Em um passado não muito distante, as escolas aplicavam testes e faziam feiras de profissão para ajudar os adolescentes do ensino médio a refletirem sobre a escolha da carreira. Hoje, elas investem em estratégias e experiências mais amplas, que começam com uma gama de atividades de orientação profissional, passam por questionários, atendimentos individuais, disciplinas de autoconhecimento e palestras, e chegam a cursos com professores universitários e estágios dentro de empresas.
O início das atividades ocorre em diferentes etapas, a depender de cada instituição, mas se dá geralmente após o 9.º ano do ensino fundamental, quando os estudantes têm entre 14 e 15 anos. No Colégio Faap, em São Paulo, por exemplo, o projeto de orientação profissional começa no 1.º ano do ensino médio, com seis aulas da disciplina Dominância Cerebral, em que são apresentados conceito psicológicos para incentivar o aluno a descobrir quais são os seus pontos fortes.
O primeiro passo é o autoconhecimento. Sempre paro e pergunto: o que eu sou, o que quero fazer da vida, onde quero chegar, o que pretendo fazer?
Marinez Rafaldini, orientadora educacional da escola
Logo nas primeiras aulas, a orientadora educacional Marinez Rafaldini projeta uma imagem ilustrativa de um cérebro dividido em quadrantes, ligados a diferentes habilidades, como criatividade, como descreveu o pesquisador norte-americano Ned Herrmann. E os estudantes são estimulados a refletirem sobre suas características.
As atividades continuam no 2.º ano, com seis aulas focadas no conceito das sete inteligências, do psicólogo Howard Gardner, também com a missão de fazer o estudante se autoconhecer. Por fim, no último ano, os alunos participam de uma semana sobre profissões, recebem a visita de professores da faculdade Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e têm a possibilidade de assistirem a aulas na graduação como visitantes. “Temos alunos que querem ver três, quatro aulas.”
No Colégio Bandeirantes, em São Paulo, as atividades são individuais e em grupo, com psicólogos e professores, explica Milena Greve, orientadora profissional da Coordenadoria de Futuro e Carreiras. Entre elas estão palestras com profissionais, feiras de profissão e atendimentos individualizados - apenas neste ano foram mais de 400 -, todas adaptadas para videoconferências e transmissões ao vivo por causa da pandemia.
Além disso, a instituição também procura dar suporte a iniciativas dos alunos, como o Clube de Engenharia, criado neste ano pelo estudante Mário Augusto Neves Lopes, de 17 anos, que está concluindo o ensino médio. A ideia surgiu quando ele optou por cursar Engenharia, mas tinha dúvidas sobre qual escolher entre as dezenas de opções. “Depois das atividades (de orientação profissional) ficou bem óbvio que era Engenharia, mas pensar em qual era muito mais difícil”, diz.
Mário Augusto se juntou, então, a cinco colegas que viviam situação semelhante e criou o clube, que promove palestras com engenheiros de diferentes formações e variadas experiências profissionais, incluindo gente que não trabalha mais na área. “Eles falam sobre como foi feita essa escolha, como foi o curso, como se preparar para as atividades que exercem, o que já fizeram, o que dariam de dica para possíveis profissionais do futuro”, descreve o jovem.
Dentro da universidade
No Arquidiocesano, por sua vez, além de testes, feiras e orientação, também são realizados cursos eletivos com professores universitários e uma disciplina chamada Gestão Pessoal e Carreiras, que discute carreiras, habilidades e opções de universidades, como destaca o coordenador do Ensino Médio, Dionei Andreatta. “Sempre que possível a gente chama pessoas com profissões diferentes para fazer uma palestra”, detalha.
Já na Escola da Vila, também em São Paulo, a discussão focada em carreira é mais intensa a partir do 2.º ano do ensino médio, quando os alunos preenchem fichas sobre as opções que cogitam estudar. “Eles vão fazendo a mesma ficha umas cinco vezes até o final do 3.º ano. Tem alunos que não escrevem nada na primeira vez, nada segunda vez… Daí, a gente precisa ajudar. Também tem quem se fixe apenas em uma opção, e também temos de ajudar”, comenta Susane Lancman, diretora pedagógica do ensino médio.
