Opinião | Arquidiocesano, 165 anos - Quando a história de um colégio se mistura com a história da cidade

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Por Natália Venâncio

São Paulo, em meados do século XIX, contava com aproximadamente 30 mil habitantes. Não havia sistema de transporte público, que só foi implantado em 1872, com os bondes movidos à tração animal. Energia elétrica? Ainda levaria quase meio século para chegar na capital paulistana. Os automóveis, hoje contados aos milhões, ainda seriam inventados  pelo alemão Karl Benz (1885). O Museu do Ipiranga (1895), o MASP (1947), o Parque Ibirapuera (1957) e tantos outros ícones da cidade, ainda não faziam parte daquela acanhada São Paulo dos anos 1850. No censo realizado nesta época, o que conhecemos hoje como a maior cidade da América Latina (e uma das maiores do mundo), figurava apenas na 64ª posição no ranking das cidades mais populosas do Império Brasileiro (sim, o regime republicano ainda não havia se estabelecido por aqui).

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É neste contexto, em 1858, quando as ruas da capital ainda eram iluminadas por 200 lampiões a gás, que o Colégio Diocesano foi inaugurado.  Inicialmente, foi administrado por freis capuchinhos e, posteriormente, por padres diocesanos. Ficava na Avenida Tiradentes, esquina com a São Caetano, popularmente conhecida como "Rua das Noivas", no bairro da Luz, onde atualmente fica a Igreja de São Cristóvão. Exatos 50 anos depois da sua inauguração, em 1908 a instituição passou a ser administrada pelos Irmãos Maristas, que haviam chegado ao Brasil poucos anos antes e já eram conhecidos pelo rigor acadêmico e pela formação cristã.

Na década de 1920, quando São Paulo já havia se tornado a segunda maior cidade do país (a primeira era a capital, Rio de Janeiro), e com a procura cada vez maior pela educação Marista, os administradores do colégio decidiram mudar sua sede. Em 1927, "atentos aos sinais dos tempos", os Irmãos Maristas compraram um terreno no distante bairro da Vila Mariana. O belíssimo projeto foi desenvolvido pelo escritório do famoso Engenheiro Álvaro Salles de Oliveira. A pedra fundamental da construção foi lançada no ano de 1929. Um projeto arrojado, com 12 mil m² de área construída; além dos dormitórios, tinha laboratórios de Química, Física e Biologia, um rico acervo de história natural, áreas para a prática de atividade física, sala de desenho, salão nobre para eventos de maior porte e uma imponente arquitetura de estilo neoclássico. A capela, uma verdadeira obra de arte, com vitrais trazidos de Grenoble, França, e mármores coloridos adornando piso, paredes e Altar-Mor. Reunindo o que havia de mais moderno em termos de educação na época, o belo edifício foi inaugurado em 25 de janeiro de 1935, no dia do aniversário de 381 anos da cidade, "um presente para São Paulo!". Na época, os Irmãos Maristas foram taxados de loucos, "por construírem uma escola no meio do nada". Na realidade, eram visionários, pois a Vila Mariana é tida atualmente como um dos melhores e mais bem estruturados bairros da megalópole paulistana.

Ao longo dos seus 165 anos de história, o Colégio Arquidiocesano teve que paralisar suas atividades em apenas duas ocasiões. No pós Primeira Guerra Mundial, não bastassem os horrores do conflito, a epidemia conhecida como Gripe Espanhola matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o planeta. Estima-se que 5% da população mundial foi vítima do vírus. Com o agravamento da crise sanitária na cidade em 1918, e com a escassez de leitos em São Paulo, o arcebispo Dom Duarte Leopoldo da Silva pediu que as aulas fossem suspensas e o colégio foi transformado em hospital provisório. O Dr. Emilio Ribas foi nomeado "diretor" do hospital nas instalações do colégio. Os doentes foram distribuídos nas salas de aula. Ao todo foram atendidos no colégios 331 pacientes, com 33 óbitos; 20 anos depois do fim da epidemia, já na nova sede na Vila Mariana, os Irmãos Maristas construíram uma gruta, em homenagem a Nossa Senhora de Lourdes, como agradecimento por não ter havido vítimas fatais entre professores e alunos.

A segunda vez em que o colégio teve que suspender as aulas foi durante a Revolução Paulista de 1924, quando jovens oficiais se revoltaram contra o governo do presidente Artur Bernardes. Em 5 de julho, pela manhã, os rebeldes tomaram o centro da cidade. Com o som de tiros de metralhadora e canhões que foram disparados contra o Palácio do Governo, alunos e professores viveram dias angustiantes. Em 7 de julho, uma segunda-feira, uma tropa composta por soldados e civis armados invadiram o Arquidiocesano. Após longa negociação, os Irmãos conseguiram autorização para evacuar o colégio. Um grupo de 132 alunos, empunhando bandeiras brancas, acompanhados dos educadores, foram encontrar os pais e parentes na Praça da República. Outros dois grupos foram para a Penha e para o Cambuci. Aqueles cujos pais moravam no interior, foram instalados provisoriamente no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Moji. O colégio foi transformado em quartel general das forças revolucionárias! Terminado o conflito, as aulas foram retomadas em 7 de agosto daquele mesmo ano, depois que os estragos causados pelos tiros de obuses foram reparados. Durante a epidemia da Covid-19, em 2020, as aulas não foram suspensas. Apesar do colégio ter ficado fechado por vários meses, como as demais escolas, as aulas foram mantidas no modelo remoto. Neste período, o Arqui estava na casa de cada um dos seus alunos e educadores.

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Hoje, 165 anos após a sua fundação, sendo o colégio mais antigo em atividade (ou mais longevo)  da cidade de São Paulo, o Arqui continua sendo uma referência em educação. Buscando oferecer uma formação integral aos seus alunos, está alicerçado em três pilares fundamentais: ensino de qualidade, formação baseada em valores e atualização constante. Sua longa trajetória na cidade de São Paulo só foi e é possível graças a uma proposta pedagógica consistente, que valoriza o conhecimento, o esporte, a arte e o protagonismo dos seus estudantes. Ao direcionarmos nosso olhar para o futuro do Arqui, com forte investimento em tecnologia, revitalização e ressignificação dos espaços, valorização do seu corpo de educadores e diálogo constante com as famílias e estudantes, temos a convicção de que o colégio continuará ocupando um lugar de destaque na capital paulista. Para uma história tão duradoura, tradição e inovação precisam caminhar juntas.

No sonho de Marcelino Champagnat, fundador do Instituto Marista, "educar é um ato de amor!" E que este sonho duradouro continue por muitas gerações, fazendo parte da vida de tantas pessoas, e da cidade de São Paulo - em um entrelaçar entre concreto e afeto.

*Prof. Everson Caleff Ramos é diretor geral do Colégio Marista Arquidiocesano. 

 

 

Opinião por Natália Venâncio
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