Corte de bolsa, transporte e bandejão: como o bloqueio afeta a vida de universitários

Alunos de graduação em universidades federais tentam driblar contingenciamento com marmita, vaquinha e empréstimo, mas há impacto na formação

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Por Julia Marques, Túlio Kruse e Fábio Bispo

SÃO PAULO e FLORIANÓPOLIS – De falta de bandejão até viagens técnicas barradas. Os efeitos do bloqueio de verbas nas universidades federais, anunciado pelo Ministério da Educação (MEC), vêm sendo sentidos por aqueles que estão na ponta: os alunos. Em meio aos cortes, as instituições têm anunciado medidas de economia, enquanto que os estudantes, para contornar os problemas, apelam para marmitas, caronas, vaquinhas e até empréstimos. 

Em abril, o MEC anunciou o bloqueio de verbas discricionárias das universidades. Esses recursos são usados, por exemplo, para o pagamento de terceirizados, contas de água e luz e obras. Universidades ouvidas pelo Estado relatam dificuldades para honrar os contratos de funcionários nas áreas de limpeza e segurança - e algumas preveem até a suspensão das atividades. Bolsas de intercâmbio, iniciação científica e estágio também estão ameaçadas. 

Obra parada. Bloqueio compromete construção de novos blocos da UFABC em Santo André e licitações de outras obras para consolidação dos câmpus Foto: Werther Santana/Estadão

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Segundo especialistas, a falta de apoio a estudantes - principalmente em um contexto de inclusão de alunos mais pobres nas universidades - tem impacto no engajamento dos universitários nos estudos, reduz possibilidades de dedicação a atividades complementares e contribui para a evasão. 

“O que faz a diferença entre uma boa universidade e uma medíocre é que, nas boas, os estudantes têm a oportunidade de aprender muito além da sala de aula, com intercâmbio, iniciação científica”, diz o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Tessler, especialista em ensino superior. “A formação é um conjunto de oportunidades que os estudantes têm.”

Em nota, o MEC informou que o critério para o bloqueio “foi operacional, técnico e isonômico”. Segundo a pasta, o bloqueio no orçamento do MEC foi de 3,9%, de um total de R$ 149,7 bilhões para 2019. Para as universidades, foi 3,4% dos R$ 49,6 bilhões para o ano, “sem comprometer as despesas obrigatórias”. O MEC informou que está “aberto ao diálogo com reitores”, buscando liberar recursos para questões urgentes. Disse, ainda, que o bloqueio não compromete o Programa de Assistência Estudantil. 

Veja os efeitos do bloqueio de verbas em universidades federais do País: 

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o corte de um programa de intercâmbio surpreendeu o estudante de Economia Vicente Heinen, de 21 anos. Selecionado em primeiro lugar, ele pretendia cursar um semestre em Buenos Aires, na Argentina. “Dois dias após o resultado, recebi a notícia do cancelamento”, reclama. 

Em junho, a universidade anunciou a suspensão dos programas de mobilidade internacional por causa do contingenciamento. Intercâmbios para o ano de 2020 também não serão liberados até que os bloqueios sejam revistos.

A UFSC informou que houve redução de verbas de custeio em 35%. “Estamos propondo uma revisão de contratos com as empresas terceirizadas”, disse Áureo de Moraes, chefe de gabinete da reitoria. Segundo Moraes, além da suspensão dos editais da Secretaria de Relações Internacionais, houve suspensão de passagens e diárias para cursos e eventos, a não ser em casos extremos.

Universidade Federal do Paraná (UFPR)

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A aluna de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernanda Vanzeli, de 22 anos, foi aprovada para viajar a Portugal, com uma bolsa mérito de R$ 10 mil, mas teve o benefício suspenso por causa do bloqueio de verbas. Para cobrir o gasto, ela recorreu a uma vaquinha. 

Estudante de Engenharia Florestal da UFPR, Winicius Schaeffer, de 22 anos, também pretendia viajar, para mais perto. Um professor havia organizado uma visita técnica a Urubici (SC) para estudos sobre infraestrutura, mas foi barrado. “Não esperávamos que isso fosse atingir a gente dessa maneira”, diz Schaeffer. “É difícil aprender sobre florestas dentro da cidade.” 

No fim de maio, a UFPR anunciou restrições a viagens para cidades a mais 300 km de distância por motivo de economia. Também resolveu suspender, neste mês, os serviços do restaurante universitário. Schaeffer apelou para as marmitas. Com R$ 400 por mês que recebe do estágio em um laboratório, almoçar na rua estava fora de cogitação. 

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A UFPR informou que restrições não afetam apenas as bolsas de mobilidade, mas todas as bolsas de graduação - de iniciação científica ou de extensão. Os editais de mobilidade acadêmica para 2020 também dependem de condição orçamentária para serem implementados, segundo a reitoria. 

Além disso, eventos institucionais, como o festival de inverno, foram encurtados e a universidade recorre a patrocínios externos. 

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

As dificuldades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se acirraram com o contingenciamento. Três ônibus que faziam o trajeto entre as unidades de Diadema - há prédios no centro e em um bairro mais afastado - quebraram e a frota não foi recomposta. 

Segundo a reitoria, a licitação depende da liberação de recursos. “O fretado da universidade tem horário para ser cumprido, que vem sendo reduzido a cada dia”, diz a aluna de Licenciatura em Ciências Andressa da Paz, de 20 anos, que também vê problemas de limpeza e manutenção de laboratórios. 

