Com o avanço da tecnologia dentro das escolas, do ano passado para cá, a cultura maker tem sido amplamente disseminada. As escolas estão apostando com cada vez mais força em ações práticas para estimular os alunos a desenvolverem soluções criativas e inovadoras por conta própria. Projetos baseados em metodologias ativas e design thinking são fortes tendências para os próximos anos.
Embora muitos desses projetos sejam conduzidos a partir dos ensinos fundamental II ou médio, educadores destacam que na infância, especialmente, essa estratégia e suas ferramentas podem contribuir muito com o processo de aprendizagem. Conforme consta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as brincadeiras e experiências lúdicas são fundamentais para as crianças, tanto no que diz respeito ao aprendizado como para o desenvolvimento cognitivo.
A socialização, a criação de jogos e a investigação são aspectos que dialogam muito com a cultura maker e são capazes de engajar as crianças. Para a educadora Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades e professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard, há muito tempo a cultura maker está presente na educação infantil, mas ela precisa ser pensada de forma intencional, com maior planejamento pedagógico e preparação dos professores, inclusive até o 5º ano.
“Chegamos em um momento em que competimos com a inteligência artificial. Não faz sentido que o professor continue despejando conteúdo na cabeça das crianças, e menos ainda quando falamos das pequenas, nos primeiros anos da escola, que aprendem por exploração. Eles são como pré-cientistas. Tem que haver um ambiente favorável à exploração e à aprendizagem lúdica nas escolas”, explica a pesquisadora.
De acordo com ela, a prototipagem e a educação mão na massa são elementos importantes para que a criança aprenda construindo soluções, e deve ser introduzido até mesmo no processo de alfabetização. “Temos que aproveitar esse momento para transformar o processo de ensino”, acrescenta.
O Instituto Singularidades aposta muito na educação maker e está contribuindo para propagar essa cultura nas escolas públicas de São Paulo. Desde agosto do ano passado, a instituição promove um curso para formação de professores da rede pública do Estado em conceitos de educação maker.
As ações formativas são realizadas no LabSing, laboratório criado em parceria com o Transformative Learning Technologies Lab (TLTL) da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. O programa também tem apoio da Fundação Telefônica Vivo, Fundação Lemann e Imaginable Futures.
“A educação infantil tem muito das manualidades, assim como a abordagem maker. Hoje, os dispositivos digitais estão muito presentes na vida das crianças desde pequenas. Elas já criam uma interface muito diferente com o mundo. É importante aliar isso com as habilidades manuais de criatividade e o desenvolvimento psicomotor”, destaca Tathyana Gouvêa, coordenadora do laboratório de inovação do Instituto Singularidades, o LabSing.
Muitas escolas particulares de São Paulo estão investindo em laboratórios equipados com recursos como impressora 3D, cortadora a laser e fresadoras, bem como em projetos e cursos para que os docentes possam se aprofundar na educação maker. No Mater Dei, por exemplo, as crianças contam com o Hackathon Kids, entre outras iniciativas. Em parceria com a Foreducation EdTech, empresa de inovação na educação, o colégio conduz anualmente o projeto com os alunos do 2º ao 5º ano do ensino fundamental.
Trata-se de um momento de estímulo da criatividade, em que os estudantes têm 24 horas para criar jogos autorais inovadores. Os alunos utilizam programação em Scratch para criar os jogos, que precisam refletir algum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas. No ano passado, o tema foi sobre soluções para fomentar a cultura de paz nos jogos da Copa do Mundo no Catar.
Segundo Helena Brito, mãe do Renato, do 8º ano no Mater Dei, e da Ana, que está no 5º, as iniciativas da escola são excelentes para instigar a imaginação das crianças. “Eles passam o dia inteiro reunidos com turmas diferentes. É uma experiência imersiva e com muitas trocas, surgem muitas ideias. Acho muito interessante e eles sempre ficam animados”, conta a pediatra.
Carlos Eduardo de Castro Neves, pai da Gabriela, de 9 anos, e do Gustavo (13), também acredita que esses projetos do Mater Dei são muito importantes. “O Hackathon, a Sala Google e outras atividades ajudam a desenvolver o raciocínio lógico dos meus filhos. O melhor ainda é que trabalham com a aplicabilidade no mundo atual, e pensando no futuro”, relata o advogado.
Na escola Gracinha, também na capital paulista, o projeto pedagógico tem foco em garantir um ambiente colaborativo de aprendizagem, com resolução de problemas reais, aprendizagem investigativa, processo de planejamento e busca por soluções. O objetivo é fazer com que as crianças desenvolvam habilidades de pensamento lógico e criatividade. Assim, desde pequenas, elas aprendem a trabalhar em equipe, comunicar suas descobertas e compartilhar ideias.
Na educação infantil, no ano passado, por exemplo, os alunos foram desafiados a construírem uma casa de bonecas gigante. A demanda veio deles: eles queriam um espaço só deles para brincar e os professores estimularam a ideia. Através da atividade, os pequenos exploraram conceitos de design, materiais de construção, texturas, cores e tamanho. Elas participaram de todas as etapas – planejamento, protótipo e execução da “obra”.
Na Carandá Educação, o colégio está preparando cada vez mais projetos voltados para os ensinos infantil e fundamental I, sendo que há anos desenvolve ações com foco em cultura maker no ensino médio. As crianças dos primeiros anos, até o 5º ano, têm desenvolvido projetos criativos. Neste ano, os pequenos construíram em sala de aula marble machines, instrumentos que funcionam por meio da energia potencial de bolinhas.
Os projetos serviram para apresentar às crianças conceitos de física, motricidade, ação e reação. “Por meio dessas atividades, mostramos aos alunos como tangibilizar as teorias que estão aprendendo. Na prática, enriquece muito o conhecimento, porque a criança começa a aprender e se conectar melhor com o conteúdo”, explica Renato Farias, professor de tecnologia na escola e especialista em Tecnologias Educacionais e Cultura Maker.
No Centro Educacional Pioneiro, a equipe de tecnologia na educação trabalha de forma transversal, com todos os anos escolares. Neste mês, os professores da escola começaram uma formação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para aprofundarem os conhecimentos em programação. Segundo Fernanda Bocchi, coordenadora de tecnologia educacional da escola, o curso “Escola 4.0 - Educação STEAM usando a placa Micro:bit” vai fomentar muito a atmosfera maker na instituição de ensino.
“A cultura maker abarca linguagem de programação, robótica, marcenaria, prototipagem, entre muitas outras áreas, e estamos introduzindo isso para as crianças. A educação maker trouxe as metodologias ativas como fio condutor, perpassando diversos campos do conhecimento e metodologias”, afirma.
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