Como o Brasil pode alavancar o ensino técnico? ‘Responsabilidade das empresas também’

Especialista aponta que a Educação Profissional e Tecnológica pode aumentar empregabilidade de jovens e dar mais sentido ao ensino médio

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Por Vanessa Fajardo
Atualização:
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comAlan ValadaresEspecialista em Pesquisa e Dados na Fundação Itaú

Somente cerca de 25% dos alunos com idades entre 19 e 24 anos ingressam na universidade, segundo dados do Ministério da Educação. As instituições privadas concentram a maioria das matrículas, quase 80%.

O especialista em Pesquisa e Dados na Fundação Itaú Alan Valadares afirma que o ensino superior precisa “urgentemente” deixar de ser visto como única “grande oportunidade de formação profissional.”

Modalidade de ensino que mais cresceu na educação básica no último ano, chegando a 2,4 milhões de estudantes (alta de 12% de 2022 para 2023), a Educação Profissional e Tecnológica pode ser oferecida integrada ao ensino médio, mas também abrange cursos de qualificação profissional e de ensino superior, de graduação e pós, nos chamados tecnólogos.

A Fundação Itaú apoia a estruturação e expansão da Educação Profissional e Tecnológica em 16 redes estaduais brasileiras. “Nosso trabalho é focado na educação profissional no nível médio porque para nós é a etapa mais importante a ser investida hoje. É onde a gente enxerga uma saída importante para o país”, afirma Valadares, que participou do Reconstrução da Educação, evento promovido pelo Estadão e que discutiu caminhos para melhorar o ensino no Brasil (veja como foi).

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Para o especialista, a modalidade em nível médio tem de ser “ressignificada e não pode estar mais relacionada apenas às profissões da indústria tradicional”. Hoje, o catálogo nacional de cursos técnicos regulamentado pelo Ministério da Educação prevê 215 opções de cursos diferentes divididos em 13 eixos tecnológicos que contemplam temas como ambiente e saúde; gestão e negócios; informação e comunicação; produção alimentícia; recursos naturais; entre outros.

Confira, abaixo, trechos da entrevista:

O Ministério da Educação vai implementar a Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (PNEPT), articulada com o novo Plano Nacional de Educação (PNE), por meio de um grupo de trabalho que será criado. Que problemas ela irá resolver?

Um dos dramas da modalidade é a avaliação. Quando a gente olha para as especificidades do ensino técnico, diversidade de cursos, habilidades que precisam ser desenvolvidas nos estudantes, você se depara com uma questão complexa que é um como vou padronizar e avaliar. Sem uma política nacional, a gente não consegue ter as diretrizes que possam realmente nortear como uma avaliação precisa se dar.

Tivemos o Marco Legal do Ensino Técnico (Lei nº 14.645/2023) no ano passado, foi um momento importante para discutir o que precisa ser declarado nessa política e como os diferentes atores da sociedade devem se articular para que a gente tenha uma Política Nacional de Educação Profissional com o papel de orientar diretrizes. Vemos um cenário aquecido, teremos recursos específicos para a modalidade, conseguimos que a educação profissional tivesse a importância devida nas discussões dentro da educação básica. Mas para nós, é muito importante olhar para a qualidade e sem um sistema de avaliação, não vamos conseguir mensurar se o que esperamos dos estudantes está sendo alcançado, ou se a diversidade de curso está alinhada com as demandas do mundo do trabalho.

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Estadão promoveu o ciclo de debates Reconstrução da Educação; da esquerda para a direita, a editora executiva do Estadão Luciana Garbin, Alan, Cássia Cruz, gerente de Educação do Senai, e Tatiana Ribeiro, diretora executiva do Movimento Brasil Competitivo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

O novo ensino médio fortalece a Educação Profissional, tendo em vista que também pode ser ofertada por meio dos itinerários formativos?

É importante que a educação profissional seja ofertada neste novo arranjo curricular do ensino médio, já que mais de 80% dos estudantes no Brasil estão matriculados na rede pública. Pesquisas mostram que o ensino técnico é uma das opções preferidas para a maioria dos alunos, na hora de escolher os itinerários formativos como primeira ou segunda opção.

Portanto, a baixa inserção do ensino técnico no ensino médio não ocorre por falta de interesse dos estudantes, mas sim pela oferta reprimida, que precisa ser expandida. Quando a educação técnica é uma das opções de itinerário, ela ganha uma força enorme.