Aluna da Unifesp, Andressa da Paz vê prejuízos à formação Foto: Werther Santana / Estadão

Para o colega de curso Miguel de Lima, de 18 anos, as dificuldades são um banho de água fria. Primeiro da família a ingressar no ensino superior, neste ano, ele se surpreendeu quando conheceu a estrutura física da universidade. “Pensei em um câmpus bonito. Foi uma quebra”, lembra. “Somos obrigados a andar a pé pela cidade e várias pessoas já foram assaltadas.”

Enquanto não tinha resposta se conseguiria uma bolsa de permanência estudantil (não há aumento na quantidade de benefícios, enquanto que o número de alunos de baixa renda só cresce), ele chegou a “escolher os dias para faltar” e a mãe fez até empréstimo para arcar com os gastos do aluno. Segundo a reitoria, não há previsão de redução na assistência estudantil, mas os valores “são insuficientes para atendimento da demanda”. 

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A Unifesp prevê suspensão das atividades caso não ocorra desbloqueio. Audiências públicas serão realizadas pela universidade em agosto para informar estudantes e professores sobre o impacto dos cortes. O bloqueio para atividades de manutenção da universidade, como água, luz e segurança, foi de aproximadamente 34,5%, segundo a universidade.

Universidade Federal do ABC (UFABC)

Por causa do bloqueio de verbas, a Universidade Federal do ABC (UFABC) prevê a impossibilidade de manutenção e reformas de prédios e equipamentos. A construção de novos blocos em Santo André, na Grande São Paulo, segue comprometida com o bloqueio de recursos, segundo a universidade. 

Em maio, mudança na contratação de uma empresa de ônibus levou à redução no transporte do câmpus a terminais de transporte público. Também tornou mais difícil atender a todos que precisavam se deslocar entre os câmpus. “(O bloqueio) faz com que a UFABC não consiga ampliar a capacidade de transporte, num cenário de expansão do número de alunos”, informou a universidade.

O resultado é que alunos precisam enfrentar um caminho perigoso e já organizam esquemas de caronas. “Quem chega pelo terminal (Santo André Leste) tem de passar por baixo do viaduto a pé”, diz Andressa Silva, de 22 anos, aluna de Ciência e Tecnologia na UFABC. “Decidi trancar minha matrícula para tirar carta de motorista. Me vi ameaçada de estar sujeita a assaltos”, diz ela, que escuta relatos de violência ao menos duas vezes por semana no trajeto. 

“O transporte já era muito precário, os estudantes já sofriam muito”, diz Marcos Carvalho dos Santos, de 19 anos, aluno do 2º ano de Economia. Por causa da mudança, ele paga R$ 35 mensais a um colega por três caronas por semana, em média. Nos outros dias, ele vai até o terminal Sacomã e, de lá, usa corridas de Uber que custam entre R$ 21 e R$ 28 - ou cerca de R$ 7 se conseguir outros colegas para dividir a corrida. 

Na UFABC, os bloqueios deverão “comprometer fortemente” o funcionamento em 2020, segundo a reitoria. A universidade teve 30% dos valores bloqueados (R$ 15,4 milhões para custeio e R$ 6,9 milhões para investimento). “A UFABC deve manter as atividades até o final do ano, com o pagamento das despesas previstas e o cumprimento dos contratos vigentes, mas com limitações severas à qualidade desses serviços.”

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Universidade Federal de Goiás (UFG)

Na Universidade Federal de Goiás (UFG), há incômodo com a infraestrutura. Sem poda, o mato alto cria insegurança e a redução de vigias aumenta o risco de furtos. A UFG admite atrasos no pagamento de prestadores de serviço e, para economizar, recomendou até desligar o ar-condicionado durante a manhã e à noite. 

“É um desconforto. A sala foi adaptada, é de tapumes. Temos de ligar ventiladores, que são lentos, e deixar a janela aberta. Mas o prédio é de frente para um bosque com macacos, que querem entrar na sala”, diz Letícia Scalabrini, de 20 anos, aluna de Ciências Sociais.

“Não tem questão maior do que nosso medo de fechar a universidade. Começam tirando os terceirizados, deixando de dar bolsas. E, desse modo, a faculdade acaba”, diz Letícia. A UFG informou que estratégias como o corte de ar-condicionado são para prorrogar a paralisação. Segundo a reitoria, novas medidas de racionamento estão sendo implementadas.

“O intuito é racionalizar o máximo possível, na tentativa de prorrogar o momento em que a instituição terá de parar suas atividades”, diz Robson Maia Geraldine, pró-reitor de Administração e Finanças da UFG. "Os atrasos no pagamento de fornecedores e prestadores de serviço já começam a incomodar as empresas."

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

A Universidade Federal da Bahia (UFBA), que tem R$ 48 milhões bloqueados, está funcionando em horário especial, neste mês, para economizar água e energia. A instituição suspendeu, ainda, 300 bolsas de monitoria, de R$ 400, que seriam pagas a alunos no segundo semestre, e reduziu a limpeza de áreas externas. 

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Universidade Federal do Acre (Ufac)

Na Universidade Federal do Acre (Ufac), que teve R$ 13,1 milhões bloqueados, 75 das 278 bolsas de iniciação científica foram cortadas e os editais para bolsas de extensão e estágio, suspensos. A Ufac prevê fechar o restaurante universitário. 

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a obstrução orçamentária foi de R$ 114 milhões. A universidade informou que fará contato com o MEC para que “não apenas tenha condições de funcionar, mas permaneça na posição de liderança na educação superior brasileira”. 

Universidade Federal do Amazonas (Ufam)

A Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que informa bloqueio de R$ 38 milhões, prevê pagar terceirizados e fornecedores só até este mês.