O empresário e engenheiro argentino Gustavo Pierini, de 67 anos, anunciou neste mês a maior doação já recebida pelo fundo da tradicional Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP): US$ 1 milhão. Mas a história dele com a filantropia educacional começou bem antes disso - e agora ele quer incentivar cada vez mais gente a oferecer esse tipo de ajuda.
Após visitar o Massachusetts Institute of Technology (MIT), Pierini decidiu que queria uma oportunidade para estudar fora. O problema é que sua família não teria os milhares de dólares necessários para bancar esse sonho.
Em instituições públicas da Argentina, ele já havia se formado em três engenharias - Naval, Mecânica e de Sistemas. Por ter o melhor desempenho entre os alunos das graduações que cursou, conseguiu a bolsa de estudos americana Fullbright, que bancou parte do seu mestrado em Science in Management (Ciências da Administração) no MIT, onde tanto sonhava. Para o restante, recorreu a um empréstimo.
Esse começo da carreira convenceu Pierini sobre a diferença que faz uma ajuda extra para incentivar talentos. Retribuir as conquistas que alcançou, ajudar outros a realizarem sonhos e promover o desenvolvimento econômico se tornou uma missão.
“Assim que me graduei, já fazia filantropia. Não era de muito porte, US$ 100 a 150 por ano, para o MIT e outras causas. Isso cresceu ao longo do tempo, à medida que dispunha de mais dinheiro. Sempre fui grato pelo o que as pessoas fizeram por mim, e achei que teria a capacidade de fazer isso por outros. Estou devolvendo à sociedade com juros”, relata.
Fundos de doações de universidades (endowments) são muito incentivados em diversos países. Nos Estados Unidos, eles são responsáveis por grande parte do financiamento de algumas das maiores instituições de ensino, entre elas Harvard, Princeton, Stanford e Yale.
No Brasil, uma lei de 2019 deu diretrizes para criar endowments e cada vez mais universidades têm investido no modelo. Em julho, chamou a atenção a doação feita por um professor da USP à instituição no valor de R$ 25 milhões - neste caso, a verba foi para o USP Diversa, um fundo que dá bolsas para alunos em vulnerabilidade socioeconômica.
Mas como ele veio parar no Brasil?
Depois do mestrado, Pierini foi contratado pela consultoria financeira McKinsey, passando pelos escritórios de Boston, Nova Iorque, Madri, Lisboa e Buenos Aires, até chegar em São Paulo. Seus irmãos já moravam no Brasil e decidiu que ficaria por aqui.
No Brasil, desenvolveu quase toda a sua carreira no ramo financeiro e de administração e reestruturação de empresas. Dentre muitos projetos, participou da criação da AmBev, por meio da fusão entre as marcas Antarctica e Cervejaria Brahma, e da InBev, com a fusão da AmBev com a cervejaria belga Interbrew.
“Todos esses projetos me deram capacidade financeira que me permitiram avançar na filantropia, agradecendo o Brasil, a Argentina e o mundo”, conta ele, que tem filhos brasileiros. “Só faço coisa que se reflita na América Latina, porque os americanos já têm dinheiro suficiente”, ressalta.
Ele calcula, por exemplo, que a Argentina tenha gasto o equivalente a US$ 1 milhão em toda a sua formação acadêmica, em valores atuais, se fosse uma educação “comprada no mercado”.
“Obviamente que meu pai não teria a menor capacidade de me dar essa educação se não fosse a generosa Argentina. E a Argentina não se beneficiou em nada; emigrei pouco tempo depois. Sempre penso: como se investe todo esse dinheiro em mim sem me pedir nada em garantia?’”, diz.
Filantropia educacional
O primeiro investimento de grande porte de Pierini foi a criação, em 2011, de um fundo que banca, anualmente, o valor de um mestrado para um estudante argentino ou brasileiro no MIT. O programa Gustavo Pierini Fellowship é vitalício, já que os juros reais da doação investida custeiam o valor sem que o montante doado seja reduzido.
Para ser selecionado, é preciso fazer o processo seletivo diretamente com a universidade americana, que escolhe, sem interferência do doador, quem serão os estudantes contemplados.
Ele criou também um fundo que dá bolsa de estudos para minorias estudarem em áreas STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) em um instituto de ensino tecnológico argentino, além de doar um terreno para expansão da instituição.
Desde então, suas ações filantrópicas contemplaram diversos projetos, sempre ligados à educação, exceto na pandemia, quando doou para outras áreas. “Há diversas causas, mas, tendo um bolso finito, diria que o melhor dinheiro investido é em pessoas que depois vão impactar positivamente a sociedade”, afirma.
“Como regra, invisto em educação superior com viés tecnológico, o STEM, porque o mundo necessita de tecnologia. As maiores empresas do mundo são dessa área. A elevação da produtividade, que é o que leva ao maior desenvolvimento humano e à maior renda, é hoje sinônimo de tecnologia”, acrescenta.
