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Como SP pode dar um salto de qualidade e ter educação de país desenvolvido?

Ampliar o tempo integral na pré-escola, limitar o número de alunos por professor e criar as bases para a alfabetização são desafios para a maior rede do Brasil

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Foto do author Renata Cafardo

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

São Paulo tem o mérito de manter a fila da creche zerada desde 2020, mas o desafio de melhorar a qualidade da educação infantil para 550 mil alunos de 0 a 6 anos. A ciência mostra que estímulos certos na primeira infância estão ligados a melhor desempenho acadêmico, salários mais altos, mais saúde, menos desigualdade - e retornos financeiros para a sociedade.

Bebês compartilham um livro em creche da rede municipal, no centro da capital Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Alfabetização

É na educação infantil que se formam as bases da alfabetização. As prefeituras são, prioritariamente, responsáveis por essa etapa, composta por creche e pré-escola, e os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano).

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Apesar de fazer um dos maiores investimentos entre as redes municipais, São Paulo está em 21ª entre as capitais no novo índice de alfabetização do Ministério da Educação (MEC), divulgado em maio. Só 37,9% das crianças do 2º ano sabem ler e escrever, menos do que a meta prevista pelo MEC (44,3%). Alguns especialistas contestaram a nova fórmula elaborada pelo ministério. A Prefeitura diz que “a pesquisa deste ano não pode ser usada como comparativo de avaliações anteriores” porque foi mudada pelo MEC. A pasta criou em 2023 uma nota de corte nas provas com parâmetros de alfabetização e tabulou resultados usando também exames feitos pelos municípios.

Não se trata de ensinar a ler e a escrever na educação infantil. Mas propor práticas de leitura e escrita, com brincadeiras e histórias, desenvolvendo o interesse pela linguagem.

“Prefeitos têm de entender que alfabetização não começa no fundamental. As experiências da criança na educação infantil são estruturantes”, afirma a diretora de políticas públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Marina Fragata Chicaro. “Todos falam muito de desigualdade, mas a política mais poderosa para reduzi-la é investir na primeira infância”, confirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação.

Tempo integral

Dos bebês de 0 a 3 anos das creches da capital, 100% ficam em período integral. Mas, segundo dados tabulados pelo Todos pela Educação, isso se repete em só 11% das pré-escolas (4 e 5 anos), que, com a creche, compõem a educação infantil.

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“Corta o cotidiano da família quando a criança faz 4 anos: quem vai buscá-la se os pais trabalham o dia todo? Mesmo que alguém busque, ela não tem onde ficar quando sai da escola”, diz Cisele Ortiz, coordenadora do Instituto Avisa Lá, que há décadas trabalha com creches na capital.

Crianças da pré-escola brincam em escola municipal no Paraíso, zona sul Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O que é uma educação infantil de qualidade?

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em julho diretrizes feitas pelo MEC de qualidade na educação infantil, que devem nortear os municípios. As diretrizes reforçam a importância de brincadeiras no currículo, livros, espaços e projetos arquitetônicos específicos para a faixa etária e políticas antirracistas. Também cita a importância da avaliação, com informações sobre vagas, infraestrutura e práticas pedagógicas.

“Olhar só estrutura ou material não é suficiente para dizer que a educação infantil é boa”, diz Marina. “O professor precisa ter práticas que ajudem a criança na riqueza de experiências e contextos que ela deve vivenciar.”

Além disso, entre educadores, uma parte defende instruções mais explícitas para a alfabetização no fim da pré-escola; outros não. O documento do MEC fala de “compromisso com o investimento pedagógico intencional nos processos de apropriação da leitura e da escrita”.

Quais são os bons exemplos no exterior?

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A Austrália é uma das principais referências em diretrizes curriculares para a faixa de zero a cinco anos. São listados cinco resultados esperados na aprendizagem: forte senso de identidade; conexão com o mundo e perceber como suas ações contribuem com ele; bem-estar; confiança e saber comunicar-se. Lá, também foi criado em 2009 um sistema em que avaliadores externos visitam as unidades de educação infantil.

Outro bom exemplo de currículo para essa faixa etária é o da província de Ontário, no Canadá. O documento lista cinco princípios: importância das experiências positivas para toda a vida da criança; parceria entre escola e família; respeito à diversidade; brincadeira como base para o aprendizado; educadores bem preparados.

Importância do espaço e mobiliário adequados à faixa etária faz parte de documento recente aprovado no CNE sobre educação infantil Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Quantas crianças por professora?

