantis, inclusive as atividades de restaurantes universitários, transporte e moradia estudantil. Algumas que estão em recesso, pelo calendário afetado pela pandemia, estudam adiar o retorno das aulas.

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A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) descreve a situação como de “colapso” e que as universidades não conseguem mais respirar em um contexto no qual estima que o orçamento caiu pela metade em menos de sete anos, ao considerar a inflação. Somente em 2022, foram dois cortes de recursos, que afetaram 7,2% do total, redução que chega a cerca de 13% quando somada ao novo contingenciamento.

Em coletiva de imprensa, o presidente da instituição e reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Fonseca, defendeu que o contingenciamento seja revisto, pois todo o remanejamento possível foi feito e a situação afeta ensino, pesquisa (inclusive o desenvolvimento de novas vacinas) e serviços prestados à população em geral, como em hospitais universitários. “Tudo isso estruturalmente já estava com grande diminuição”, afirmou. “Não existe mais gordura para queimar, nem carne para cortar. Agora é no osso. A situação é trágica nas universidades”, declarou.

Procurado pelo Estadão, o MEC afirmou, em nota, ter realizado “os estornos necessários nos limites de modo a atender ao decreto, que corresponde a 5,8% das despesas discricionárias de cada unidade”. “Segundo informações do Ministério da Economia, consoante ao que também determina o próprio decreto, informamos que os limites serão restabelecidos em dezembro”, completou.

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O presidente da Andifes avalia que a liberação do recurso no último mês do ano ainda é uma sinalização. E, mesmo que ocorra, não irá desfazer as dificuldades de manter os contratos dos meses anteriores. “Um imenso número de universidades não vai ter condições de comprar o básico a partir de outubro, novembro”, comentou. A UFRJ informou ao Estadão, por exemplo, que as contas de serviços terceirizados estão sanadas apenas até agosto e que deixou de pagar por água e energia em julho, após um acordo com os fornecedores.

Além disso, Fonseca comentou que alguns resultados do atual bloqueio serão sentidos apenas em um ano ou mais, como no atraso do andamento de pesquisas e que o momento é de prestar um socorro às universidades. Ele explicou que a “sobrevivência” nos dois anos anteriores foi possível apenas pela redução de custos durante as atividades remotas. “É um impacto social, acadêmico e institucional muito grande.”

Ao Estadão, o também reitor da UFPR disse que a universidade ainda está estudando a situação. “A gente não tem como fechar o ano”, afirmou. “Estamos olhando os grandes contratos.”

Nesta quinta, o reitor da Universidade Federal de Lavras (Ufla), João Chrysostomo de Resende Júnior, declarou que é “provável” o adiamento da retomada das aulas após o recesso do primeiro semestre, que ocorreu fora do calendário tradicional, por efeito da pandemia.

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Em comunicado, informou que a instituição está com um déficit de cerca de R$ 1 milhão antes do atual bloqueio, de R$ 3,3 milhões. Também citou outras medidas de redução de custos que estão em discussão, como o reajuste do valor das refeições no restaurante universitário ou a paralisação do serviço, a descontinuação do funcionamento do transporte interno e da moradia estudantil, a suspensão do pagamento de bolsas e a redução no número de funcionários terceirizados, dentre outras.

Também por meio de nota, o reitor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Demetrius David da Silva, classificou o momento como de um “agravamento inimaginável da realidade orçamentária” e “todas as adaptações necessárias e possíveis já foram realizadas”. “Esse cenário anuncia o sucateamento dos serviços prestados pela universidade e a proximidade de paralisação das suas atividades.”

Sem acessar R$ 1,7 milhão, a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) decidiu bloquear metade dos recursos que restaram para garantir o pagamento de auxílios a estudantes e a manutenção de contratos de energia, segurança, vigilância e limpeza. “Inviabiliza qualquer forma de planejamento institucional, incluindo ações, atividades e serviços já previstos, além de comprometer seriamente o funcionamento das instituições”, destacou em comunicado a reitora, Aldenize Ruela Xavier.

Estudante fica sem bolsa

Aos 27 anos, Isabel (nome fictício de uma estudante que preferiu não se identificar) é aluna do sexto semestre de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e recebeu ainda no fim de setembro um email que a alertava sobre a possibilidade de não receber o pagamento da sua bolsa de extensão no mês seguinte.

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A universitária, que é cotista e natural de São Paulo, recebia R$ 400 para trabalhar 20h semanais, valor que usava para completar o aluguel e pagar o transporte até o campus.

“Essa foi minha primeira bolsa de estudos, comecei em maio. Há duas semanas, meu professor já avisou que eu não iria receber as duas últimas mensalidades por conta do corte de verbas, mas eles nem estavam imaginando que teria essa nova redução”, conta Isabel. Ela conta que gosta do trabalho e, por isso, decidiu permanecer como voluntária até dezembro.

Em nota enviada à reportagem, a UFPel afirma que o governo federal já havia cortado entre maio e junho 7,5% (o equivalente a R$ 5,9 milhões) da verba anunciada à instituição e prevista na Lei Orçamentária Anual. Com o novo bloqueio de 3,3% adicionais (aproximadamente R$ 2,6 milhões), anunciado nesta semana, a universidade se vê tomando “medidas de precarização além do limite do suportável”.

