“Se você não pode vencê-la, junte-se a ela”. Esse conselho tão antigo pode até se encaixar numa situação bem moderna: a busca dos pais por uma escola “presencial” para os seus filhos, mas em plena era digital.
Afinal, é possível driblar a tecnologia (e suas muitas telas) ou seria melhor admitir que ela faz parte da nossa sociedade e escolher o melhor modo de uso para os jovens? No geral, a escolha do método de aprendizagem com o qual os filhos serão desenvolvidos dependerá da prioridade dos pais – não há uma opção necessariamente certa e outra necessariamente errada.
Em São Paulo, por exemplo, instituições de ensino seguem seu projeto pedagógico para decidir qual será o tamanho da participação da tecnologia no dia a dia escolar dos jovens. Especialistas advertem, contudo, que crianças muito pequenas ainda não devem ser expostas a telas de computadores e de tablets no ambiente escolar.
“A criança será um cidadão que viverá em um mundo altamente tecnológico, mas podemos prepará-la sem tela”, afirma Tathyana Gouvêa, doutora em inovação educacional, professora e coordenadora do LabSing do Instituto Singularidades. “Vale lembrar que a tela pode ser bastante prejudicial para crianças pequenas. Há estudos que comprovam um déficit no desenvolvimento de crianças com alta exposição à tela, especialmente no aspecto da sociabilização”.
Para Gisela Wajskop, socióloga, pós-doutora em educação e diretora geral da Escola do Bairro, as telas não devem entrar nas salas de aula – é assim em sua escola, que atende alunos da educação infantil (a partir de um ano) até o quinto ano do ensino fundamental (alunos de até dez anos). Com marcenaria e jardim, entre outros ambientes, a escola abre espaço apenas para “atividades analógicas”, por assim dizer. “As crianças aprendem com experiências.”
No Colégio Santa Cruz, por outro lado, a tecnologia e as mídias digitais são amplamente debatidas. A instituição, inclusive, tem um núcleo de educação digital, que atende alunos a partir de quatro anos.
Nesta faixa etária, explica Ana Carolina Vieira, coordenadora do núcleo de educação digital, o contato com aparelhos eletrônicos é bastante pontual: eles são utilizados quando agregam em experiências presenciais. Quando as crianças procuram insetos no jardim, por exemplo, utilizam celulares e tablets para fotografá-los e, depois, desenhá-los.
“Aqui, a tecnologia não é mais encarada apenas como ferramenta, mas, sim, como conteúdo que deve ser sistematicamente estudado e incorporado ao currículo escolar”, diz Ana Carolina. “No núcleo digital, promovemos a reflexão e a pesquisa sobre as tecnologias digitais. Atuamos com o corpo docente e os alunos, em um processo coletivo que estimula uma maior consciência sobre as tecnologias que nos rodeiam e sobre as nossas práticas”.
Inteligência Artificial deve ficar dentro ou fora das escolas?
O recente boom da Inteligência Artificial, especialmente com ferramentas que criam conteúdo, a exemplo do ChatGPT, acenderam ainda mais o debate sobre tecnologia dentro das instituições de ensino. Mas a Escola do Bairro optou por deixar esse assunto para fora de seus portões. “Nós nem entramos nessa discussão”, diz Gisela. “Acho que se cria uma mitificação em volta da IA; é como se o homem fosse parar de ser homem. E isso não vai acontecer.”
Gisela explica que a Escola do Bairro abre espaço para discussões sobre a importância da pesquisa e da checagem de informações, além do perigo das fake news, mas sem debater a IA.
A decisão da Escola do Bairro é plausível até porque o colégio atende crianças até dez anos. Mas, quando se fala no processo todo da educação básica, que vai até o fim do ensino médio, deixar o debate sobre Inteligência Artificial fora da escola não é a melhor das opções, afirma Tathyana Gouvêa.
“Acho que trazer a problematização sobre IA é o melhor caminho hoje, especialmente para os professores”, afirma.
