Curso do MEC liga reforma do ensino médio a ‘políticas neoliberais’ e ‘privatização dos itinerários’

Ministério afirma que aula não usou material oficial e diz que professora será afastada; formação está sendo dada a técnicos das secretarias da educação

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Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

Uma das aulas de um curso dado pelo Ministério da Educação (MEC) para técnicos das secretarias e dos conselhos estaduais sobre a implementação do novo ensino médio relaciona a reforma da etapa à “privatização dos itinerários” e a “políticas neoliberais”. A disciplina foi dada na semana passada dentro de um programa que prevê ajudar os representantes dos Estados a elaborar seus planos para as escolas, depois da aprovação da lei que mudou mais uma vez o ensino médio em 2024.

O MEC afirma que o material não havia sido aprovado pelo governo federal. Diz também que, depois de ser avisado pelo Estadão, a professora foi afastada do curso (leia mais abaixo). Procurada pela reportagem, a docente responsável por dar a aula não se manifestou.

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O Estadão teve acesso a slides apresentados na disciplina que mostram o ex-presidente Michel Temer (MDB) em uma charge que sugere que ele “vendeu” a educação do País. O material ainda tem erros de português. Diz ainda que a política “fere o direito da população e o direito de aprender”. O chamado novo ensino médio foi aprovado na gestão Temer em 2017 e sempre sofreu forte resistência da esquerda, que pedia a revogação total do modelo.

Depois de um processo longo, que começou no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Congresso aprovou em julho deste ano uma nova lei que modifica a reforma do ensino médio. Entre as mudanças, está o aumento da carga horária de disciplinas obrigatórias, como Matemática e Português.

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Camilo foi alvo de fogo amigo de parlamentares da esquerda e teve de articular com o ex-ministro da Educação de Temer, Mendonça Filho (União Brasil-PE), para ter o seu projeto aprovado.

Os slides fazem também críticas de cunho ideológico até contra políticas tidas como prioritárias pelo próprio MEC atual, como as escolas em tempo integral, afirmando que elas têm “práticas educativas caracterizadas como neoliberais e neoconservadoras”.

O ministério prevê investir R$ 4 bilhões para aumentar as matrículas em tempo integral no País. Pesquisas têm mostrado evidências de melhora na aprendizagem e até queda de homicídios de jovens com o aumento das horas na escola.

Slide em curso do MEC que critica a reforma do ensino médio Foto: Reprodução
Slide em curso do MEC que fala da "mercantilização" da educação Foto: Reprodução

O Programa Gestão de Políticas Públicas e Qualidade Social do Ensino Médio começou no fim de setembro, organizado em parceira com a Fundação Joaquim Nabuco, órgão vinculado ao MEC, com sede em Pernambuco.

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A aula dada semana passada afirma também que a lei atual do ensino médio manteve “retrocessos” como a “não obrigatoriedade do Espanhol” e a “privatização dos itinerários técnico-profissionais que podem ser oferecidos por instituições privadas”. Fala ainda em suposta “razão mercantil” que estaria sendo imposta à educação pela iniciativa privada.

“Não é um material oficial do MEC. A professora, no exercício da sua autonomia didática, utilizou esses slides na sala de aula. Outras turmas não tiveram essa aula e o MEC e a Fundação Joaquim Nabuco tomaram as medidas necessárias para melhorar esses processos e corrigir as falhas”, disse ao Estadão o diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do MEC, Alexsandro Santos.

“A professora havia sido contratada para esta única disciplina e não fará mais parte do quadro de docentes do curso”, acrescentou.

O curso de aperfeiçoamento tem 180 horas, oferece certificado e seu objetivo, segundo o “manual do cursista”, é o de que no fim sejam elaborados os “27 (vinte e sete) Planos de Ação para a Reestruturação da Política de Educação para o Ensino Médio” em todos os Estados e no Distrito Federal.

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As aulas às quais o Estadão teve acesso foram dadas a uma das turmas, que incluíam técnicos de sete Estados: Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Bahia, Acre, Amapá e Paraíba. Os representantes de outros Estados tiveram aulas com outros professores nesse módulo.

O Estadão conversou com funcionários das secretarias de educação que participaram do curso. Eles contam que a aula causou mal estar e dizem que a professora foi questionada sobre o viés ideológico que estava sendo apresentado. Eles, no entanto, elogiaram outras disciplinas do programa. Segundo o MEC, o curso teve nota geral 4,4 (entre 0 e 5) entre os que participaram até agora.

Slide em curso do MEC que critica a lei aprovada em julho no Congresso, enviada pelo governo Foto: Reprodução
Slide em curso do MEC que critica a reforma do ensino médio Foto: Reprodução
Slide de aula do curso fala em "políticas neoliberais" no novo ensino médio Foto: Reprodução

A aula da semana passada foi dada pela professora da Universidade Federal da Paraíba Ana Cláudia Rodrigues. A disciplina era a de Políticas de Avaliação, Indicadores Educacionais e Qualidade do Ensino Médio, com 20 horas, o que representa cerca de 10% do curso.

Em artigos publicados, Ana Cláudia, que é doutora em Educação, diz que a “aprovação e efetivação da BNCC do Ensino Médio foram permeados por discursos neoliberais com forte apelo filantrópico e mercadológico”. Procurada, a professora Ana Cláudia não respondeu ao Estadão.

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Os slides também fazem críticas a entidades do terceiro setor como Todos pela Educação, afirmando que elas representam uma “rede de influências” no MEC e que também “buscam influenciar a opinião pública de acordo com os interesses da economia de mercado”.

“Há desconhecimento sobre o Todos pela Educação ou intenção de disseminar mentiras por quem está descontente com o aperfeiçoamento da reforma. De toda forma, o mais importante agora é o ministério ser técnico e fazer o que o governo anterior não fez: a coordenação da implementação do novo ensino médio. Se não fizer, repetirá os erros desse passado recente, infelizmente”, disse a presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.

Nova lei do ensino médio

Com a nova lei aprovada em julho, o tempo de formação básica (para disciplinas tradicionais, como Português, Matemática e História) passará de 1,8 mil horas para 2,4 mil. E a carga horária de disciplinas flexíveis, as dos chamados itinerários formativos, que podem ser escolhidos pelos alunos em seus currículos, diminuirá de 1,2 mil horas para 600 horas.

Para essas e outras mudanças, a secretarias estaduais de Educação precisam reorganizar seus currículos, seus espaços físicos e professores. O curso do MEC é parte desse processo.

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“Óbvio que é preciso preparar as pessoas, dizer o que mudou. Mas o MEC está fazendo tudo apressadamente, e não consegue fazer a revisão, acompanhar de perto o curso, acaba dando espaço para usos indevidos”, diz o presidente do Conselho Estadual de Minas Gerais, Felipe Michel Braga.

Representantes da secretaria mineira estavam na aula que falava em “privatização dos itinerários”. “Fica parecendo revanchismo de um grupo.”

Nesta semana, o MEC também enviou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) documento com subsídios para que o órgão elabore as novas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio. O prazo para finalização é de cerca de um mês.

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