O crescimento de economias emergentes, com foco nos países que integram o Brics (abreviação para o grupo que inicialmente incluía Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é terreno fértil para oportunidades de negócios e empreendimentos – e também estudo. A temática, sobretudo em nível de pós-graduação, pode fazer a diferença na trajetória de carreira em um mundo globalizado. Ainda mais com o convite feito há um mês para entrada no grupo de Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Isso deve levar ao reforço do programa internacional de estudo. Em 2015, houve o Memorando de Entendimento para o Estabelecimento da Universidade em Rede do Brics (Brics NU, do inglês Brics Network University). Entre os objetivos da rede de cooperação universitária estão o fomento de programas bilaterais e multilaterais de ensino e pesquisa, formação conjunta de mestres e doutores e incentivo do intercâmbio de discentes, docentes e pesquisadores.
O acordo rendeu, no Brasil, um edital que selecionou, em 2016, 12 projetos de pós, de nove universidades, em seis áreas do conhecimento definidas como prioritárias pelo bloco: energia; ciência da computação e segurança da informação; estudos dos Brics; ecologia e mudanças climáticas; recursos hídricos e tratamento da poluição e economia.
Não houve novas edições do edital. De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), os projetos aprovados encontram-se encerrados, mas algumas das parcerias constituídas entre os grupos de pesquisa ainda estão vigentes. A agência segue como parte do Conselho de Direção da Brics NU e informou que tem interesse em reforçar a participação do Brasil na rede de universidades.
“A Fundação considera essa iniciativa de relevância na estratégia de internacionalização da pós e da ciência brasileira e para o desenvolvimento do País. Estão sendo realizadas discussões no âmbito da Capes para o fortalecimento dessa parceria”, disse, em nota oficial.
Para especialistas, ainda que os integrantes do bloco tenham perfis diferentes, iniciativas de colaboração acadêmica podem ser benéficas — principalmente quando se debruçam sobre questões que tangem o desenvolvimento das nações.
“Muitos países do Brics têm experiências únicas nesses quesitos. Podemos citar os estudos sobre combate à pobreza no Brasil, sobre desenvolvimento econômico na China e questões raciais na África do Sul”, afirma o pesquisador Maxim Khomyakov, Reitor da Escola de Artes e Ciências da Universidade da Ásia Central (UCA).
Bruno Martarello de Conti, professor do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores da Brics NU no eixo de Economia, adiciona à lista de motivos para a realização de pesquisas em conjunto temas como a desigualdade social, formas de lidar com o passado colonial e doenças tropicais, “negligenciadas por países do norte global”, questões comuns a mais de um dos países-membros. “É mais do que hora dos países do sul global terem um diálogo direto”, afirma.
Para Tom Dywer, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e diretor brasileiro do Centro de Estudos Sobre a China (Cass), voltar os olhares para o mundo emergente é também um caminho para o desenvolvimento do Brasil. “Se a gente tivesse esse espírito, não estaria talvez tão dependente da China. É uma situação em que 34% das nossas exportações (do agronegócio) vão para um país sobre o qual a gente não sabe quase nada.”
Se o mundo dos negócios já entendeu a importância dos parceiros comerciais asiáticos, pondera, na academia há um longo caminho pela frente. “O movimento das ideias é mais devagar, e a gente está muito preso ao paradigma ocidental, que diaboliza o outro”, diz Dywer, que considera que o Brics é a organização não regional mais criativa desde a ONU.
Em 2016, a Unicamp teve dois projetos aprovados no edital da Capes para a Brics NU; um na área de Economia e outro em estudo dos Brics. Segundo os dois professores, muito do que é desenvolvido na temática hoje teve raízes na parceria. “Foi possível fortalecer os programas existentes, fomentar intercâmbio discente e docente, pesquisas conjuntas e coautoria de artigos”, afirma Bruno.
Em 2019, a instituição foi sede do encontro anual do eixo de economia da Brics NU, com um seminário de pesquisa e uma escola de inverno. Segundo o professor, o evento, que durou uma semana, contou com cerca de 80 estudantes e participantes de 23 nacionalidades. Outras duas edições foram organizadas de forma virtual durante a pandemia, pela China e pela Rússia. Segundo Maxim Khomyakov, posteriormente “houve falta de financiamento e de direcionamento, mas, mesmo nessas circunstâncias, a Brics NU contribuiu para um melhor entendimento entre os cinco países”.
O fomento da colaboração acadêmica, segundo Bruno de Conti, ganha mais relevância com a expansão do bloco e o aumento de seu poder econômico: pautas discutidas atualmente pelos governos precisarão de embasamento científico. É o caso, explica, da formação de profissionais para os quadros do Novo Banco do Desenvolvimento (NBD), que busca ser um financiador nos países emergentes — ou mesmo para outras instituições que venham a ser criadas no futuro.
Ele destaca, também, a possibilidade da criação de uma moeda comum dos Brics. “É pertinente ou não? Se criar, em que formato? São coisas que precisam de um substrato acadêmico e tudo isso não vai ser respondido pelo centro, mas pela academia dos países que estão envolvidos nesse esforço”, afirma.
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