Entre seus três empregos, Bruna Guissi encaixa em sua rotina corrida as aulas da graduação feitas a distância. Ela assiste às classes gravadas à noite, após o trabalho, ou no fim de semana. Aos 30 anos, ela decidiu cursar a segunda licenciatura, de Letras com ênfase em Inglês, na Faculdade Estácio.
“Aulas síncronas são muito difíceis de encaixar na minha rotina. Fazer ensino a distância (EAD) me permite ter horário mais flexível, estudar quando normalmente não se estuda, no final de semana, ou às vezes até de madrugada, quando tenho tempo”, conta.
Ela já atuava como professora do idioma estrangeiro quando decidiu investir mais nessa carreira. Antes, já tinha o diploma em Biologia, que cursou presencialmente na Unicamp.
Ela se juntou aos milhões de alunos que optaram pela modalidade nos últimos anos. O crescimento do número de cursos EAD foi de 700% entre os anos de 2012 e 2022, quando foram mais de 3 milhões de ingressantes em cursos de graduação a distância.
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Assim como Bruna, a maioria dos alunos EAD são mulheres (64%) que trabalham (76%). O perfil também é composto majoritariamente por pessoas da classe C (54%) e que fizeram ensino médio na rede pública (86%). Os dados, agrupados pelo Educa Insights, são do Enade e do Censo Inep.
Após a desidratação do Fies, programa federal de financiamento estudantil, os cursos remotos se tornaram alternativa de acesso para alunos de baixa renda ou que trabalham. Também surgiu para o ensino superior particular como um caminho para expandir seu mercado.
Desde o ano passado, o MEC tem imposto restrições à criação de cursos a distância. Neste mês, estendeu a suspensão para todos os novos cursos EAD em faculdades particulares até 2025, assim como a expansão de novas vagas em cursos já existentes e polos.
O objetivo, segundo o ministério, é estabelecer uma regulação mais eficiente do modelo, que tem sido alvo de questionamentos sobre a qualidade. O MEC também recriou um conselho consultivo para discutir questões de supervisão e regulamentação do ensino superior, e a definição sobre a abertura de novos cursos à distância deve ser o primeiro tema tratado.
Perfil dos alunos
Ao comparar as suas experiências no remoto e no presencial, Bruna ressalta as diferentes vantagens de cada uma. “Como aluna, prefiro ter aulas presenciais, interagir com pessoas enquanto estudo”, diz.
“Mas gosto das aulas online assíncronas e dessa pegada mais autodidata. O fato de eu poder escolher ir pra outros lugares para estudar e trabalhar melhora a minha relação com o EAD”, pondera.
Na faculdade atual, ela relata aprender mais por meio de leituras, já que as videoaulas do seu curso são curtas e apenas para revisão do material. Na graduação anterior, presencial, teve muitos conhecimentos práticos e diz ter “aprendido a estudar”. Isso a ajudou a desfrutar melhor da autonomia que tem hoje.
Apesar de os cursos à distância terem tutores para auxiliar os alunos, Bruna diz que faz falta poder tirar dúvidas no momento em que assiste à aula. Relata ainda que sua faculdade realiza diversas atividades online para integrar os alunos, mas que não participar pela falta de tempo.
“Se eu não tivesse limitação de horário, provavelmente faria presencial. O EAD é o que cabe na minha rotina”, conclui ela.
Para especialistas, uma das dificuldades na modalidade é a falta de acompanhamento mais próximo por professores ou monitores. Para alunos mais jovens ou com menos experiência de estudos, essa barreira pode dificultar o aprendizado e o aproveitamento do curso.
‘Se não fosse o EAD, não teria como’
Pedro Silva, 26 anos, já havia iniciado um curso presencial de Arquitetura, mas não se identificou com o curso e decidiu trancar. Alguns anos depois, já trabalhando como designer, optou por entrar em um curso tecnólogo de Design Gráfico, na Faculdade Cruzeiro do Sul, para se aperfeiçoar na carreira que escolheu.
O jovem já trabalhava home office, o que facilitou que se adaptasse ao EAD. A escolha da modalidade se deu pela facilidade para conciliar com o trabalho, ao evitar o deslocamento até o câmpus, e o preço mais atrativo da mensalidade.
“Para me deslocar para até uma graduação presencialmente, eu levaria muito tempo no transporte público e provavelmente chegaria atrasado nas aulas, e depois muito tarde em casa. E os valores estavam mais em conta”, diz ele, que está no 1º semestre do curso.
O estudante afirma que tem uma boa compreensão dos temas das aulas no EAD. “Tem o material didático e a aula gravada em vídeo. Depois, eu faço as atividades e trabalhos. Eles têm um portal também de contato com o tutor da disciplina, mas uso pouco porque com o material que tenho acesso, já consigo executar as atividades”, diz.
Por outro lado, no ensino à distância há menos intercâmbio de experiências. “Do presencial, o que prefiro é a troca mais fácil e rápida com colegas e professores, de estar ali todo mundo junto, e a gente poder comentar sobre aquilo de forma mais humana”, comenta.
Já Ana Regina Rosa, de 47 anos, conta que fazer a graduação sempre foi um sonho, que não conseguiu realizar quando mais nova, mas alcançou por meio do ensino à distância. “Na verdade, meu sonho não era em EAD, mas presencial, de segunda à sexta, das oito da manhã às onze e meia. Se fosse por mim, iria todo dia para a faculdade”, conta.
Na visão da estudante, o aprendizado é maior no ensino presencial, mas é possível se adaptar. “É tudo melhor. Você está ali com a professora. Já que não dá presencial, fazemos assim. Mas não estou triste, é uma super conquista”, diz Ana Regina, no último ano de Educação Física à distância, na Uniasselvi.
“Não fui para a EAD gostando. Você tem de se dedicar muito para executar as provas. Para mim, está sendo uma experiência incrível. Se não fosse no EAD, eu não iria fazer a faculdade”, completa.
Ela precisa dividir seus dias entre trabalhar na sua empresa, ajudar com os cuidados dos pais, estudar, fazer os estágios obrigatórios e as tarefas domésticas. Nos estágios, atua como assistente de professor em aulas de vôlei e de natação.
A estudante conta ainda que o maior aprendizado veio do exercício da profissão. Na sua visão, o conteúdo das aulas, mais teóricas, acaba sendo mais superficial e falta a ela mais tempo para se aprofundar. “Para mim, o estágio é o que mais salva, porque faço muita coisa na prática”, afirma.
É justamente nas licenciaturas (cursos para formação de professores) que se concentram grande parte dos estudantes de graduações online. Foi nessa área que o MEC já impôs regras mais restritivas para as classes remotas: os cursos deverão ter pelo menos 50% da carga horária dada de forma presencial.
As faculdades terão dois anos para se adaptar às novas regras. Graduações já em curso não serão atingidas pela medida.
“Independentemente do resultado, não tem como fazer formação de qualidade do professor, à altura dos desafios do mundo moderno, em EAD. É um profissional que exige interação constante, desenvolvimento de habilidades relacionais”, diz Olavo Nogueira, diretor executivo do Todos pela Educação, movimento que assumiu posição forte contra a modalidade na formação docente.
Algumas instituições disseram que haverá dificuldades para implementar a mudança. A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) teme precisar fechar suas graduações diante desse novo cenário.
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