Além disso, é muito importante que o ensino técnico esteja disponível dentro do próprio ensino médio, pois há experiências que demonstram que ele se integra bem ao currículo, desenvolvendo tanto habilidades específicas quanto os componentes da formação geral básica. Isso representa um ganho de tempo, já que muitos estudantes que concluíram o ensino médio tradicional acabam buscando uma formação técnica posteriormente. Às vezes até já começaram a trabalhar e precisam voltar para a escola para conseguir uma formação profissional técnica. Ao ser realizado de forma integrada, entendemos que há economia de recursos e ganho de tempo.

De acordo com o Censo Escolar 2023, a Educação Profissional e Tecnológica foi a modalidade de ensino que mais cresceu na educação básica no último ano. Qual o desafio agora?

Se a taxa de matrículas do ensino técnico dentro do ensino médio chegasse a 60%, teríamos potencial para impactar mais de 2% do PIB do Brasil. Este impacto poderia ser potencializado ainda mais se conseguíssemos ofertar cursos aderentes às economias emergentes, relacionados às novas profissões.

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O desafio é fazer com que a expansão alcance os estudantes mais os estudantes vulnerabilizados e que esta formação tenha qualidade e potencial para fazer com que eles consigam se inserir em ocupações que tenham carreiras promissoras e paguem bons salários. Dessa forma, a sociedade inteira vai ganhar.

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A formação de professores é um entrave para a expansão?

Este é um grande gargalo como um todo na educação básica, em especial para o ensino técnico, tanto na formação inicial quanto na continuada. A modalidade tem a especificidade de ser muito dinâmica, requer flexibilidade do corpo docente em se requalificar constantemente e estar muito em sintonia com o que está acontecendo com o mercado.

Muitos professores do ensino técnico são pessoas que também estão no mercado e temos questões importantes de atratividade do trabalho docente. Como eu consigo trazer um bom profissional da Tecnologia da Informação que está em alta e recebe bons salários para a sala de aula da educação pública? Essa é uma questão que passa pela responsabilidade das empresas também. Como elas podem mudar esse paradigma de não ser apenas consumidoras de pessoas qualificadas, mas também ajudar a favorecer a formação dos trabalhadores? Requer esforço e articulação fortes entre poder público, sociedade civil e principalmente com o setor produtivo que é um ator potente na formação de capital humano que precisamos trazer mais para perto da educação.

Como a modalidade atende as demandas do mundo do trabalho? Os formados em nível médio técnico têm boa taxa de empregabilidade?

Fizemos uma pesquisa com empregadores do setor produtivo e vimos que existe uma demanda forte por habilidades e competências técnicas de profissionais com nível médio. No geral há pouca oferta de trabalhadores, e esse hiato ocorre por conta desse vazio de formação. Apesar das boas experiências, do crescimento recente, ainda temos uma educação profissional muito pequena dentro da educação básica. Em países da Europa, a média da formação técnica dentro da educação básica é de 42%.

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Hoje a grande oportunidade de formação profissional no Brasil, ainda é o ensino superior, isso precisa mudar urgentemente. O ensino superior atende uma fatia ainda menor do público: 80% dos jovens que deveriam estar cursando, não estão. Um em cada cinco jovens de 15 a 29 anos não estuda nem trabalha.

Setores como a tecnologia da informação, economia da cultura e indústrias criativas têm muito potencial para contratação de jovens técnicos de nível médio. Na indústria criativa são mais de 7 milhões e meio de profissionais, um dos maiores setores da economia brasileira, e mais da metade estão em ocupações técnicas de nível médio. São formações profissionais que poderiam estar sendo desenvolvidas no próprio ensino médio.

É preciso haver uma ressignificação da educação profissional, quando pensamos no que tínhamos no século 20, vamos lembrar de profissões ligadas à indústria tradicional, como torneiro mecânico. Isso ficou no passado, hoje a educação profissional que estimulamos é uma forma de ensino muito moderna.

A expectativa de vocês é que o aluno que opte por um curso médio de educação profissional, siga depois para a universidade?

Com certeza. Acreditamos no life long learning, que é a aprendizagem ao longo da vida e a necessidade de se requalificar. Encaramos a educação profissional como uma primeira etapa para a inserção do mundo do trabalho. É uma forma de qualificação rápida, mas também uma oportunidade importante de viabilizar o início de uma trajetória mais qualificada. A realidade da maioria das pessoas é não ter nenhuma qualificação. O egresso do ensino técnico tem uma maior taxa de participação no trabalho e salários maiores, em relação ao profissional que fez o ensino médio regular. Também tem uma maior taxa de acesso ao ensino superior, além de uma oportunidade de reconhecer e testar suas próprias vocações.

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