Serviços essenciais

O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) destacou que o bloqueio de R$ 147 milhões dos institutos federais (IFs), dos centros federais de educação tecnológica (os Cefets) e do Colégio Pedro II, do Rio, vai afetar serviços essenciais de limpeza e segurança. “Transporte, alimentação, internet, chip de celular, bolsas de estudo, dentre outros tantos elementos essenciais para o aluno não poderão mais ser custeados”, apontou.

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“Serviços essenciais de limpeza e segurança serão descontinuados, comprometendo ainda as atividades laboratoriais e de campo, culminando no desemprego e na precarização dos projetos educacionais”, completou, em nota. “É necessária e urgente a recomposição orçamentária, sob pena da rede federal ter seu funcionamento comprometido.”

No site institucional, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) diz ter sofrido um bloqueio de R$ 17,8 milhões, que pode afetar o pagamento de fornecedores e todo o funcionamento da instituição. “Se o bloqueio não for revertido, não teremos como continuar funcionando neste ano”, disse, em comunicado, o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp.

Segundo a instituição, o bloqueio corresponde a 5,84% da dotação orçamentária de 2022 e em um “momento crítico”, após abrir o ano com um “orçamento já manco”. “Com esse último contingenciamento, não vai ser possível empenhar as despesas de setembro, nem parte das de outubro, o que antecipa os riscos de interrupção de serviços”, acrescentou o pró-reitor, que classificou a situação como “dramática”.

Obra parada em campus da UFRJ Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Situação semelhante foi apontada pelo reitor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Paulo Vargas, em comunicado publicado no site da instituição. “Novo contingenciamento traz preocupação a todas as universidades, que ficam sob risco de não conseguir fazer face a todas as despesas.”

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O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSUL) divulgou ter sofrido um bloqueio de R$ 2,2 milhões, totalizando R$ 6,3 milhões se somado aos cortes sofridos ao longo do ano, o que representa 13% do orçamento inicialmente previsto. Segundo a instituição, os cortes afetarão a assistência estudantil, a oferta de bolsas em projetos de ensino, pesquisa e extensão, além de visitas técnicas, estágios e serviços terceirizados.

“Não será possível fecharmos as contas de manutenção do IFSul até o final de 2022, mesmo diante da redução de gastos, que já vem ocorrendo ao longo dos últimos anos de forma significativa em todas as nossas unidades, com enxugamento de despesas”, destacou o reitor, Flávio Luis Barbosa Nunes, em comunicado. Ele afirmou ainda que a instituição tem buscado manter a qualidade do ensino, o que “se torna cada vez mais difícil, quase impossível, diante do quadro que passamos a viver com os cortes efetivados”.

Também nesta quinta, a Universidade Federal de São Carlos (UFScar) emitiu um comunicado da reitoria, no qual descreve a situação como “crítica” e aponta que o bloqueio é de mais de R$ 2 milhões. O pagamento de bolsas de assistência e permanência estudantil e o funcionamento do restaurante universitário estão garantidos até janeiro, porém “demais despesas, como energia e esgoto, terão que ser negociadas com as empresa”, segundo a fala da pró-reitora de Administração, Edna Augusto, reproduzida em comunicado.

A instituição apontou que será necessário remanejar recursos, como os da área de investimentos para a de custeio. O comunicado destaca que a instituição reduziu contratos e serviços, como de manutenção predial e do sistema de ar condicionado, por exemplo, modificou o modelo de limpeza dos espaços e diminuiu o custeio de viagens didáticas e inscrições em congressos.

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O pagamento de bolsas de assistência e permanência estudantil e o funcionamento do restaurante universitário estão garantidos até janeiro, porém “demais despesas, como energia e esgoto, terão que ser negociadas com as empresa”, segundo a pró-reitora de Administração, Edna Augusto, reproduzida em comunicado.

Contingenciamento

Como o Estadão noticiou, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima que o contingenciamento no MEC é de cerca de R$ 3 bilhões, tornando a Educação a área mais penalizada pelos bloqueios de recursos em 2022 para o cumprimento do teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação. A Andifes calculou que o valor chegasse a R$ 2,4 bilhões. Em resposta, o Ministério da Economia argumenta que o bloqueio foi de R$ 1,3 bilhão.

Em pronunciamento nesta quinta, o ministro da Educação, Victor Godoy, chamou de “falsas” as informações sobre corte de verbas destinadas ao ensino superior. Ele defendeu que o decreto “traz um limite temporário na execução dos recursos públicos”, que seria um ato “responsabilidade fiscal” que será revertido em dezembro.

O ministro também afirmou que universidades que precisem de apoio poderão procurar a pasta, “que vamos conversar com o Ministério da Economia”. “Não tem risco de descontinuidade das atividades educacionais nas universidades e nos institutos”, garantiu. Ele comentou que a execução do orçamento destinado à educação está em torno de 85%./ COLABOROU JOÃO KER

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