O Brasil tem 5,1 milhões de crianças e adolescentes sem aulas na pandemia, o que representa 13,9% da população de 6 a 17 anos. As dificuldades com o ensino remoto aumentam os riscos de abandonar os estudos, e o País, que vinha avançando nos últimos anos, pode retroceder duas décadas no acesso à educação.
O alerta é de uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 28, pelo Unicef, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a infância, em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Em março de 2020, as escolas em todo o Brasil foram fechadas para conter a disseminação do coronavírus. O País levou mais tempo para retomar aulas presenciais do que nações desenvolvidas, que se esforçaram para manter colégios abertos mesmo em fases mais restritivas da quarentena. Em novembro, quase 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 não estavam sequer matriculados em escolas. Outros 3,7 milhões estavam matriculados, mas não tinham acesso a atividades escolares em casa.
As barreiras com o ensino remoto podem reduzir o vínculo de crianças e adolescentes com a escola e ser um fator para o abandono dos estudos, segundo especialistas. O número total de 5,1 milhões sem acesso à escola é próximo ao que Brasil registrava 20 anos atrás, em 2000.
Em relação ao total de crianças e adolescentes que não estavam matriculados no fim de 2020 ou que não tiveram acesso a atividades escolares, a maior parte (41%) tinha de 6 a 10 anos. Antes da pandemia, a escolarização estava praticamente universalizada nesta etapa.
Os dados também são preocupantes entre os alunos mais velhos. Do total de adolescentes de 15 a 17 anos, 17,3% não tiveram acesso à escola no ano passado. São eles os que mais correm risco de deixar a escola para entrar no mercado de trabalho.
A exclusão é maior nas regiões mais pobres do Brasil. Os dados do estudo, compilados a partir de pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que as crianças entre 6 e 10 anos em áreas rurais das regiões Norte e Nordeste são mais atingidas pela exclusão escolar na pandemia. A ausência da escola também é maior entre crianças indígenas, pretas e pardas.
Como mostrou o Estadão, em áreas pobres dessas regiões, escolas tentam manter o vínculo com os estudantes e entregar atividades escolares impressas até mesmo em canoas. A conectividade é precária para que as crianças aprendam em plataformas digitais. Após viagens longas para chegar até a casa de crianças em áreas remotas, professores encontram alunos desmotivados ou trabalhando para aumentar a renda da família.
Alguns Estados se destacam negativamente em relação à ausência de matrículas e atividades escolares na pandemia. Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Bahia têm mais de 30% de crianças e adolescentes sem aulas, segundo dados do IBGE compilados pela pesquisa. Os índices são bem menores em Estados do Sul e do Sudeste.
"O Brasil vinha avançando, aumentando o acesso à educação. Com a pandemia, de repente vemos uma volta para trás. Temos 5,1 milhões de crianças e adolescentes ou não matriculados ou desvinculados da escola. Esse número, se comparamos com séries históricas, nos leva duas décadas para trás. São números que o Brasil enfrentava no ano 2000", disse Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, em coletiva na manhã desta quinta para apresentar o estudo.
Para o Unicef, os indicadores revelam a necessidade de ações urgentes, entre elas, fazer a busca ativa das crianças e adolescentes que ficaram longe da escola durante o ano passado, campanhas e garantir o acesso à internet pelos estudantes."Com a permanência do Brasil na pandemia, que se anuncia longa, é ainda mais urgente investir em políticas de conectividade para as escolas e acesso à internet para estudantes e professores", destaca o estudo. O Unicef também reforça a urgência de que as escolas sejam reabertas com segurança.
Desde o início do ano passado, a falta de articulação e coordenação do Ministério da Educação para impedir a escalada da evasão escolar tem sido criticada por especialistas. Além dos déficits de aprendizagem agravados durante a crise sanitária, educadores apontam risco de prejuízos emocionais diante do afastamento das escolas e da perda de convívio social.
Para Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec, há necessidade de articulação federativa para reverter o problema. "É preciso uma ação mais incisiva dos entes federados e o governo federal tem um papel muito grande na provisão das condições materiais." Ele criticou o veto do presidente Jair Bolsonaro a um projeto de lei que garantia internet a estudantes e professores
"Não vamos ter uma volta 100% presencial de chofre, vamos ter modalidades combinadas. Há necessidade de envolvimento maior do governo federal nessa necessidade e intensificação da busca ativa", diz Oliveira.
Procurado, o MEC informou que lançou, em cooperação com Estados e municípios, um painel de monitoramento da educação básica e usa os dados para orientar decisões. "Além disso, o MEC em parceria com Unicef e Undime, realizou encontro de disseminação de estratégias entre as redes municipais para realização de busca ativa daqueles que estão fora da escola", informou a pasta.
Em relação ao acesso à internet, o MEC cita o Programa de Inovação Educação Conectada que, segundo a pasta, fomenta a universalização do uso de banda larga e a utilização dos recursos para distribuição desta conectividade na infraestrutura interna nas escolas.
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