Segundo a especialista, a aprendizagem passa, atualmente, por uma drástica transformação. “Ao meu ver, o melhor seria realizar conversas com os professores, entender possibilidades metodológicas e se elas são coerentes ao projeto pedagógico da escola. Assim, professores poderiam fazer usos pontuais da IA em sala de aula”.
Tathyana destaca que também é essencial trabalhar o pensamento crítico e levantar questões importantes acerca da IA na educação: qual o limite para o uso dessa ferramenta? Como podemos identificar falhas e corrigir o conteúdo fornecido? Até onde a IA pode ir e quando o pensamento humano deve assumir?
“Acredito que as próximas versões das ferramentas de Inteligência Artificial serão ainda mais impactantes para a educação”, afirma. “E tudo isso é um desafio, porque nossa geração não foi educada para utilizar essas ferramentas, mas precisamos introduzi-las na cultura digital dos jovens, pois farão parte da vida deles”.
As próximas versões das ferramentas de Inteligência Artificial serão ainda mais impactantes para a educação
Tathyana Gouvêa, doutora em inovação educacional, professora e coordenadora do LabSing do Instituto Singularidades
A Inteligência Artificial é amplamente discutida com os jovens no Colégio Santa Cruz. Ana Carolina destaca que a escola não tem a preocupação de blindar os alunos da IA, mas, sim, de ensiná-los a como utilizá-la corretamente, de modo que seja um benefício em sua educação, e não algo prejudicial.
“A IA pode tornar-se um importante assistente de estudo pessoal e coletivo, ampliando o repertório de informações e servindo como um bom ponto de partida para pesquisas e estudos”, afirma. “Devemos preparar os estudantes para produzirem boas questões, boa pesquisa e ampliarem o ‘diálogo possível’ com a IA generativa, reconhecendo os limites das ferramentas e buscando sempre checar as fontes e a qualidade da informação obtida”.
O ChatGPT entrou na rotina da escola no início de 2023. De lá para cá, a instituição realiza encontros com gestores e professores para promover o debate sobre a ferramenta e seus possíveis impactos na sala de aula. Além disso, foi criado um boletim quinzenal sobre experimentações e reflexões sobre o uso da IA generativa.
E os estudantes também entram no assunto. A coordenadora conta que, recentemente, alunos do 8.º ano, do ensino fundamental II, avaliaram resenhas de livros criadas pelo ChatGPT, com um olhar crítico. A atividade teve a proposta de debater os limites desse recurso.
Ana Carolina destaca que, a curto prazo, há riscos de acomodação dos estudantes frente a uma ferramenta que, como o ChatGPT, utiliza IA para fornecer conteúdos prontos - mas esse não é o principal problema. “O maior risco é a adoção precoce e indiscriminada de soluções que ainda não entregam a qualidade necessária para os processos de gestão e de aprendizagem em uma escola”.
Para escolher bem a escola: tecnologia pode ser debatida com alunos, pais e professores
Prefere que seu filho estude em uma escola que o prepare para utilizar novas tecnologias no futuro? Tudo bem - mas lembre-se de verificar se a instituição de ensino promove o debate amplo sobre as ferramentas, tanto com os alunos quanto com os professores e os pais.
Paulo Blikstein, professor na Universidade de Columbia e diretor do TLTL (Transformative Learning Technologies Lab) da instituição, aconselha que os pais avaliem também o equilíbrio no uso de tecnologias digitais. “Por exemplo, quantas horas de aula presencial a escola promove; se tem espaços de criação, como laboratórios de informática, e quanto tempo os alunos passam neles; se há um balanceamento entre aulas expositivas e aulas de criação e de experimentação”.
O professor também destaca a importância em analisar a aplicação da tecnologia no projeto pedagógico da escola. “Preste atenção se as escolas explicam, de fato, o motivo da inserção da tecnologia na grade, ou se utilizam chavões e bordões superficiais, do tipo “temos tecnologia porque a tecnologia é o futuro”.
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