Começar a aula mais tarde pode ajudar adolescentes na escola?

Estudo aponta impactos positivos para o humor em atrasar o início das atividades pela manhã; especialistas destacam importância da qualidade do sono para o aprendizado nessa faixa etária

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Por Francielle Oliveira

Atrasar em uma hora o início das aulas para adolescentes ajudou a melhorar o desempenho acadêmico e teve impacto no humor dos estudantes, segundo estudo feito no Brasil e publicado na revista científica Sleep Health. Especialistas destacam a importância, especialmente nessa fase, da qualidade do sono para a memória e absorção dos conhecimentos aprendidos em aula.

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Para os adolescentes, a Associação Brasileira do Sono e a Associação Brasileira de Medicina do Sono recomendam dormir pelo menos 8 horas por noite. Nessa fase, o ciclo circadiano sofre grandes alterações, o que faz com que o indivíduo precise de mais tempo para reparação.

Segundo Dalva Poyares, médica especialista em medicina do sono e doutora em Neurociência pela Universidade de São Paulo (USP), nem sempre adianta só ir se deitar mais cedo. “O aluno já deita ansioso pela manhã seguinte, sabe que vai acordar bem cedo pra aprender coisas difíceis, o que já gera um estresse”, diz.

É nessa fase também o único momento da vida do ser humano no qual se tem menos circulação da dopamina, o hormônio responsável pela saciedade, pelo prazer e pelo contentamento, no chamado sistema de “recompensa”. A “deficiência” pode deixar os jovens com sentimentos mais negativos, e um bom sono pode ajudar nisso.

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No estudo Multiple positive outcomes of a later school starting time for adolescents, realizado em uma escola particular de Palotina, no Paraná, os pesquisadores analisaram, durante três semanas, a rotina de 48 alunos do ensino médio – 17 do primeiro ano, 23 do segundo e 8 do terceiro. Na primeira semana, o início das aulas foi mantido no horário normal, às 7h30. Na seguinte, passou para as 8h30 e, na terceira semana, voltou para 7h30.

“Surpreendeu que eles não foram dormir mais tarde, mas sim acordaram mais tarde”, afirma Felipe Beijamini, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e do programa de pós-graduação em biociências da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), e um dos autores do estudo.

O tempo de sono foi medido por meio de um método chamado actigrafia. Durante as três semanas, os alunos usaram um actígrafo, aparelho em formato de relógio que mede o sono pelo movimento, temperatura e exposição à luz.

Os participantes da pesquisa também responderam a questionários sobre o perfil emocional – 65 itens e pontuação de 0 a 5. As respostas dos adolescentes indicaram alterações de humor, com relatos de menos cansaço, raiva, tensão, confusão e depressão. Eles também disseram estar com mais energia. Com a volta ao horário normal na terceira semana, no entanto, esses benefícios não foram mais descritos.

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João Pedro, de 16 anos, e Luísa França, de 15, do Colégio Lumiar, aprovam o início das atividades às 8h30. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Engajamento

No Brasil, já existem escolas que resolveram atrasar um pouco o relógio, como o Colégio Castanheiras, em São Paulo. A diretora Sônia Magalhães explica que a mudança, em 2019, foi muito positiva. “Trouxe mais engajamento dos alunos, mais atenção”, afirma ela sobre passar o começo das aulas de 7h15 para 7h50.

Ian de Mello, de 15 anos e estudante da escola, conta que se sente mais confortável com o novo horário. “Eu sou uma pessoa que preciso de tempo depois que acordo, para preparar a cabeça para o dia. Essa mudança ajuda bastante, não preciso fazer tudo correndo.”

Desde a sua criação, o Colégio Lumiar, também em São Paulo, adotou o horário de 8h30 para início das aulas do ensino médio. “Pensamos que a manhã tem que ser um momento mais tranquilo, o adolescente precisa acordar bem, se alimentar com calma, 7h nunca foi nossa opção”, conta Graziela Lopes, diretora da escola.

João Pedro, de 16 anos, e Luísa França, de 15, estudantes do primeiro ano do ensino médio do colégio, apontam benefícios nesse esquema. “Eu fico mais descansado, durmo melhor, sinto que minha mente está pronta para absorver os assuntos, com mais foco”, diz João. “Antes eu ficava com sono o dia inteiro, na aula, no almoço e sem ânimo em casa. Hoje eu presto atenção, faço tudo que precisa na escola e ainda chego em casa com energia para coisas extras”, afirma Luísa, que já estudou em uma escola cujas atividades se iniciavam às 7h.

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Ansiedade

Adriana Fóz, especialista em Psicopedagogia e Neuropsicologia pela USP, também se mostra favorável a retardar o início das atividades escolares pela manhã. Sem o tempo necessário de sono, ela afirma, fica prejudicada a qualidade da consolidação da memória. “Ele não consegue absorver, logo, tem mais estresse, ansiedade, diminuição do desempenho escolar, além de baixar a autoestima, porque ele vai achar que está mais lento, que não consegue aprender, tudo isso atrapalha”, explica.

Ela recomenda, caso não seja possível, por razões logísticas, o colégio realizar a troca de horário, atividades mais recreativas nas primeiras horas. “Um aula muito interessante, com movimento, para um melhor engajamento de atenção”, sugere.

Pandemia

Uma pesquisa realizada na Suíça durante a pandemia apontou melhores indicadores de saúde nos estudantes com o acréscimo de até 75 minutos de sono por semana. Esse foi o tempo médio ganho pelos alunos do equivalente ao ensino médio enquanto estavam em casa, no modelo remoto, e não precisavam se deslocar até a escola. O estudo, publicado na JAMA Network Open, avaliou o sono de 3,6 mil adolescentes.

Para o professor Felipe Beijamini, o Brasil perdeu uma ótima oportunidade de rever seus métodos tradicionais de ensino durante as restrições. “Pensei que ao final da pandemia voltaríamos em uma escola diferente. Perdemos uma oportunidade de ouro, isso é gravíssimo”, diz.

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Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatras recomenda que as aulas nas escolas não comecem antes das 8h ou 8h30, o que já virou lei no Estado da Califórnia em 2019, por exemplo. No Brasil ainda não existe nenhuma regulamentação nesse sentido.

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