Outro gargalo é o número de crianças por professor. O documento do MEC prevê que, nessa idade, sejam no máximo 20 por profissional. Entre bebês de até 1 ano, a proporção é de 5 para 1. A Prefeitura diz que novas salas podem ser criadas “em caráter excepcional” se há demanda e conforme a capacidade das escolas.

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Desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, a educação infantil sai do assistencialismo e integra a educação básica do País. Segundo o prêmio Nobel de Economia James Heckman, a cada US$ 1 direcionado a cidadãos de 0 a 6 anos, o retorno para a sociedade é de US$ 7.

Como acabou a fila da creche

Em 2012, a fila da creche em São Paulo tinha 150 mil crianças e uma chuva de pedidos de vaga nos tribunais. “Aqueles que acionam a Justiça muitas vezes não são os mais vulneráveis”, diz Alessandra Gotti, do Instituto Articule. Ela foi uma das responsáveis pela articulação entre poderes que encerrou a judicialização.

A Justiça fixou metas em 2013 para criar vagas e a fila acabou em 2020. “Nesse período foram 7 ou 8 secretários de Educação. Isso se tornou política de Estado, não de governo.” O investimento subiu, hoje é de cerca de R$ 20 mil por aluno/ano, e a expansão se deu principalmente por parcerias com organizações não governamentais, as “creches conveniadas” (mais de 80% da rede).

O que os candidatos propõem na educação (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

O candidato do PSOL pretende manter o modelo de creches parceiras que é regulamentada de acordo com regras estabelecidas pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Segundo ele, isso garante que as organizações cumpram com os acordos estabelecidos e assegurem atendimento de excelência às crianças e suas famílias.

Nos temas filas para a creche e alta quantidade de alunos por professor, Boulos defende estabelecer um padrão de qualidade comum. O candidato quer aprimorar os mecanismos de transparência, acompanhamento e supervisão dos serviços prestados pelas entidades parceiras e investir na formação continuada para educadores, instituindo uma política permanente de valorização salarial.

Na política de alfabetização, Boulos quer ampliar a educação integral e garantir a formação continuada dos educadores, as condições materiais de trabalho e a segurança do professor e dos estudantes no ambiente escolar.

“Vamos transformar a escola em um espaço de convivência, cooperação e pertencimento à comunidade, ampliando a jornada escolar e oferecendo atividades culturais, esportivas e de lazer. O programa será implementado gradualmente, em diálogo com as unidades escolares, e com a preocupação permanente em valorizar os profissionais da educação e atualizar os espaços físicos das escolas com ações de adequação e melhoria”, diz o candidato quando o assunto é educação integral.

José Luiz Datena

“A obrigação do poder municipal, responsável pelo ensino infantil, é tratar as crianças com segurança para que as mães, que estão deixando seus filhos de até 4 anos nas creches, tenham certeza que estão em um lugar seguro. Além de segurança, as creches estarão preparadas para acolher com carinho, amor e cuidados de atenção à saúde, proporcionando as melhores condições para que essas crianças sigam para a próxima etapa da educação infantil. A nossa proposta é que nossas crianças, com no máximo oito anos, sigam o ensino fundamental já alfabetizadas”, afirmou o candidato do PSDB.

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Datena defende policiamento nos arredores das escolas. “Na minha gestão haverá segurança no ambiente de educação infantil com a GCM ao redor das escolas, mas também vamos trabalhar para manter o ambiente familiar entre professores, funcionários e crianças”, disse.

O tucano pontuou ainda a necessidade de reforço no processo de letramento. “As crianças sairão da escola alfabetizadas, bem cuidadas e acolhidas como se tivessem em suas casas. Nenhuma criança, até oito anos de idade, seguirá o sistema educacional sem saber ler e escrever no tempo certo.”

Marina Helena

A candidata do Novo afirmou que o atual modelo de contrato com as creches é um “termo de fomento com remuneração baseada em planilha de custos”. A Prefeitura, diz Marina, banca o que a creche gasta. “Isso é um convite ao superfaturamento dos custos. Vamos mudar o modelo para contratos para Parceria Público-Privada com remuneração baseada na qualidade do ensino, como ocorre em diversos países do mundo. Há menos incentivos para corrupção e é mais fácil para a prefeitura romper o contrato se o serviço for mal prestado”.

