A tecnologia é uma das principais aliadas no processo de inclusão de pessoas com deficiência ao ambiente escolar. Nesse sentido, as universidades cada vez mais desenvolvem linhas de pesquisa que buscam soluções tecnológicos para a educação inclusiva.
Segundo Ana Cristina dos Santos, professora e coordenadora de Ciência da Computação do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), atualmente existe um movimento de tecnologia assistiva nas universidades, que busca o desenvolvimento de tecnologias para dar suporte a diferentes processos de acessibilidade para pessoas com deficiência.
“É um mercado amplo, com muitas possibilidades. Mas muitas vezes o valor desses produtos ainda é inacessível, em especial para o setor público.”
Para Ana Cristina, o próprio modelo de ensino em vigor estimula pouco isso, pois continua muito focado em conteúdos tradicionais. “Temos inclusive professores com deficiência auditiva e motora, para que essa inclusão seja feita de forma mais consistente.”
De acordo com Ana Cristina, o curso de Ciência da Computação do instituto tem um módulo específico que se chama Interface para Acessibilidade em Dispositivos Sensoriais. “Já desenvolvemos dois projetos e iniciaremos o terceiro em outubro”, ressaltou.
Em parceria com a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) foi elaborado um projeto de “tapete sensorial” para atender crianças com paralisia cerebral leve. “Tem 1 metro por 1.70 metro, possui quadrantes com texturas e materiais diferentes. Por meio desses quadrantes, o profissional de Terapia Ocupacional consegue construir atividades personalizadas para os seus pacientes. O terapeuta programa atividades que ele deseja”. O protótipo já foi entregue à AACD e está em fase de testes.
O segundo projeto, concluído no fim de junho, foi feito em conjunto com o Departamento de Terapia Ocupacional da USP para atender crianças com transtorno do espectro autista (TEA), na faixa etária entre 5 e 7 anos. Também utiliza tapete sensorial, que interage com um sistema controlado pelo terapeuta.
Para Adeilsa Ferreira, pedagoga com Pós-Graduação em Robótica e especialista em Inovação na Educação, o Brasil tem avançado muito na tecnologia assistiva, um termo que acabou incorporado recentemente ao vocabulário. “Coordenei um trabalho em sala de aula para alunos com transtorno do espectro autista que acende uma luz quando tem ruído excessivo, o que incomoda muito essas crianças.”
Segundo ela, a universidade começou a olhar um pouco mais para o tema, mas ressalta que o uso de tecnologia precisa ser feito de forma inclusiva. “Hoje, todas as vezes que vamos pensar em tecnologia, precisa ser em uma perspectiva de inclusão mesmo, se colocar no lugar do outro, independentemente da situação.”
Esse modelo inclui as empresas que desenvolvem esse tipo de tecnologia inclusiva para a educação: é necessário diversificar o perfil de seu corpo de funcionários, com perspectivas diversas. Adeilsa cita o exemplo do Google, que estimula o trabalho com a população atendida. “Acredito que é uma tendência, a de valorizar o lugar de fala de cada segmento”, afirma.
Rio Branco faz material e oficina de Libras; Beacon tem núcleo próprio
As soluções tecnológicas e de recursos humanos para a consolidação de um sistema de educação inclusiva são fundamentais em todas as fases do processo de aprendizagem. De acordo com Sabine Bergamini, coordenadora do Centro de Educação para Surdos do Colégio Rio Branco, em São Paulo, a escola mantém há vários anos um trabalho com bebês com deficiência auditiva, para que se consolide o conceito de educação bilingue (Libras e Português) desde o início do processo educativo. O conceito de educação bilingue, nesse caso, estabelece Libras como primeira língua e o Português como segunda língua.
Outra atividade desenvolvida no Colégio Rio Branco é a Oficina de Libras para alunos ouvintes como atividade extracurricular. Hoje, o Rio Branco tem26 alunos com algum tipo de deficiência e 67 no Centro de Educação para Surdos. Algumas editoras já produzem materiais bilíngues em Libras e Português, mas também existem materiais feitos pelas próprias escolas.
Sabine considera difícil que um modelo como o utilizado no Rio Branco seja compartilhável na rede pública de ensino, especialmente pelo alto custo. “Eu desconheço um modelo como o nosso no Brasil. Requer um investimento elevado”, afirma.
Maria Laura Sanchez Toca, coordenadora de práticas inclusivas da Beacon School, ressalta que o primeiro passo para se construir a educação inclusiva é a escuta ativa. “Conseguir entender a necessidade de cada aluno e adotar as medidas necessárias. A inclusão é dinâmica, se transforma a todo momento. Passamos de um movimento de segregação para integração e inclusão.”
A escola tem um núcleo específico para tratar de problemas dos alunos, para desenvolver ações mais focadas, da educação infantil ao ensino médio. “Essas crianças com deficiência sempre estiveram na escola. A Beacon, como foi criada mais recentemente, já surgiu com essa mentalidade.”
Maria Laura explica que existem três etapas na implementação de um sistema de educação inclusiva: a definição de políticas públicas, a adoção de práticas e a criação de cultura de inclusão. “Ainda estamos na fase de desenvolvimento de práticas, principalmente no setor público. Temos uma legislação avançada no Brasil, mas na realidade (cotidiano) estamos um pouco atrás. Ainda é uma luta grande.”
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