Ataque a escola em Cambé, no Paraná: por que casos se repetem? Especialistas listam 5 razões

‘Estadão’ ouviu 5 estudiosos para entender que fenômenos e tendências podem funcionar como gatilhos ou potencializadores de atos violentos como o registrado em Cambé, no Paraná

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

Embora cada ataque trágico ocorrido em uma escola tenha por trás uma história e perfil específicos do agressor, especialistas são unânimes em dizer que fatores sociais e culturais existentes atualmente na sociedade brasileira podem estar relacionados ao aumento de ocorrências do tipo no País.

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Em abril, o Estadão ouviu cinco estudiosos para entender que tipos de fenômenos e tendências podem funcionar como gatilhos ou potencializadores de atos violentos como os registrados este ano em São Paulo e Blumenau (SC) e de que forma a sociedade deve se organizar para reduzir esses fatores de risco e diminuir a chance de novas tragédias.

Nesta segunda-feira, 19, um novo atentado foi registrado em Cambé (PR), onde um jovem matou a tiros uma aluna de um colégio estadual. Outro estudante se encontra em estado grave.

1. Avanço da intolerância e valorização da ‘cultura da violência’

O cenário social e político brasileiro, com crescente intolerância e polarização, funciona como um incentivador para atos violentos de todos os tipos, em especial para pessoas com algum histórico ou predisposição a esse tipo de conduta, segundo especialistas. Esses reconhecem que, embora o País tenha historicamente altos índices de violência e ataques contra minorias, os últimos anos foram marcados por um movimento crescente, visto principalmente na política, de polarização, intolerância e extremismo.

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Moradores fazem vigília em frente a creche atacada nesta quarta-feira Foto: ANDERSON COELHO / AFP

”Estamos em um País que tem os maiores índices de violência no trânsito, contra mulheres, contra minorias, contra pessoas trans. Somos uma sociedade violenta e ela está mais intolerante e polarizada. A polarização e a intolerância são ingredientes de uma cultura beligerante, de hostilidade, de extermínio do inimigo. Isso tudo alimenta mais violência”, afirma o psiquiatra Daniel Martins de Barros, colunista do Estadão.

Para Thiago Fernando da Silva, psiquiatra forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC) da USP, o cenário se agravou nos últimos anos porque a “cultura da violência passou a ser glamourizada”, com mais discursos de intolerância, menos espaço para resolução de conflitos de forma amistosa e incentivo a políticas públicas de maior acesso a armas. “Essa era uma cultura que associávamos aos Estados Unidos, mas passou a estar presente também no Brasil de maneira intensa. Isso cria um impacto muito grande em indivíduos vulneráveis que, por diversos motivos, têm um funcionamento mental mais frágil na questão da influência”, diz.

2. Crescimento e radicalização de grupos de ódio na internet

Na esteira do avanço da intolerância e da polarização e com a ampliação do acesso a ferramentas tecnológicas, até mesmo por parte de crianças e adolescentes, cresceram também grupos extremistas que se articulam sobretudo pelas redes sociais e ganham potência e escala graças a esse alcance dado pela internet. “Temos há algum tempo o extremismo e o discurso de ódio, com a desumanização de outros grupos sociais e discursos supremacistas. Só que isso chegou ao debate público, o extremismo veio para o mainstream porque houve uma normalização dos discursos nocivos. Isso vai levando mais pessoas para o extremo”, diz Michele Prado, pesquisadora do grupo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP).

Temos há algum tempo o extremismo e o discurso de ódio, com a desumanização de outros grupos sociais e discursos supremacistas. Só que isso chegou ao debate público, o extremismo veio para o mainstream porque houve uma normalização dos discursos nocivos

Michele Prado, pesquisadora do grupo Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo

Ela lembra que, com o isolamento imposto pelos dois anos mais intensos da pandemia da covid-19, as pessoas, em especial crianças e adolescentes, se voltaram mais para as interações sociais virtuais e ficaram mais expostas a esses conteúdos extremistas. “Temos crianças a partir de 10 anos recebendo isso em grupos do TikTok, Twitter, Discord”, diz.

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As narrativas são especialmente perigosas para os mais jovens porque eles ainda não completaram seu desenvolvimento psíquico e emocional e são mais suscetíveis à influência de pares. “Nessas comunidades de ódio, essas ideias têm eco, esses participantes se influenciam reciprocamente”, diz Silva, do IPq-HC.

Segundo Gustavo Estanislau, psiquiatra da infância e adolescência do Instituto Ame Sua Mente, o adolescente, pela imaturidade emocional e em especial se já tiver transtornos mentais ou conflitos familiares, pode mudar seu comportamento ao acompanhar esses grupos. “Quando está nesse conjunto, a pessoa pode dissolver sua personalidade no grupo, passar a ser mais hostil, impulsiva, reativa. Por isso é importante que os pais e educadores mantenham o diálogo, as relações saudáveis e monitorem o que os jovens fazem na internet.”

