O Colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, suspendeu 34 alunos do ensino médio pela suspeita de práticas de bullying em mensagens publicadas em grupos de WhatsApp de estudantes. As denúncias que chegaram à direção apontavam mensagens ofensivas, na rede social, contra alunos do 1º ano pelos colegas mais velhos (do 2º e do 3º ano). Os nomes dos estudantes afastados, entre eles menores de idade, não são revelados.
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Segundo relatos dos pais, os alunos mais novos também eram forçados a ingerir bebida alcoólica e ameaçados caso manifestassem interesse de sair do grupo.
A suspensão é um afastamento das aulas e outras atividades acadêmicas por um período, que ainda será definido. “Recebemos denúncias de agressões em grupo de WhatsApp envolvendo alunos do ensino médio do colégio. Prontamente, iniciamos a apuração dos fatos e estamos tomando as medidas educacionais cabíveis e comunicando-as aos alunos e às famílias envolvidas”, informa o colégio, em nota (veja mais abaixo).
Pais e mães de estudantes dizem que haveria mais de 50 autores de bullying, mas o colégio confirmou 34 suspensos. O Estadão apurou que nem todos os participantes dos grupos foram identificados como autores de bullying.
A escola afirma ainda que “repudia qualquer forma de violência e lamenta profundamente que tais atos tenham ocorrido entre estudantes da escola”.
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Alunos eram obrigados a ingerir bebidas alcoólicas, dizem os pais
Pais e mães de estudantes da 2ª e 3ª séries do ensino médio foram convocados para uma reunião de emergência nesta sexta-feira, 31, “a respeito de episódios de violência vivenciados nestes primeiros dias de aula e que requerem urgente parceria com as famílias”, segundo o comunicado da escola.
- Segundo pais de alunos ouvidos pelo Estadão, membros dos grupos de WhatsApp, com cerca de 200 adolescentes, praticavam bullying contra os alunos do 1º ano, inclusive com ameaças de agressão, caso não cumprissem determinadas tarefas.
- Ainda conforme relatos de pais de alunos, os mais novos também eram obrigados a ingerir bebidas alcoolicas em festas.
- Os participantes eram ainda ameaçados caso decidissem deixar o grupo. Assustados, os alunos mostram dificuldades para relatar aos pais detalhes das mensagens e os episódios de agressão sofridos.
- As conversas contêm manifestações de racismo, homofobia e misoginia.
O texto da convocação aos pais, mensagem a que o Estadão teve acesso, lamenta também a pouca antecedência para o encontro com os pais, mas afirma que “diante da gravidade do tema, conta com a presença de todos que puderem”.
O Santa Cruz é um dos colégios mais tradicionais de São Paulo. Tem 3,6 mil alunos, divididos em educação infantil, ensino fundamental, médio, além de cursos noturnos e gratuitos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e de Educação Profissional.
Este não é o primeiro episódio dessa natureza no colégio. Em 2019, durante um acampamento fora de São Paulo, um grupo de alunos do 3º ano do ensino médio ofendeu um colega com apelidos ofensivos – ele já vinha sendo vítima de bullying. Cerca de 30 alunos foram advertidos e suspensos; a vítima deixou a escola.
Bullying e cyberbullying são crimes previstos no Código Penal
Em janeiro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei que inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal. Segundo a norma sancionada, o bullying está tipificado como:
- “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”.
Pesquisa da plataforma Equidade.info, também do ano passado, com o apoio da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), mostrou que 24% dos estudantes do ensino básico, de colégios públicos e particulares do País, foram vítimas de intimidação, esculacho ou humilhação por colegas nos últimos 12 meses.
E ainda um em cada quatro estudantes deixou de ir à aula pelo menos um dia por não se sentir seguro. Meninas e alunos pretos, pardos e amarelos estão entre os que relatam mais frequentemente essa percepção, em ambos os casos.
A advogada Renata Yumi Idie, sócia na área de tecnologia, privacidade e proteção de dados do escritório Daniel Law, opina que os grupos de WhatsApp só podem ser considerados como extensões do ambiente escolar caso tenham sido criados pela escola. E estejam sob a gestão dela.
- “O que vemos geralmente é que os grupos são criados por iniciativa dos próprios alunos. Se o bullying é praticado nesses grupos, não há responsabilidade da escola”, afirma.
- “Mas isso não impede que o colégio adote medidas disciplinares se tomar conhecimento de que situações de bullying nesses ambientes”.
Este é o mesmo entendimento do advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em Direito Digital.
- “O ambiente virtual, fora do ambiente escolar, é livre. É impossível que a escola controle esse ambiente. Mas ela pode sim, de maneira pedagógica, tentar combater ou diminuir esses problemas, mesmo que não sejam de sua responsabilidade direta”.
Em junho do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria no plenário virtual para obrigar escolas públicas e particulares a combater casos de bullying e discriminação de alunos por seu gênero, identidade de gênero e orientação sexual.
O Plano Nacional de Educação, que reúne metas e diretrizes de ensino para todo o País, já previa a “erradicação de todas as formas de discriminação” no ambiente escolar.