Creches conveniadas representam mais de 80% da rede paulistana de educação infantil Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Pablo Marçal

“As creches parceiras continuarão sendo essenciais, mas com um acompanhamento mais próximo para garantir a qualidade do ensino. Importante ressaltar que implementaremos rigorosos mecanismos de controle, governança e fiscalização em toda a gestão educacional, incluindo as parcerias’, diz o candidato do PRTB.

Em relação aos desafios de qualidade na educação infantil, a campanha de Marçal pontua que “a gestão focará em investimentos na capacitação contínua dos educadores, implementação de tecnologias educacionais e parcerias com instituições especializadas”. Também pretendem implementar um sistema de avaliação e monitoramento constante da qualidade do ensino.

Na melhoria do processo de alfabetização, o candidato afirma que sua política de alfabetização incluirá a implementação de metas claras de aprendizagem, avaliações diagnósticas regulares a partir do ano final da educação infantil, e um sistema de remuneração por resultado para os profissionais da educação.

Na área de educação de tempo integral, Marçal afirma que “para a pré-escola ampliaremos a faixa etária de atendimento dos Centros para Crianças e Adolescentes a partir dos 4 anos, oferecendo atividades no contraturno escolar. Acreditamos que o tempo integral não só melhora o desempenho acadêmico, mas também proporciona um desenvolvimento mais completo, incluindo atividades esportivas, culturais e de preparação para o futuro profissional.”

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Ricardo Nunes

Candidato à reeleição pelo MDB, Nunes promete trabalhar para garantir que a cidade continue sem filas para atendimento dos bebês e crianças de 0 a 3 anos nos próximos 4 anos, assim como para os outros ciclos de ensino, mantendo o modelo de creches parceiras.

Sobre a relação entre a quantidade de alunos por professor, Nunes defende que a atual gestão está em consonância com parâmetros de atendimento de qualidade, mas pondera que as Diretorias Regionais de Educação (DREs) podem autorizar, em caráter excepcional, a criação de turmas nos CEIs diretos e parceiros, respeitada a capacidade física das salas.

O prefeito aponta que a classificação de São Paulo no novo índice de alfabetização está em patamar “adequado e avançado”, segundo a avaliação estadual. Ele pondera que a Rede Municipal de Ensino (RME) possui avaliações próprias que mensuram as aprendizagens dos estudantes e que exames como a Provinha São Paulo, aplicada aos estudantes do 2° ano do Ensino Fundamental, mostra que desde 2018 entre 80% e 90% dos estudantes estão alfabetizados.

Sobre a política de escola em tempo integral para pré-escola e fundamental, Nunes afirma que pretende ampliar o ensino em tempo integral nas escolas municipais, desde a educação infantil até o ensino fundamental, priorizando os distritos mais vulneráveis, trazendo benefícios para o processo de aprendizagem e atendendo ao interesse das famílias.

Tabata Amaral

A candidata do PSB afirma que uma das primeiras medidas a ser adotada será a ampliação do horário de atendimento das creches para até 19h. “Essa é uma demanda de muitas mães, pais e responsáveis que trabalham e nem sempre conseguem buscar as crianças antes desse horário.”

Tabata promete continuar com as parceiras, garantindo um padrão no atendimento, com a adoção de indicadores de qualidade e novos fluxos de acompanhamento e monitoramento.

Sobre a classificação da cidade no índice de alfabetização, a candidata diz que seu compromisso é ter 100% das crianças alfabetizadas na idade certa, com prioridade para o letramento em português e matemática até os 7 anos. “Vamos aplicar avaliações diagnósticas bimestrais. Isso vai permitir intervenções rápidas que garantam que todos os alunos atinjam os níveis adequados de proficiência. Redesenharemos o sistema de formação dos professores, com prioridade para a alfabetização, e instituiremos prêmios às escolas, professores, profissionais da rede e gestores que alcancem as metas estabelecidas.”

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Sobre a política de escola em tempo integral para pré-escola e ensino fundamental, a candidata afirma que o mecanismo ajuda a reduzir desigualdades: “É só assim que o filho do pobre terá as mesmas oportunidades que o filho do rico. Vamos implementar um plano de expansão gradual das matrículas em tempo integral na rede municipal de educação. Essa universalização vai começar pelas escolas mais vulneráveis e com piores indicadores.”

Veja quais são as próximas reportagens da série:

  • Mobilidade - 08/8
  • Desafios econômicos - 09/8
  • Meio ambiente - 10/8
  • Urbanismo - 11/8
  • Centro de SP - 12/8
  • Segurança - 13/8
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