Como cuidar da saúde mental do professor?

Transtornos mentais são o problema que mais afasta docentes, mas uma pesquisa inédita mostra que eles seguem motivados; e há de planner a aplicativos para ajudá-los

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Após um ano afastada da sala de aula por fibromialgia e um quadro severo de depressão aguda, a professora Andréia Ferreira da Silva, de 55 anos, enfrenta um processo gradual de readaptação ao ambiente escolar. Com 30 anos de carreira no magistério estadual, sua volta à docência em uma escola municipal na Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, simboliza a luta compartilhada por muitos docentes em todo o País. Neste Dia dos Professores, uma pesquisa inédita mostra ainda que, apesar dos desafios recentes e recorrentes, os professores brasileiros seguem motivados para exercerem a docência.

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A readaptação de Andréia reflete as dificuldades enfrentadas pelos professores diariamente. O estresse decorrente do dia a dia da profissão, aliado à falta de apoio institucional, são fatores que contribuem significativamente para o adoecimento dos profissionais. E soma-se a isso a complexidade das dinâmicas escolares. “Todas as relações sociais que acontecem fora da escola explodem dentro dela. O problema não é o ensinar, é a burocracia, a questão financeira. Tudo isso desgasta e vai minando a saúde do professor”, diz ela.

A professora de Matemática Simone Pereira enfrenta um desafio similar. Diagnosticada com síndrome do pânico, atualmente também está em período de readaptação, mas não quer retornar à sala de aula. “Só de ouvir os professores gritando na sala de aula que deveria ser a minha, já sentia um aperto no peito.”

O problema de saúde mental entre professores não é isolado. Segundo dados divulgados no livro Trabalho e Saúde dos Professores – Precarização, Adoecimento e Caminhos para a Mudança, lançado neste ano, os transtornos mentais têm sido, desde 2018, a principal causa de afastamento de docentes, superando os problemas vocais que antes lideravam as estatísticas.

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Dia dos Professores: entre os principais fatores motivadores, 52% mencionam o propósito e o impacto da profissão. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

“O que mais incomoda não é apenas a carga de trabalho, mas todo o contexto ao redor, que inclui as dificuldades do cotidiano no ambiente de trabalho”, afirma Frida Fischer, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Resiliência

Mas os professores não desistem. Realizada pela OPEE Educação, uma pesquisa inédita revela que, em uma escala de 0 a 10, a motivação dos professores alcança a nota de 8,2, destacando o lado positivo da carreira. Entre os principais fatores motivadores, 52% mencionam o propósito e o impacto da profissão no mundo, 35% afirmam gostar do que fazem, 10% citam sua competência e apenas 3% veem o trabalho como uma simples fonte de sustento.

Segundo Silvana Pepe, educadora e Diretora da OPEE Educação, as escolas estão passando por uma transformação significativa na forma de enxergar a educação. “Pelo menos aquelas que estão atentas, começam a perceber a importância de trabalhar a inteligência emocional, bem como as competências e habilidades socioemocionais.”

No entanto, essa transformação deve ser acompanhada por um cuidado maior com a saúde mental, aspecto que hoje permeia todas as esferas do processo educativo. Nesse sentido, o Laboratório Inteligência de Vida (LIV), referência nacional, está presente em mais de 600 escolas, promovendo projetos que visam não apenas ao diagnóstico de questões, mas também ao desenvolvimento de inteligência emocional e habilidades socioemocionais.

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Um componente essencial nesse processo é o autocuidado dos professores. Ao aprender a reconhecer e gerenciar as próprias emoções, esses profissionais se tornam aptos a oferecer um ambiente educativo acolhedor e propício para o desenvolvimento dos alunos. “Quando o professor cuida de si, ele consegue ter uma escuta ativa e um olhar sensível, identificando as emoções dos alunos e contribuindo para a construção do conhecimento”, afirma Carolina Medeiros, coordenadora pedagógica do LIV.

Para apoiar essa prática, o LIV lançou um planner digital gratuito, que auxilia tanto professores quanto alunos no acompanhamento de suas emoções e na promoção do autocuidado. Mais do que um simples organizador, o planner oferece espaço para a reflexão sobre sentimentos e sugestões de bem-estar, incentivando uma rotina saudável e consciente. “A ferramenta sozinha não será suficiente para garantir o bem-estar integral do professor, mas é interessante para observar a recorrência das emoções e permitir momentos de pausa e reflexão.”

Outras soluções

Com foco em escolas públicas, o Instituto Ame sua Mente já atua equipando os profissionais da educação com as ferramentas necessárias para prevenir transtornos e reduzir o estigma em torno de questões como depressão, ansiedade, TDAH e o uso de drogas. O programa principal é dividido em sete módulos, abordando esses temas de forma acessível, com videoaulas, podcasts e planos de aula elaborados por especialistas.

Para Rodrigo Bressan, presidente da instituição, ao capacitar os educadores a instituição contribui para a criação de um ambiente escolar mais saudável e inclusivo, onde os alunos se sentem seguros para buscar ajuda e desenvolver suas habilidades socioemocionais. “Queremos ampliar o grau de conhecimento do educador sobre estratégias de manejo, prevenção e redução de estigmas dos transtornos mentais, além de melhorar a saúde mental do próprio profissional de educação.”

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Outra iniciativa do instituto é a Bússola, realizada em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), que reúne pesquisadores de UFRGS, Unifesp e USP. Criada por psiquiatras, psicólogos e pedagogos, é um recurso completo para professores, disponível online e via WhatsApp.

Ela oferece informações atualizadas e orientações práticas para lidar com diversas situações, desde casos de autolesão até outras questões relacionadas à saúde mental. “A ideia é oferecer um recurso rápido e fácil de acessar para que os educadores possam tirar dúvidas, encontrar estratégias para lidar com diferentes situações e promover um ambiente escolar mais acolhedor e seguro para todos”, diz Bressan.

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