Como tornar uma escola mais inclusiva e contribuir no combate ao racismo?

71% dos municípios negligenciam lei que obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira; especialistas afirmam que legislação pode contribuir para assegurar direitos

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Por Sofia Lungui

Garantir ampla diversidade étnico-racial e a inclusão do povo negro nas escolas são velhos desafios na educação básica brasileira. Apesar de serem maioria no País, representando 56% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas negras ainda enfrentam obstáculos para ocupar espaços no ambiente escolar e para concluir os estudos de forma bem-sucedida. Esse problema passa pelo descumprimento da Lei 10.639/03, que obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas.

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Promulgada há 20 anos, em 2003, até hoje a lei tem sido negligenciada por diversos municípios brasileiros. Pesquisa dos institutos Alana e Geledés mostrou que sete em cada 10 secretarias municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação para implementar a legislação, que busca fomentar a educação antirracista nas escolas. O estudo revelou que apenas 29% das secretarias realizam ações consistentes e perenes para garantir a implementação da lei.

Embora esteja ligada a questões de currículo, conforme especialistas, a Lei 10.639 representou um momento importante para a educação brasileira, de valorização da cultura afro-brasileira e de maior reflexão sobre a inclusão. A partir dessa iniciativa, a gestão pública e as instituições de ensino começaram a pensar no ambiente escolar como um espaço de combate ao racismo e de conscientização. Isso contribui para uma convivência mais harmoniosa entre as pessoas e para uma educação integral.

“Quando temos a construção de um imaginário sobre a importância do povo negro na construção social, econômica e política do Brasil, a gente passa a valorizar mais nossa cultura e nossa história. A lei é uma ferramenta crucial para o desenvolvimento de políticas públicas mais democráticas”, afirma Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana.

Para ser mais inclusiva, a escola precisa valorizar o legado do povo afro-brasileiro na sociedade e traduzir essa proposta em ações concretas para alunos e docentes durante o ano inteiro, e não somente de maneira pontual. É o que pensa Míghian Danae, professora da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira do campus dos Malês em São Francisco do Conde, na Bahia.

“Esse debate não é opcional, é obrigatório desde 2003. Essas mudanças devem se refletir no dia a dia da escola, e as professoras e professores precisam ser capacitados para transmitir esses conhecimentos para os alunos”, explica a pesquisadora.

EMEI Carolina Maria de Jesus desenvolve projeto para apresentar às crianças a diversidade dos povos Foto: EMEI Carolina Maria de Jesus/Arquivo

Esse trabalho tem sido realizado desde 2014 na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Carolina Maria de Jesus, por exemplo, em São Paulo. Todos os anos, as crianças participam de um projeto cujo objetivo é apresentar a diversidade dos povos que compõem o Brasil. Durante o ano, elas pesquisam sobre etnias africanas e sobre povos originários, e depois compartilham os resultados entre si e com a comunidade.

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Por meio de instrumentos como brincadeiras, jogos, literatura e música, a instituição busca conscientizar e educar os alunos. “Assim, ao longo do ano, eles vão desenvolvendo um repertório repleto de referências das etnias indígenas e afro-brasileiras. Queremos que os alunos se sintam representados, permitindo que construam uma imagem positiva sobre si mesmos e sobre seus pares desde a infância”, relata Diego Benjamim Neves, diretor da escola e mestre em Educação pela Universidade Federal de São Paulo.

Outra iniciativa nesse sentido é a distribuição de imagens na escola de personalidades negras brasileiras que se destacaram nas mais diversas áreas, como esporte e música. “Cada porta das salas de aula tem um adesivo com foto e nome de uma escritora negra, por exemplo, artistas e outras figuras importantes no nosso país”, conta o educador.

A escola sempre contou com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Segundo Diego, a parceria com o órgão é fundamental para a escola. A secretaria realiza diversos eventos, como palestras e cursos de formação para os docentes, além de disponibilizar materiais importantes para os gestores e professores, com orientações específicas sobre as relações étnico-raciais.

