‘Bullying pode ser motivo para trocar criança de colégio’

Professora da Faculdade de Educação da USP explica o que deve ser feito caso filho seja vítima de agressões na escola

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Sintonia. Pais devem verescola que se ajusta melhor ao perfil da família Foto: Arquivo pessoal

Problemas graves na escola, como casos de bullying, podem justificar uma mudança de colégio, se a instituição não ajudar a contornar a questão. Em entrevista ao Estado, Silvia Colello, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), explica que aspectos justificam uma mudança de escola e destaca a importância da tentativa de diálogo antes de assumir posturas radicais.

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O que pode ser feito antes de mudar de escola por nota baixa?

Pais e escolas sempre têm de estar muito próximos no acompanhamento da vida escolar, independentemente de qualquer coisa ou de casos extremos. Nota baixa é um aspecto, mas às vezes tem casos de bullying, de inadaptação social, ou a criança é muito tímida, fica isolada. Às vezes parece que está dando tudo certo, a criança tira notas boas, mas está infeliz na escola, não tem amigos.

A repetência é um motivo para sair ou isso pode ser contornado pelos pais?

A repetência é uma medida que deixa marcas, mas isso tem que ser avaliado caso a caso. Às vezes a criança está imatura, precisa de um tempo a mais. Se for essa a opção (tirar da escola), conversar muito com a criança para tentar minimizar os efeitos do sentimento de fracasso, de baixa autoestima. 

Alguns pais mudam de escola porque a metodologia não é adequada ao filho. Como perceber isso?

Muitos pais procuram a escola que frequentaram ou a escola que foi boa escola paro o irmão mais velho, por exemplo. E partem da ideia de que se já deu certo, vai dar de novo. E isso não é regra. Os pais têm de compreender que não existe escola perfeita, mas existem escolas com propostas educativas que podem se ajustar mais ou menos àquela criança.

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Quando eu falo de ajustar, eu falo da metodologia que atende às expectativas, bate com a personalidade e o perfil da criança. Mas é também o ambiente da escola. Tem pais que são muito liberais e põem em uma escola muito rígida porque eles acham que, na média, vai dar certo. Isso não funciona bem porque a criança vive em um esquema de contradição. A proposta tem se aproximar do perfil da família. 

A escolha de uma escola que não estimula o aluno a estudar deve ser repensada pelos pais?

Deve. A escola tem que estimular o aluno. Não só garantir a aprendizagem, mas ensinar a estudar. Dar para o aluno a oportunidade de ele ser um pesquisador, um protagonista do seu processo de aprendizagem. Para te dar um exemplo: eu vejo muitos alunos meus na universidade que são bons alunos, mas não têm autonomia para aprender. Não sabem ir à biblioteca, fazer uma pesquisa. Porque a vida inteira receberam o conteúdo apostilado, mastigado.

Então, são escolas que garantem o conteúdo, mas não garantem a formação do estudante de forma mais ampla. Nem sempre os pais têm condição de ver isso. Às vezes eles estão tão preocupados com o vestibular, por exemplo, que não percebem que o projeto educativo é muito mais amplo. Envolve formar um sujeito com autonomia para a aprendizagem, que tenha liderança, valores, como respeito à diversidade, tolerância, que seja capaz de ter uma reflexão crítica. 

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Insistir em uma escola onde a criança está sofrendo bullying ou tem dificuldades para se enturmar pode ser uma boa medida?

O bullying é uma prática que costuma deixar marcas muito profundas nas crianças e jovens. Então, em um primeiro momento, os pais têm que procurar a escola e cobrar iniciativas com relação ao bullying. Não é assim: começou o bullying, tira da escola. Em primeiro momento tem de conversar com a escola, mas se a coisa não se resolver, deve mudar de escola, sim. Se deixar uma criança por anos sofrendo bullying, é forte a probabilidade de ela levar isso para a vida inteira.

Eu lamento porque muitas escolas não conseguem lidar com isso, os professores não estão preparados e a escola finge que não vê. Tão importante quanto conteúdos é garantir a boa convivência respeito, tolerância, o atendimento à diversidade. Eu desconfiaria de uma escola que só trabalhe conteúdo e não se preocupe com essas questões.

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Em relação a crianças mais novas, no Fundamental 1, por exemplo, quais os sinais de que a adaptação à escola não está indo bem?

Os pais me perguntam: como eu sei que a escola está sendo boa? É só olhar para o seu filho. A criança tem de dar mostras de estar bem. Ele vai feliz para o colégio, recebe amigos, é convidado para festas, participa das atividades extras da escola, dá conta das lições. Na infância, a escola é o eixo da vida da criança. Ou deveria ser. Se não for, é sinal de preocupação.

Na pré-adolescência, as coisas mudam um pouco. O jovem tende a bater um pouco de frente porque entram em seu circuito outras esferas de referência, para concorrer com a vida escolar. É comum que o jovem fale que não gosta da escola. Mas aí o canal é conversar. “O que está acontecendo? Por que você não gosta?” Às vezes o adolescente fala que não gosta de um professor ou porque no dia teve lição demais. Os pais têm de sentir se é um aspecto pontual, periférico ou um problema de fato.   A partir de quando a criança pode efetivamente opinar sobre a mudança de escola?

Participar sempre e se responsabilizar pela mudança progressivamente, cada vez mais a partir da pré-adolescência. A partir de uns 10 anos, a escolha tem de ser cada vez mais dividida com o jovem. Na adolescência, se vocêcontraria o jovem nessa escolha, a chance de dar errado é muito grande. Mas, ao mesmo tempo, você não pode falar: “veja a escola que você quer”. O jovem tem que ser corresponsável por essa mudança, principalmente quando existe uma situação de fracasso.

Então, às vezes mudar de escola pode ser visto como uma segunda chance: “olha, naquela escola você não foi responsável, não fez a lição, provocou todo mundo, não obedeceu. Nós vamos mudar você de escola e você vai entrar ‘zerado’ na outra. Ninguém te conhece e você faz uma nova história”. A mudança às vezes é muito boa como forma de recomeçar porque na escola anterior aquele aluno já estava marcado. Que a mudança seja um rito de retomada, de mudança de postura. 

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