3. Distanciamento nas relações e enfraquecimento do afeto

O aumento de comportamentos violentos, do isolamento e da intolerância entre alguns jovens tem, como pano de fundo, em alguns casos, um distanciamento e superficialismo nas relações, até mesmo familiares. Para o psicólogo Timoteo Madaleno Vieira, professor de psicologia e educação do Instituto Federal de Goiás (IFG), vivemos um período de transição entre uma sociedade mais tradicional para um cenário de maior liberdade e priorização das demandas e desejos individuais.

Nesse contexto, porém, o afeto e o cuidado com o outro podem se perder, levando ao aumento de sentimentos como abandono, rejeição e solidão. “Nos distanciamos uns dos outros. Os pais se distanciam dos filhos, eles passam mais tempo sozinhos. Os pais ficam preocupados com isso, mas, ao mesmo tempo, gera conforto para eles poderem fazer as coisas deles, porque o filho demanda muito, dá trabalho. Essa proximidade afetiva está em baixa. E um mundo sem afeto é um mundo doente porque não consegue pensar no outro e no valor que ele tem”, diz o especialista.

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Nos distanciamos uns dos outros. Os pais se distanciam dos filhos, eles passam mais tempo sozinhos. Os pais ficam preocupados com isso, mas, ao mesmo tempo, gera conforto para eles poderem fazer as coisas deles, porque o filho demanda muito, dá trabalho

Timoteo Madaleno Vieira, professor de psicologia e educação do Instituto Federal de Goiás (IFG)

“Nosso processo de desenvolvimento é modulado pela visão do outro, a gente se constitui a partir disso e há esse desgaste nas relações sociais e familiares. Com isso, as redes sociais acabam sendo um refúgio”, afirma Silva.

4. Piora da saúde mental da sociedade

Os prejuízos trazidos pela pandemia e o empobrecimento das relações afetivas são dois fatores que pioraram a saúde mental geral da população, com aumento de transtornos mentais e comportamentos problemáticos que podem levar a atos violentos. ”Temos dados concretos de que os estados de alerta associados à pandemia elevaram os níveis de estresse, aumentaram as queixas de depressão e ansiedade e levaram especialmente os jovens a agirem de forma mais impulsiva e agressiva”, diz Estanislau.

”Temos dados concretos de que os estados de alerta associados à pandemia elevaram os níveis de estresse, aumentaram as queixas de depressão e ansiedade e levaram especialmente os jovens a agirem de forma mais impulsiva e agressiva

Gustavo Estanislau, psiquiatra da infância e adolescência do Instituto Ame Sua Mente

Os especialistas alertam que o uso excessivo de redes sociais aumenta a ansiedade e pode gerar frustrações pelo não alcance dos padrões de beleza e sucesso impostos por algumas publicações. “Os mais jovens estão com o cérebro em formação. Os pais têm de tomar cuidado com o conteúdo que está sendo consumido, precisam estar juntos no processo de desenvolvimento Um dos melhores marcadores de saúde mental é o desenvolvimento de relações sociais saudáveis”, afirma Silva. Ele defende ser necessário maior regulamentação por parte das plataformas tecnológicas quanto ao conteúdo disseminado nas redes.

5. A importância do efeito contágio

Um último aspecto trazido pelos especialistas como possível influenciador do aumento de ataques a escolas é o chamado efeito contágio, ou seja, um crescimento de atos violentos motivados por outros crimes similares cometidos num período recente. No contexto atual, de ampla e rápida disseminação dos ataques por meio da imprensa e redes sociais, a forma com que os casos são retratados pode levar outras pessoas já vulneráveis ou integrantes de grupos extremistas a se inspirarem e repetirem essa conduta.

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”Dependendo de como o fato é divulgado, um indivíduo com um perfil de empatia menos desenvolvido pode se sentir validado por esse tipo de comportamento”, diz Estanislau. Para Silva, um dos fatores que influenciam outros casos similares é justamente a glamourização da violência por pessoas já predispostas a esses tipos de atos. “Esses indivíduos querem ser vistos, querem aparecer no jornal, na mídia. Uma maneira de fazer prevenção é noticiar o fato de maneira mais controlada, evitar imagens dos ataques e do autor”, afirma.

NOTA DA REDAÇÃO: O Estadão decidiu não publicar foto, vídeo, nome ou outras informações sobre o autor do ataque, embora ele seja maior de idade. Essa decisão segue recomendações de estudiosos em comunicação e violência. Pesquisas mostram que essa exposição pode levar a um efeito de contágio, de valorização e de estímulo do ato de violência em indivíduos e comunidades de ódio, o que resulta em novos casos. A visibilidade dos agressores é considerada como um “troféu” dentro dessas redes. Pelo mesmo motivo, também não foram divulgados vídeos do ataque em uma escola estadual na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, no último dia 27 de março.

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