Para João Paulo Cêpa, gerente de articulação e advocacy do Movimento pela Base, a escola pública precisa do apoio das secretarias para se tornar mais inclusiva e diversa. “Temos que olhar para a escola como parte de um sistema. A secretaria tem função importante nessa estrutura, com a missão de fortalecer as escolas, tornando a discussão sobre relações étnico-raciais algo elementar no planejamento curricular. As secretarias e o governo federal precisam assumir esse papel, bem como fornecer apoio técnico e financeiro para implementar isso na prática”, diz o pesquisador.

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No início de maio, o Movimento pela Base lançou o e-book “Educação antirracista: O que é e como colocar em prática”, mais um material com o intuito de orientar professores, para que se aprofundem no letramento racial e desenvolvam o debate nas escolas. O conteúdo traz referências, dicas de leituras, cursos e webinars voltados para o tema, com o objetivo de promover o cumprimento da Lei 10.639.

O desafio das escolas particulares

Nas escolas particulares, a missão da inclusão também deve ser algo perene e sistematizado. De acordo com a professora Míghian, para avançarmos, é importante envolver as instituições de ensino privadas nesse debate e monitorar constantemente o cumprimento da legislação. Por muitos anos, a grande maioria dos colégios realizavam somente ações isoladas para tratar sobre a questão racial, principalmente no mês de novembro, em alusão à Consciência Negra – e em muitos casos ainda é assim.

No entanto, algumas escolas já estão olhando para a inclusão e o combate ao racismo como elemento primordial na construção do currículo e do planejamento político pedagógico. Em 2020, começou a ocorrer uma mobilização de um grupo de famílias em São Paulo para que fossem realizadas mudanças concretas em colégios da capital, como Vera Cruz, Santa Cruz, Oswald de Andrade, Escola da Vila, Gracinha, Equipe, entre outros.

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Ao longo dos últimos anos, currículos foram reformulados, docentes e gestores passaram por cursos formativos e as instituições passaram a contratar mais profissionais indígenas, negras e negros, além de distribuir bolsas para alunos pertencentes a essas etnias, com mensalidade, material, transporte e passeios pagos pela escola.

Thayla, de 14 anos, Thavily (12) e Thayler (11) estudam no colégio Oswald de Andrade e ingressaram por meio das bolsas de estudo. Esse benefício começou a ser ofertado em 2022, quando entraram oito estudantes bolsistas. Neste ano, mais dez alunos foram contemplados com o auxílio, totalizando 18.

“Nem em sonho, eu nunca imaginei que meus filhos pudessem estudar em um colégio como o Oswald. Esse projeto foi uma grande iniciativa para garantir o estudo para pessoas de baixa renda e incluir a nós, pessoas negras. Agarramos essa oportunidade com muito carinho e fomos muito bem acolhidos. A equipe da escola tem profissionais maravilhosos, que sempre nos tratam de igual para igual”, conta Luciana Salles, diarista e mãe das três crianças.

“Antes, a escola tinha uma preocupação com o ensino da cultura afro-brasileira, mas era algo episódico. Agora se tornou algo institucionalizado como princípio norteador do trabalho da escola, para todas as decisões e planos de ensino”, explica Suelem Lima Benício, consultora de Educação e Relações Étnico-Raciais do Colégio Oswald. Foi desenvolvido o projeto Origens, que permitiu as mudanças e tem sido cada vez mais expandido.

Na escola Santa Cruz, foi criado em 2020 o Santa Plural, projeto que também busca a ampliação da diversidade racial e a construção de uma agenda antirracista na instituição. Entre as iniciativas, foi desenvolvido um programa de bolsas de estudo que oferece 12 vagas por ano. O projeto conta com o apoio de uma associação, formada por amigos e familiares da comunidade escolar, que ajuda a custear as despesas.

“Temos as ações de letramento, com a formação dos professores e reorganização de acervos, bem como as ações antirracistas, que buscam trazer mais estudantes e profissionais indígenas e afro-brasileiros e atingem toda a escola”, conta Débora Vaz, diretora pedagógica do colégio.

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