Enem tem questões sobre racismo, ditadura, Simone Biles e Israel; veja temas

Estudantes também tiveram de responder a itens sobre igualdade de gênero e protestos de torcedores contra cantos preconceituosos em estádios

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

O primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, realizado neste domingo, 5, em todo o Brasil, teve questões que abordaram desde a perpetuação do racismo na sociedade brasileira até o desmatamento na Amazônia. Os estudantes também tiveram de responder a itens que mencionavam a criação do Estado de Israel, ditadura militar, igualdade de gênero, a ginasta Simone Biles e protestos da torcida do Fluminense contra cantos preconceituosos.

Neste domingo, além das provas de Linguagens e Ciências Humanas, com 45 questões cada, foi aplicada ainda a redação do Enem, que teve como tema os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Os exames começaram a ser aplicados às 13h30 e o horário limite para conclusão é às 19h. A segunda parte da prova, com questões de Ciências da Natureza e Matemática, acontece no próximo domingo.

Torcedor do Fluminense chega na Universidade Veiga de Almeida, no Rio, para realização da prova neste domingo Foto: PEDRO KIRILOS

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Na avaliação de professores de cursinho, o exame apresentou nível médio, com questões carregadas de textos interpretativos e, por vezes, extensos. “Foi uma prova com temas bem progressistas, que abordavam principalmente temas de engajamento social”, afirma Caê Lavor, diretor de Avaliações no SAS Educação. “Vários temas associados à equidade de gênero serviram como contexto na prova.”

Segundo ele, um destaque na edição deste ano foi que vários enunciados usaram referências consideradas atuais. “Isso tornou a linguagem de alguns enunciados muito mais acessível, permitindo esse aluno se conectar com a informação. Porém, isso exigiu do aluno habilidades diferentes. Ele precisou ter muito mais senso crítico e muito mais consciência social”, diz o professor.

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Um dos destaques da prova foi uma questão sobre os problemas de saúde mental externados pela ginasta Simone Biles, que recentemente foi destaque no Campeonato Mundial de Ginástica Artística após passar dois anos sem competir. Houve também uma questão que abordou Torto Arado, livro do escritor Itamar Vieira Jr. que foi sucesso de vendas no ano passado. Além de itens com menção às escritoras Conceição Evaristo, autora de Olhos D’Água, e Jarid Arraes, que escreveu Corpo Desfeito.

“Dos autores clássicos encontramos questões falando diretamente de Guimarães Rosa, questões com citações a respeito de Machado de Assis e muitos aspectos interessantes relacionados às tendências contemporâneas”, diz Marcelo Batista, professor de Linguagens do Bernoulli Educação. Ele afirma que, na prova deste ano, tópicos gramaticais foram pouco abordados nas questões.

“A prova trabalhou pontos como violência de gênero e violência racial, além de trabalhar todas as questões que envolvem as invisibilidades de vários grupos identitários”, diz Natanael Soares de Barros, coordenador pedagógico do Poliedro. Ele cita que uma das questões, por exemplo, aborda o reconhecimento do trabalho da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, que projetou o Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Outra questão abordou o protesto realizado por torcedores do Fluminense, clube que foi campeão da Libertadores da América neste sábado, 4, contra cantos preconceituosos direcionados a torcidas rivais. A palavra abordada é “mulambo”, termo de origem angolana que significa roupa esfarrapada e costuma ser usado para tentar diminuir alguém.

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“Na própria reflexão que o enunciado faz, existe uma conotação de tradição elitista para poder xingar, chamar, ofender as pessoas em situação de escravidão”, diz Barros, que destaca as origens racistas do termo. “Por outro lado, existe um destaque para esse grupo do Fluminense que, enxergando a conotação preconceituosa, quer descaracterizar isso.”

Candidatos chegam para o primeiro dia do Enem 2023 em universidade na zona sul de São Paulo Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

Um dos textos, além disso, rememorou a Declaração de Balfour, carta de 1917 em que britânicos se comprometeram a criar um território para Israel e que pode ser considerada como um marco que antecedeu a criação do Estado israelense. O tema está em alta por conta da Guerra Israel-Hamas, mas, segundo professores de cursinho, foi tratado de forma objetiva.

“É um documento importante no processo que vai levar à construção do Estado de Israel na região da Palestina. A prova do Enem não é uma prova que costuma cobrar temas que estão em alta, mas desta vez cobrou”, afirma João Jacomelli, professor de História do Colégio Curso AZ, que também destacou o retorno do tema da ditadura militar. “Foram muitas questões de interpretação de texto e interdisciplinares, e poucas questões conteudistas.”

Sobre o regime militar, foram duas questões presentes na prova de Ciências Humanas, segundo professores de cursinho. Uma primeira relacionada ao processo de sindicalização rural e outra que abordava instrumentos de repressão presentes no período. Especialistas avaliaram como positivo o retorno do tema ao maior exame do País.

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“Na prova de Filosofia, chamou atenção a questão que tratava de Paulo Freire e falava da formação da consciência sociopolítica; a questão que tratava do existencialismo com um texto de Gabriel Garcia Marquez e outro do Jean-Paul Sartre, abordando Foucault e pensando as questões da elaboração judicial como forma de penalidades”, afirma Breno Carlos da Silva, professor de Filosofia e Sociologia da Escola SEB Lafaiete.

O professor destacou ainda a presença de um item sobre perda de direitos das mulheres afegãs após o avanço recente do Telaban, grupo extremista que retomou o controle do Afeganistão em 2021 e, desde então, promove uma escalada de violência no país. Segundo Silva, foram sete questões abordando a temática das violências de gênero na prova, quatro de Sociologia e três interdisciplinares com a História.

Houve também espaço para itens relacionados à Amazônia. “A prova contou com muitas perguntas sobre questões ambientais, mudança climática e desmatamento da Amazônia”, diz Althieres Lima, professor de Geografia da Escola SEB Lafaiete. “Das questões que já esperávamos, teve uma sobre, fome pois o Brasil apareceu no mapa da fome o ano passado (...) Destaco ainda uma questão sobre a aproximação entre Mercosul e União Europeia, a gente já esperava alguma coisa sobre isso.”

O Enem está sendo feito apenas presencialmente neste ano. Em março, o Ministério da Educação decidiu acabar com o formato digital do Enem, criado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2020 em meio à pandemia. Segundo o MEC, poucos estudantes optaram nos últimos anos pela avaliação feita pelo computador, que tem alto custo.

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Na cidade de São Paulo, o primeiro dia de aplicação da prova está marcado pelos impactos do temporal e da falta de energia em parte do Estado e problemas na alocação de participantes longe de casa. Parte dos candidatos acordou cedo para cruzar a cidade até o local de prova, com relatos de deslocamentos de até mais de 1h30 na capital paulista.

Mais de 3,9 milhões de candidatos participam neste domingo do Enem. A prova está sendo aplicada em 132 mil salas de aulas de 1.750 municípios de todo o País. No próximo dia 12, os participantes fazem as avaliações de Ciências da Natureza (45 questões) e Matemática (45 questões). A aplicação terá 5 horas de duração, contadas a partir da autorização do chefe de sala para o início das provas.

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