Na rede estadual, o governo de São Paulo lançou no ano passado o programa Inova Educação, voltado a alunos a partir do 6.º ano do ensino fundamental. "O programa prevê a inclusão de aulas semanais de projeto de vida para todos os alunos. Nesse novo componente curricular, um dos elementos é o apoio, a orientação, para que os alunos façam escolhas mais conscientes, entendam melhor o mundo do trabalho”, afirma Caetano Siqueira, coordenador da Coordenadoria Pedagógica da Secretaria da Educação.
Escolha precoce
Esse tipo de discussão vem ganhando corpo a partir do 9.º ano do ensino fundamental, induzida pelo chamado Novo Ensino Médio, previsto em lei de 2017. As adaptações precisam estar prontas até 2022, mas há escolas que já começaram a implementá-las.
Uma das mudanças é que o estudante terá de decidir qual itinerário formativo - como linguagens, formação técnica e profissional ou ciências da natureza, entre outros - irá fazer em complemento às atividades obrigatórias. Na rede estadual de São Paulo, por exemplo, a primeira turma a fazer a escolha será a do 9.º ano de 2021.
No Colégio Mater Dei, em São Paulo, a escolha tem o apoio do programa de "counselling educacional", inspirado em proposta australiana e voltado ao 9.º ano. A atividade é chamada de Avaliação de Múltiplas Escolhas (AMI), em que o “counselor”, o psicólogo Tiago Tamborini, auxilia os adolescentes a identificarem as próprias habilidades.
“O nosso foco não é necessariamente que o aluno faça a escolha profissional, mas que amadureça e se conecte com aquilo que envolve seus projetos”, diz Tamborini. “(Em geral) há muita aula de Matemática, História e Geografia, mas pouco se ensina sobre autoconhecimento, inteligência emocional e sociocompetências. E é fundamental falarmos sobre isso.”
Ele destaca que as escolhas podem mudar no fim do ensino médio, mas que esse tipo de discussão ajuda a amadurecer as decisões futuras. As atividades ocorrem semanalmente durante dois trimestres e meio, com exercícios, testes, discussões e reflexões, além de atendimento individual e em grupo. No início e no fim do processo há um encontro com os pais. “É um direcionamento até para que os alunos estejam mais motivados no ensino médio.”
Entre as ações propostas está uma em que o estudante precisa montar quatro listas de cerca de dez itens do que gosta de fazer mas não faz, do que faz e não gosta, do que gosta e faz e, ainda, do que não gosta e não faz. A partir disso, discutem-se os interesses e também a necessidade de, por vezes, termos de fazer tarefas que desgostamos para atingir determinados objetivos.
Outra atividade é um plenário em sala de aula, em que alunos são divididos entre grupos que vão defender que o dinheiro traz ou não a felicidade. “Quando a discussão está acalorada, inverto os grupos, com o intuito de estabelecer a discussão sobre o papel dinheiro nas escolhas de vida.”
Um dos alunos que participou da atividade é Daniel Queiroz, de 15 anos. “Antes de começar com o counselling já tinha meio que uma ideia do que queria fazer, onde queria ir. A aula me ajudou a pensar nisso, como escolher, do que gosto e não gosto”, comenta. “Hoje sei mais ou menos que quero sair do País, estudar fora, mais na área da tecnologia. O que eu pensava antes era só o que queria estudar, não muito onde.”
Nova grade curricular
No Colégio Poliedro, os alunos fazem testes de preferências para construir a grade curricular do 1.º ano do ensino médio. Após essa experiência, no ano seguinte, são iniciados testes de aptidão e autoconhecimento, além da participação em feiras de profissões e palestras, que desencadeiam uma espécie de laudo indicativo de áreas de interesse. “São ferramentas para tentar encaixar a área de interesse do aluno de acordo com as respostas”, explica a coordenadora de Orientação Educacional do Ensino Médio, Beatriz Marcon.
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