Como incentivar a autonomia do seu filho, da infância à faculdade? Veja orientações

Especialistas dizem que desde cedo eles precisam ser incentivados a fazer coisas sozinhos para desenvolver a capacidade de decidir, resolver problemas e lidar com frustrações

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Foto do author Renata Cafardo

Entender o limiar entre a interferência e o cuidado é essencial nas relações entre pais e jovens universitários, dizem especialistas. Eles alertam, no entanto, que as famílias precisam desde cedo estimular a autonomia das crianças para que se tornem adultos independentes, com capacidade para decidir, resolver problemas e lidar com frustrações.

“Desde os 3 anos os pais já podem trabalhar isso com a criança, dar a responsabilidade de guardar seu brinquedo. Com 10, 11 anos, dar autonomia para o filho escolher a roupa, tomar banho, comer sozinho. Todo o adolescente de desenvolvimento típico tem condição de assumir responsabilidades”, diz o psiquiatra da infância e adolescência Miguel Angelo Boarati.

Para ele, é compreensível que os pais ajudem na escolha da carreira pela quantidade de opções que existem hoje no mercado e pela dificuldade que o jovem tem de entender sua vocação. Mas interferir nos processos da faculdade, cobrar notas de professores é “inadequado” e prejudica o desenvolvimento da autonomia, que já deveria ter começado bem antes.

Interferir nos processos da faculdade, cobrar notas de professores é “inadequado” e prejudica o desenvolvimento da autonomia Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 08.01.2022

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“Quando a exposição a conflitos e problemas é evitada ao longo do ensino médio, com os pais sempre auxiliando nas dificuldades dos filhos, o jovem chega ao ensino superior em um papel bastante passivo”, completa o psicólogo clínico e professor no Instituto Par Ciências do Comportamento, Rodolfo Dib.

Em situações como essas, os pais acabam tendo que continuar presentes nessa transição para a faculdade. “Mas rapidamente eles precisam ir transferindo para o estudante o papel principal na condução dessas situações que são bastante importantes para a formação, para se tornarem profissionais independentes.”

Especialistas também deixam claro que as famílias precisam compreender as necessidades de cada filho, que precisam de mais ou menos suporte. “É preciso olhar cada filho e ver o que ele precisa e não aquilo que ele deseja. Os pais querem impedir o sofrimento dos filhos, mas acabam numa parentalidade permissiva”, diz Boarati.

Dicas de especialistas para os pais de crianças e jovens:

  • Incentive a criança, desde pequena, a fazer coisas sozinha, de acordo com a idade, como guardar o próprio brinquedo, se vestir ou comer;
  • Deixe que as crianças se arrisquem em brincadeiras para que aprendam com pequenos erros, sem controlar cada passo;
  • Resista a fazer todas tarefas da casa por elas. Dependendo da idade, elas já podem jogar a roupa no cesto, tirar seu prato da mesa, arrumar a cama, lavar a louça
  • Deixe que as crianças tenham tempo para brincar e se relacionar entre elas livremente sem que se sejam orientadas por adultos em todas as atividades;
  • Incentive que adolescentes resolvam problemas sozinhos na escola e encontrem soluções sem interferência dos pais;
  • Ajude na escolha da carreira e da faculdade e a refletir sobre suas vocações, sem impor profissões preferenciais;
  • Demonstre interesse pela faculdade, fazendo perguntas, mas esteja preparado para respeitar a privacidade quando o filho não quiser responder;
  • Pergunte ao próprio estudante e não à faculdade sobre suas notas. Isso ajuda a torná-lo responsável pelo seu desempenho;
  • Mesmo que o jovem for considerado imaturo, incentive gradativamente que ele tome suas próprias decisões e resolva seus conflitos sozinho durante a faculdade. Isso é essencial para a vida profissional;
  • Lembre-se que as necessidades de suporte são diferentes para cada filho e em cada situação, fique atento à individualidade de cada criança ou jovem.

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No livro The Coddling of American Mind, How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure (O mimo da mente americana, como boas intenções e más ideias estão preparando uma geração para o fracasso, em tradução livre), os autores dão sugestões para os pais como “prepare a criança para a estrada e não a estrada para a criança”.

O psicólogo Jonathan Haidt e o jurista Greg Lukianoff recomendam ainda na obra, que se tornou um best seller nos Estados Unidos, que os pais deixem que os filhos se arrisquem em brincadeiras, mesmo que leve a pequenos machucados, e se envolvam em “discussões produtivas”. Eles também indicam redes sociais só depois do ensino médio e que todas as telas sejam retiradas do quarto em um determinado horário.

Uma educação superprotetora disseminada nos EUA, para eles, seria a responsável por problemas enfrentados atualmente em ambientes universitários. O livro afirma que professores e estudantes sentem que há dificuldades para se lidar com a diversidade, com conflitos e com opiniões diferentes, algo considerado imprescindível durante a graduação. O clima nas faculdades completa-se ainda com altas taxas de alunos ansiosos e depressivos.

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Nos Estados Unidos e em vários países disseminou-se também nos últimos anos o conceito de pais helicópteros, aqueles considerados superprotetores, que controlam brincadeiras e não permitem que os filhos se arrisquem ou tomem decisões compatíveis com a idade. Pesquisas mostram que crianças com pais helicópteros não sabem lidar com suas emoções e têm mais dificuldades em enfrentar desafios.

Para a psicanalista e doutora em Educação Ilana Katz, o eventual controle dos pais quando os filhos estão na faculdade é mais que superproteção, é uma opressão. “É uma ação que impede a capacidade do outro de decidir, de correr risco e de lidar com ele.” Ela também discorda de relações em que os pais exercem um poder financeiro sobre os filhos. “As famílias querem mandar nos filhos porque os sustentam e querem mandar na universidade porque encaram a educação como um serviço. Isso não vai construir um sujeito emancipado”, completa.

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