Por Malu Rangel
Por volta dos oito, nove anos, me encantei por livros.
Por um livro.
Por alguns livros.
Por muitos livros.
Assim íamos: livros que eram meus e, em todas as medidas, livros que eram eu. De repente, ler, que até pouco tinha sido nada além do que um passar de tempo vagaroso - palavras emboladas em linhas compridas -, se tornava um passatempo de criar. Viagem e mergulho, o "um pouco sozinho", ler e brincar eram minha dupla preferida.
Marcelo, marmelo, martelo acabara de ser lançado por Ruth Rocha, e comecei também a inventar meus próprios modos de nomear o mundo. Dentre muitos, um especialmente mágico: a biblioteca da escola se chamaria, para mim, caixa de livros.
Que besteira, diriam alguns.
Qual é a graça, ou melhor, qual é a magia, de uma "caixa de livros"?, pensariam outros.
Talvez eu não saiba explicar. Mas posso convidá-los a imaginar.
Para mim, a biblioteca da minha escola, ampla, iluminada, colorida, era uma caixa gigantesca, na qual eu podia entrar. Uma vez lá dentro, tudo tinha vida, e mais: cada livro reproduzia, em si, pedaços do desconhecido e do infinito, num movimento peculiar. Era um segredo nosso, e assim conversávamos.
Entrar em bibliotecas, vida afora, é redescobrir minha primeira caixa de livros. É procurar o lugar aberto e repleto de surpresas e de sustos - um pouco do que é viver, afinal.
Vidas e livros. Não por acaso, em uma de suas obras para crianças, Sylvia Orthof inventa uma biblioteca (toda arrumada, cheia de regras, escura) e a faz epicentro para o amadurecimento de sua protagonista. Enquanto a menina adolesce, a biblioteca cria vida, os livros se libertam das capas cinzas e revelam suas cores. E é este lugar colorido, pulsátil, que existe todos os dias, no Colégio Oswald de Andrade - lá, reencontro e descubro uma caixa mágica.
Luz, vida, páginas, surpresas, movimento, integração: tudo cabe no Centro de Leitura, Investigação e Pesquisa, o CLIP. E se as perguntas não terminam nos livros, nessas páginas que nos levam além, a leitura navega também por outras linguagens: artes visuais, tecnologia digital, ciências da natureza, filosofia, sociologia... Tudo se integra e se movimenta neste lugar que guarda tesouros antigos e que é aberto para a bibliodiversidade e para os debates contemporâneos.
Ser leitor no CLIP é percorrer aventuras e distâncias, lançar-se no espaço aberto que nos aguarda a cada leitura e a cada esquina da vida. É aprender a narrar o mundo que nos circunda, mesmo quando tudo parece querer nos deixar mudos, um pouco como o filósofo Walter Benjamin conta sobre os soldados que voltavam da guerra, sem palavras para descrever o que fosse.
Saber que, quando tudo parece ruir, há firmezas e portos-seguros: o CLIP é mesmo esta caixa fabulosa esperando ser aberta por cada leitor. Pois somos, talvez e afinal, como inventou Jorge Luis Borges, "palavras ou letras de um livro mágico, e esse livro incessante é a única coisa que há no mundo: melhor dizendo, é o mundo".
Malu é coordenadora de bibliotecas do Colégio Oswald
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