Nos últimos dois anos, vivi a intensa e desafiadora rotina de professor. Cerca de cinco das minhas trinta horas semanais estavam destinadas à formação continuada na escola, aspecto fundamental da prática docente que me fez perceber como o uso efetivo desse tempo pode ser um vetor de melhoria da prática pedagógica e desenvolvimento profissional do docente.
Mas, será que todo mundo sabe o que é uma formação continuada efetiva? As evidências mostram que para atingir esse objetivo, cinco elementos devem estar presentes: conhecimento pedagógico do conteúdo, métodos ativos de aprendizagem entre pares, duração prolongada e coerência com outras políticas educacionais. (Fundação Carlos Chagas, 2017).
O elemento mais marcante que vivenciei foi a formação entre pares com uso de metodologia ativas. No início do ano letivo, definíamos em conjunto com a coordenação pedagógica quais temas representavam nossas maiores dificuldades - indisciplina e defasagem dos alunos, montar avaliações e planos de aula e etc. - e então nos dividíamos em grupos e apresentávamos pesquisas existentes sobre o assunto. A partir disso, discutíamos nossos desafios cotidianos e compartilhávamos soluções que já usávamos em sala de aula. O modelo era muito rico, pois partíamos de desafios reais com apoio da teoria para que chegássemos, de forma conjunta, em soluções práticas
Cinco elementos devem estar presentes na boa formação continuada: conhecimento pedagógico do conteúdo, métodos ativos de aprendizagem entre pares, duração prolongada e coerência com outras políticas educacionais
Apesar dos aspectos positivos, também me deparei com o que precisava ser aprimorado. Não eram, por exemplo, desenhados planos de ações pelos professores, o que seria fundamental para que esses aprendizados construídos nas discussões fossem incorporados à prática pedagógica. Outro ponto era que a coordenação pedagógica não assistia as aulas para dar feedback aos professores. Isso seria essencial, pois os docentes, assim como quaisquer profissionais, têm dificuldade para identificar seus pontos de melhorias e traçar soluções claras e aplicáveis com os alunos.
Em relação ao conhecimento pedagógico do conteúdo, nós, da área de matemática, nos reuníamos para compartilhar atividades, avaliações e estratégias usadas com os alunos que tinham mais defasagem. Lá o momento não era institucionalizado, mas deveria e pode ser, tal como fazem algumas redes do estado do Ceará - em que um dia da semana é destinado à formação continuada por área. Além disso, vivíamos o desafio da falta de periodicidade dos encontros devido a outros acontecimentos, como reuniões, organização de festa, correção de avaliação, entre outros. Isso reflete a equivocada percepção de que a formação continuada não é tão urgente quanto as outras pautas escolares. Alguns docentes também não conseguiam participar, pois davam aulas em mais de uma escola ou rede, e usavam o tempo de formação para dar aulas ou deslocar-se entre os colégios. Por isso, garantir a jornada de trabalho em uma única escola é um pré-requisito para uma boa formação continuada.
Também cabe destacar que os referenciais da secretaria de Educação para a formação continuada eram pouco específicos e não dialogavam com outros pontos das políticas da rede e as equipes do Centro de Formação de Professores iam pouco à minha escola. Assim, todo o trabalho de preparação dos encontros ficava a cargo da coordenação pedagógica que, muitas vezes, encontrava dificuldade para manter a periodicidade e qualidade dos encontros ao longo do ano.
A partir da experiência aqui relatada, pode-se enumerar três pontos fundamentais que as redes devem atentar-se ao criar seus programas de formação continuada:
- Ter referenciais específicos e com cronograma anual de encontros;
- Promover formação de coordenadores pedagógicos para observação de sala de aula e feedback aos professores;
- Possibilitar encontros de formação na escola, com ênfase no diálogo entre desafios cotidianos e teoria em busca de soluções práticas.
Construir uma formação continuada mais efetiva é a ferramenta primordial para que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não seja apenas um marco regulatório e, de fato, chegue às salas de aulas de todas escolas brasileiras com qualidade. O desafio é grande, mas as evidências e as experiências exitosas apontam para caminhos cada vez mais claros. Cabe às redes estaduais e municipais e o Ministério da Educação colocarem mais atenção nesse ponto fundamental para a melhoria da formação dos professores e, consequentemente, para a qualidade da Educação oferecida a nossas crianças e nossos jovens.
* Ivan Gontijo é coordenador de projetos do Todos Pela Educação e professor de matemática.
Referências
Fundação Carlos Chagas. Formação continuada de professores. Contribuições da literatura baseada em evidências. São Paulo, 2017. Disponível em: http://www.consed.org.br/media/download/5b58f72177bff.pdf
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