Por isso, suas doações no Brasil se concentram principalmente para a Poli. Ele diz que pode soar estranho tamanho investimento na faculdade, já que não estudou lá e nem mesmo é brasileiro.
Sua relação com a faculdade não só da admiração pela qualidade da escola, mas também por ter empregado diversos funcionários egressos da faculdade. Pierini fundou a consultoria Gradus, focada em rentabilidade, aumento de produtividade e transformação organizacional.
Ele calcula que em torno de um quarto dos engenheiros que passaram por sua empresa são formados na Poli. “E eu gostaria que continuem formando esses talentos, e fazendo mais e melhor”, afirma.
Pierini já era um dos doadores patronos (maior categoria de doadores, ocupada por aqueles que doaram a partir de R$ 1,5 milhão) do Amigos da Poli, o fundo de endowment da faculdade. Neste mês, decidiu dar um passo maior, com a doação de US$ 1 milhão (o equivalente a cerca de R$ 5,8 milhões, na cotação atual), criando uma nova categoria, que chamou de doador “visionário”.
O objetivo da doação milionária é dar o passo inicial em um levantamento de fundos que pretende arrecadar R$ 165 milhões. A ideia foi inspirada em um fundraising feito pelo instituto americano em 2017, o “MIT For a Better World”, que arrecadou mais de US$ 6 milhões para uma série de projetos que visam a colocar os engenheiros e as tecnologias do instituto à serviço de demandas da sociedade.
“No lugar de ser um instituto que só olha para o umbigo, tentando fabricar prêmios Nobel sem levar em conta qual o impacto, se reformou o MIT para se concentrar em usar a tecnologia em favor da sociedade”, afirma.
Todo o valor arrecadado será usado para o programa uspiano de pesquisa e desenvolvimento que tem seis áreas transversais, que unem os diferentes departamentos da Poli:
- Engenharia para vida e mitigação do aquecimento global
- Energias renováveis e transição energética
- Mobilidade e cidades inteligentes
- Infraestrutura sustentável e resiliente
- Transformação Digital e Indústria 4.0
- Engenharia da educação/ciência da aprendizagem
Os projetos envolvem alunos da graduação e pós, professores e empresas. “Não vamos fazer tecnologia pelo fato de fazer tecnologia, para fazer um artigo que será elogiado mundialmente. Vamos fazer tecnologia para uma sociedade melhor”, ressalta Pierini, responsável por fazer a conexão entre o projeto americano com o brasileiro.
‘Cultura se cria pelo exemplo’
Pierini é hoje presidente do conselho da Amigos da Poli e conselheiro de outras entidades. Para ele, é fundamental entender a história da organização para a qual se doa e como será a aplicação do dinheiro.
“Não dou o dinheiro, viro as costas e vou embora”, afirma. “É muito mais que doar. É doar, acompanhar, guiar, direcionar.”
E, na opinião dele, a solução para consolidar a cultura de doações no Brasil é disseminar as boas práticas.
“A cultura se cria pelo exemplo. As sociedades acontecem por imitação. Às vezes, falta gente que toma iniciativa, por isso quis tomar”, completa.
Por esse motivo, a sua mais recente doação, de US$ 1 milhão que anunciou para o fundo do Amigos da Poli, funciona em um modelo diferente. “Metade se coloca imediatamente, e a outra metade se coloca à medida que os demais doadores colocam também”, explica.
Como doar também?
É possível doar valores únicos ou mensais (sem valor mínimo) para o Amigos da Poli, o fundo de endowment da Escola Politécnica, por meio do site ou entrando em contato diretamente com o fundo (contato@amigosdapoli.com.br), que aceita também doações de fora do País.
Doações não financeiras são avaliadas pelo Conselho Fiscal da entidade a fim de garantir transparência na origem dos recursos. Para doar especificamente para o projeto “Poli por Brasil melhor”, deve-se entrar em contato com o Amigos da Poli.
Outras unidades da USP também têm seus próprios fundos, como as faculdades de Direito São Francisco, a de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), a de Medicina e o câmpus da USP São Carlos.
É possível também doar para o Fundo Patrimonial da USP, que destina os rendimentos a iniciativas para o fortalecimento da sustentabilidade financeira da universidade como um todo e da qualidade do ensino e da pesquisa. Além de dinheiro, o fundo aceita imóveis, via testamento, carros, joias, obras de arte e itens de valor cultural e histórico, como livros, manuscritos, instrumentos musicais, entre outros.
O Fundo Patrimonial da USP tem ainda um “subfundo”, o USP Diversa, específico para concessão de bolsas de permanência estudantil a alunos egressos do ensino público e PPI (Preto, Pardos e Indígenas) em situação de vulnerabilidade socioeconômica. É possível doar especificamente para esta finalidade.
Pessoas físicas e jurídicas podem fazer doações para ações gerais ou para propósitos específicos, como programas de acolhimento e de permanência estudantil e atividades acadêmicas complementares.
Não é só a USP que tem mecanismos desse tipo. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) possui um Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil em que é possível verificar os fundos que destinam doações a diversas universidades brasileiras.
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