Sueli Marciale, diretora assistente da Unidade Granja Vianna, destaca que, junto à alfabetização, deve acontecer o letramento, inserindo práticas reais da leitura e da escrita no cotidiano da criança
Ao falar em educação, a alfabetização é um estágio básico que logo vem à mente, pois é porta de entrada para vários outros conhecimentos e campos do saber. No entanto, é importante enfatizar que não deve haver pressa em relação ao tempo que uma criança leva para aprender a ler e escrever.
O processo de aprendizagem da alfabetização não é imediato, ou seja, é preciso passar por níveis até que seja estabelecido o domínio completo. Além disso, cada criança tem o seu próprio ritmo e desafios específicos, que devem ser observados pelos educadores.
A expectativa dos pais
Quando a criança é matriculada em sua primeira escola, é comum que os pais já sonhem com a imagem dela, em um futuro próximo, lendo e escrevendo. Sobre essa expectativa, Sueli Marciale explica: "Muitas famílias ainda têm como referência a forma como foram alfabetizadas e passam a cobrar da escola que o pequeno, a partir do Infantil 4 (no qual crianças têm 4 anos), saiba ler e escrever (dominem somente o código alfabético) ao invés de ter o tempo didático ocupado por brincadeiras, por considerarem que é fundamental escrever correto palavras, sílabas, letras etc."
Essa ansiedade dos pais pode gerar algumas questões. Segundo Sueli, as falas mais frequentes são:
- "Meu filho ainda não sabe escrever o nome!" - "Quando ele escreve e coloca letras erradas, os professores não corrigem?" - "A escola não está vendo que meu filho não evoluiu?" - "Devo ou não corrigir em casa?" - "Em outras escolas, as crianças já estão escrevendo palavras?" - "Qual é o método de alfabetização desta escola?"
Nesses momentos, cabe aos pais confiarem no trabalho dos profissionais e entenderem que a alfabetização é um processo marcado por dificuldades e avanços. Caso queiram saber mais sobre o assunto, é importante estabelecerem um campo de diálogo com os professores e coordenação.
Existe certo e errado no processo de alfabetização?
"Não existe certo ou errado no processo de Alfabetização, pois os estudantes não se alfabetizam ao mesmo tempo e no mesmo ritmo, por alguns encontrarem dificuldades para desenvolver as habilidades de escrita e de leitura. Por isso, um olhar especial para cada caso é extremamente importante para identificar as causas e encontrar as melhores soluções", comenta Sueli.
Normalmente, os fatores ligados à dificuldade do estudante podem envolver questões socioeconômicas, faltas nas aulas, questões familiares, especificidades da escola ou dificuldades próprias da criança.
Quanto tempo leva a alfabetização?
"Segundo a Base Nacional Comum Curricular, o processo de alfabetização deverá ocorrer até o 2º ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de consolidar o conhecimento (pois, desde a Educação Infantil, essas questões já começam a ser desenvolvidas) e garantir o direito fundamental de aprender a ler e escrever. Ela reconhece a necessidade de atividades sistemáticas de alfabetização durante esse período", explica Sueli Marciale.
Ainda na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), fica evidente que o trabalho da alfabetização deve estar aliado ao letramento, ou seja, à participação ativa e cotidiana das crianças em práticas de leitura e escrita. Essa técnica pode ser denominada como "alfabetizar letrando".
Alfabetização e letramento
"Entende-se, então, que Alfabetizar Letrando é a orientação dada à criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos", esclarece a profissional.
Sendo assim, temos a seguinte relação:
Alfabetização: contempla apenas a parte técnica da escrita e da leitura, com a decodificação de letras e sílabas.
Letramento: necessário para o domínio completo da escrita e da leitura, compreendendo os instrumentos de escrita e a relação entre grafemas e fonemas. É preciso que a criança aplique e compreenda as habilidades no cotidiano.
A linha do tempo da alfabetização
Seguindo a orientação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o ciclo de alfabetização deve estar completo até o final do 2º ano do Ensino Fundamental, tendo início oficial no 1º ano. No entanto, as crianças são submetidas a contínuas etapas de letramento desde a Educação Infantil (I2, I3, I4, I5), o que estabelece um contato indispensável com a escrita e a leitura.
Para entender mais sobre esse desenvolvimento na infância, confira os 5 níveis da alfabetização, em linha do tempo, descritos pela professora Sueli:
Nível 1 e Nível 2 - Hipótese pré-silábica (fases pictóricas, gráfica primitiva e pré-silábica propriamente dita):
- Nível 1A criança apresenta traços típicos, como linhas e formas semelhantes a emes ("M") em letra cursiva. Apenas quem escreveu sabe o que significa. Ainda não se pode distinguir desenho e escrita em seus registros, recorrendo à utilização de desenhos. A escrita deve possuir variedade de caracteres. A quantia de grafias para cada palavra deve ser constante. A escrita dos nomes é proporcional à idade ou tamanho da pessoa, do animal ou do objeto a que se refere. Exemplo: a criança escreve "boi" de forma gigante e "formiga" de forma mínima.
- Nível 2Para ler coisas diferentes deve haver diferença na escrita. Fixa-se a quantidade mínima de caracteres para escrever - os caracteres aparecem organizados linearmente nesse nível. A forma dos caracteres está mais próxima das formas das letras e podem aparecer junto com números. A criança passa a adquirir formas fixas de escrita, utilizando letras do seu próprio nome ou letras conhecidas ("aron", lido como "sapo" / "aorn", lido como "pato" / "raon", lido como "casa") como fonte principal para seu registo. Cada letra não possui ainda valor sonoro por si só. Assim, a leitura permanece realizada de modo global. Predomina a escrita em letra de imprensa maiúscula.
- Nível 3 - Hipótese silábicaAparece a hipótese silábica - a criança atribui um valor sonoro a cada sílaba das palavras que regista. As crianças relacionam a escrita à fala. Algumas crianças escrevem silabicamente, sem valor sonoro. Começa um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigidas para que a palavra possa ser lida. Ela utiliza duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro à ideia inicial de precisar no mínimo de três caracteres.
- Nível 4 - Hipótese silábico-alfabéticaPassagem da hipótese silábica para a alfabética. A criança se aproxima de uma análise de fonema a fonema. Percebe que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras.
- Nível 5 - Hipótese alfabéticaA criança desenvolve uma análise fonética, produzindo escritas com hipóteses alfabéticas. Daqui para a frente, as crianças enfrentam outros desafios, como, por exemplo, a ortografia.
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