Pergunta para qualquer professor que ele terá a resposta pronta e fácil. Sempre tem alguns conteúdos que parecem emperrar, seja pela complexidade do tema seja pela falta de interesse dos alunos. De forma remota, o desafio torna-se bem maior. Em casos assim, o que alguns têm percebido é que talvez seja melhor levar tudo na brincadeira, literalmente. O processo de gamificação oferece técnicas que auxiliam os educadores a alcançar seus objetivos pedagógicos por meio de atividades nas quais grupos de alunos devem interagir e, consequentemente, se engajar.
Não se trata de enfrentar um dinossauro, vencer uma corrida ou salvar o planeta de alienígenas com um joystick, mas sim pegar emprestadas as técnicas e mecânicas de jogos para resolver problemas e situações em ambientes virtuais com o máximo grau de semelhança com o mundo real.
Como nos games, valem narrativas, missões e pontuações. Na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), a graduação em Administração tem duas disciplinas elaboradas com técnicas de gamificação: Simulação de Negócios e Simulação Avançada de Negócios, do 3º e do 7º semestres, respectivamente.
Em graus de complexidade diferentes, as matérias emulam cenários do mercado de trabalho nos quais os alunos formam empresas fictícias. Eles devem tomar as decisões que orientem os negócios atuando como concorrentes, em um ambiente com características de jogos de estratégia ou de criação de mundos e universos.
“As competições são muito bacanas. São disciplinas que já existem há um bom tempo na Faap, mas que agora têm ganhado novos contornos e ferramentas mais atualizadas”, explica Bruno Alvarez Ignácio, coordenador do curso. “Além delas, que são completamente gamificadas, existem metodologias de gamificação que perpassam outras matérias do curso.”
Na prática
Nessas aulas, os alunos estipulam elementos como preços dos seus produtos, elaboram campanhas de marketing, planejam aquisições de matérias-primas e o porte de suas empresas. O sistema de simulação avalia os desempenhos e atribui indicadores que permitem a comparação dos resultados, bem como expõem a saúde dos empreendimentos, avaliando aspectos contábeis e a participação de mercado.
Durante todo este tempo de distanciamento social, o aluno José Paulo Kimura Gonçalves, do 8º semestre do curso de Administração, conduziu remotamente uma pequena empresa fictícia de varejo, com três colegas. A simulação exigiu que eles gerissem a empresa, cuidando de áreas de recursos humanos, produção, expansão de instalações. Os fatores externos, como ações de concorrentes e impactos de políticas econômicas, eram criados como elementos surpresa pelos professores.
Gonçalves, que já tinha o sonho de empreender, terminou o semestre com a convicção de que o tamanho do desafio não é coisa para enfrentar sozinho. “Antes eu imaginava ser um processo centralizado em uma pessoa. Minha visão agora é que terá de ser uma experiência coletiva, com um bom time e recursos tecnológicos para gerenciar um negócio da forma ideal.”
Detalhamento
Outra solução que permite transpor atividades práticas é a realidade aumentada. Na Unicesumar, o recurso integra um aplicativo que permite a interação com objetos em 3D, o app Unicesumar Experience. É possível ver um item em um cenário real, com informações sobre suas propriedades materiais e possibilidade de analisar seu comportamento, redimensioná-lo ou modificar suas estruturas.
Um estudante de um curso de Engenharia pode elaborar uma maquete em diversas escalas apenas apontando a câmera do seu celular. Ele vê em sua tela o prédio, casa ou outra obra que planejou posicionados no que estiver à frente.
Débora Leite, diretora de Design Educacional da instituição, coordena o desenvolvimento do aplicativo. Em 2020, o Unicesumar Experience receberá sua 6ª versão. O aplicativo é parte de uma metodologia de ensino centrada no desenho universal de aprendizagem, que contempla as diferentes formas de aquisição de conhecimento.
Para isso, ele conta com inteligência analítica, que coleta as informações sobre as ações dos alunos – seja nos simuladores ou games – e permite aos professores uma percepção melhor sobre as atividades pedagógicas.
“Quando o aluno participa de um game, eu consigo rastrear todas as etapas por que ele passou, quais foram os momentos de dificuldade. Quando o professor da disciplina recebe todas as informações, volta para a aula com os pontos de atenção para ajudar o estudante a melhorar seu desempenho”, explica Débora.
Como é possível perceber, em se tratando de educação, toda brincadeira é intencional. Até no ensino superior.
São Judas recria 100 laboratórios virtualmente
Na Universidade São Judas, mais de cem modelos diferentes de laboratórios foram recriados em ambientes virtuais para serem acessados por meio de telas. Não é um game, mas não deixa de ser um recurso lúdico. E vale para todas as áreas.
“Suponha que o aluno vá estudar corrente elétrica em uma aula de Física. Ele monta o circuito virtualmente e avalia com o professor. O simulador tem a vantagem de permitir práticas em situações extremas que não seriam viáveis em um laboratório presencial”, explica Rodrigo Neiva, diretor de Personalização da vice-presidência acadêmica da Ânima Educação, grupo do qual a São Judas faz parte.
Neiva comenta que esse tipo de ferramenta – já incorporada na infraestrutura da instituição – foi especialmente importante para a garantia do aprendizado nesses meses sem aulas presenciais. “O professor pode planejar suas aulas considerando essas novas possibilidades de simulação, interação e trabalho remoto. É um laboratório na casa do aluno”, afirma.
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