Como a ética profissional virou estratégia para garantir sustentabilidade dos negócios

Capacidade de ‘fazer escolhas certas’ pode ser desenvolvida com maturidade e chance de vivências fora da sala de aula

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Por Vanessa Fajardo
Atualização:

A preocupação latente das companhias em consolidar uma cultura organizacional que preza pela ética tem atraído e contribuído com a retenção de profissionais que criam valores para a sociedade. Não à toa, programas de compliance, que trabalham para preservar a integridade e a reputação de uma empresa, ganham mais importância nos ambientes públicos e privados.

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“Há um crescente entendimento de que práticas antiéticas podem prejudicar a reputação, ou seja, a imagem da marca e da instituição, a sustentabilidade e os resultados a longo prazo”, afirma Renata Steffanoni, coordenadora do curso de graduação em Administração da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Para Renata, a ética deve ser parte da cultura da empresa e presente nos princípios da governança institucional. “Por isso, é vital que as organizações promovam com clareza uma cultura de integridade e responsabilidade, além de mecanismos de controle e transparência nos processos e na tomada de decisão dos gestores e funcionários.”

Os programas de compliance e de governança corporativa podem ajudar nessa missão. Uma pesquisa realizada em 2023 pela Aliant, plataforma líder em soluções para equipes de compliance, RH e jurídicas, mostrou que o que motiva as empresas a implementarem essas iniciativas é a preocupação em combater práticas fraudulentas, de corrupção e de lavagem de dinheiro.

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A conscientização sobre a prevenção ao assédio sexual e moral também aparece como assunto crescente dentro das políticas de compliance que preveem garantir um ambiente de trabalho seguro e respeitoso, de acordo como o levantamento.

André de Almeida é professor de Filosofia da Fundação Dom Cabral e defende que aprendizagem deve focar em vivências para o ‘desenvolvimento de caráter’. Foto: FUNDAÇÃO DOM CABRAL

Para Ricardo Castagna, coordenador do curso de Direito da Faculdade Belavista, o crescimento do compliance permitiu que deixasse de ser um “conjunto de regras para evitar desvios de conduta, para ter um caráter formativo, orientando a tomada de boas decisões”. “Da mesma forma, a governança corporativa se tornou um pilar essencial para garantir que as empresas operem de forma ética e transparente.”

Castagna reforça que hoje há uma exigência do mercado por transparência, impulsionada por regulamentações e pela necessidade de as empresas darem respostas claras sobre seu impacto social e ambiental. Isso reforça a necessidade de programas ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Caso contrário, podem ocorrer dificuldades de relacionamento com consumidores, investidores, governos e demais envolvidos.

Dentro do ESG, podem existir desde ações para preservar o meio ambiente, como por exemplo priorizar o uso de energia limpa ou preservar a biodiversidade da região onde está localizada, passando por iniciativas internas de diversidade e inclusão, até a criação de canais de denúncia sobre casos de discriminação e assédio. Para ele, mesmo as empresas com um olhar pragmático sobre resultados percebem que investir na ética e na motivação de seus profissionais é uma estratégia essencial para garantir sustentabilidade.

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“O compromisso com a formação ética dos colaboradores deixou de ser uma escolha altruísta e passou a ser uma necessidade para manter negócios sólidos e duradouros”, complementa Castagna.

O alinhamento de propósito entre os colaboradores e as organizações em que atuam também tem provocado um movimento contemporâneo no mundo do trabalho, principalmente entre a geração Z, com idade entre 16 e 30 anos. André de Almeida, professor de Filosofia da Fundação Dom Cabral, diz que esta é uma necessidade, muitas vezes, inconsciente de trazer sentido para a vida. “No processo de se adequar à trajetória institucional, a pessoa pode perder a sensibilidade e viver uma certa desumanização. Esse movimento contrário envolve alinhamento, adequação de propósito e a necessidade existencial de contribuir para a comunidade para além da vida profissional.”

O que é público ou privado?

Em um cenário onde os interesses podem ser difusos e as ferramentas tecnológicas, como inteligência artificial, são treinadas para simular o funcionamento humano com crescente precisão, a ética profissional é novamente necessária, desta vez para discernir o que é público e privado. Em 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi promulgada para estabelecer limites entre esses ambientes e equilibrar transparência e direito à privacidade ao regular o tratamento de dados pessoais que atingem especialmente organizações que lidam com informações sensíveis de consumidores e usuários, como os setores financeiro e de saúde.

Quem transita especialmente entre os setores público e privado pode passar por situações que exigem tomadas de decisão baseadas em uma série de competências socioemocionais. “A formação ética precisa preparar o profissional para reconhecer e ponderar esses interesses, garantindo que cada decisão seja tomada com base em um juízo equilibrado. Isso exige conhecimento teórico, um olhar crítico para a realidade, identificação clara de conflitos de interesse e compreensão das implicações de cada escolha”, afirma Castagna.

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Embora muitas grades curriculares contemplem disciplinas como ética ou trabalhem o tema de modo transversal, esse preparo não virá só das aulas convencionais dos cursos de graduação ou pós na universidade, na visão de André de Almeida. Para o professor de Filosofia, que define ética como o “saber fazer as escolhas certas”, o desenvolvimento se dá a partir de um processo pessoal que proporciona o amadurecimento de caráter. “É muito diferente de memorizar normas ou condutas, e a capacidade ética precisa ser exercitada ou vai se atrofiando.”

A forma de exercitá-la sugerida por Almeida é por meio de experiências e vivências. Foi com o objetivo de proporcionar essa aprendizagem de “desenvolvimento de caráter”, que o professor levou uma turma de alunos para conversar com os familiares das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho (MG). Isso oito meses depois do rompimento, no ano de 2019.

“Fomos até a barragem, vivenciamos o drama, ouvimos as pessoas. Ouvimos o relato de uma mulher que trabalhava na Vale, arrumou emprego para a irmã e estava em férias quando tudo aconteceu. Ela ia diariamente na lama procurá-la, até que acharam uma parte do corpo que foi reconhecida por DNA. Ninguém nunca mais vai esquecer essa experiência”, afirma Almeida.

Segundo ele, esse tipo de vivência desperta a sensibilidade que permite que os aspectos éticos relevantes sejam colocados em prática, mas é preciso saber elaborar a experiência. “É necessário internalizar essa humanidade de forma que ela se integre ao mecanismo de tomada de decisão. Esse tipo de vivência, bem executada e devidamente elaborada, vai gerar o desenvolvimento ético para condutas mais íntegras e conscientes.”

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