Enem tem questões com ‘Game of Thrones’, cultura do cancelamento e capitalismo

Temas atuais foram abordados no 1º dia de exame, que tem itens de Linguagens e Ciências Humanas, além da Redação; itens que tratavam do agronegócio causaram polêmica em 2023

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Por Isabela Moya, Lívia Batista e Thais Matos
Atualização:

A crise climática foi um dos principais assuntos que apareceram nas questões da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 neste domingo, 3, quando os alunos responderam a questões de Ciências Humanas e Linguagens.

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Entre as referências culturais, apareceram o grupo de rap Racionais MC’s, a série americana Game of Thrones, a escola de samba do Rio Mangueira e novelas da Globo. Houve também um item que falava sobre a cultura do cancelamento.

Outra pergunta trazia um texto com críticas ao capitalismo - tema que motivou polêmica na edição anterior. Na época, perguntas sobre competitividade e outro sobre o agronegócio fizeram economistas e parlamentares acusaram o Enem de “viés ideológico”, o que foi negado pela organização (leia mais abaixo).

Na avaliação dos professores de cursinhos pré-vestibulares ouvidos pelo Estadão, houve número grande de textos que acompanhavam as questões, e poucas ilustrações (é comum o uso de fotografias, pinturas e charges, por exemplo. Eles também destacaram a variedade de abordagens de temas ligados a Sociologia e Filosofia.

Já a redação trouxe a proposta de discutir a valorização da herança africana no Brasil. Cerca de 4,3 milhões de candidatos se inscreveram a prova e a taxa de ausentes foi de 26,6%, menor do que o índice registrado na edição anterior (28,1%). No País, 4.999 participantes foram eliminados, mas o governo diz que não houve intercorrência graves.

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Para o coordenador do pedagógico do Colégio Bernoulli, Vinicius Costa, o Enem reforça um perfil multidisciplinar e com predomínio de “temas sociais, onde as áreas vão se aprofundando na discussão sem necessariamente o conteúdo específico de cada área se destacar”.

A série Game of Thrones, da HBO, apareceu em uma questão da prova de Linguagens sobre características do gênero de resenha crítica.

Outro item do teste de Linguagens, da opção Espanhol, trazia um texto (El vírus de la cancelación, da Revista Anfíbia) que discute as características e problemas da chamada cultura do cancelamento, que envolve deslegitimar pessoas ou organizações no debate público.

Em outra questão, havia um trecho de uma música dos Racionais. “O álbum da banda “Sobrevivendo no Inferno” já foi cobrado como leitura obrigatória no vestibular da Unicamp e traz um rap muito significativo para discutir as mazelas da sociedade e com olhar bem crítico, para que o estudante analise para além do rap”, diz Rodrigo Magalhães, professor de Geografia da Plataforma AZ.

Um dos episódios citados foi o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015. “A questão apresentou um recorte cultural, destacando que, em tragédias como essa, as perdas são maiores do que os bens materiais. O candidato tinha de refletir sobre os vínculos de pertencimento que caracterizam os espaços sociais”, diz Lígia Albuquerque, coordenadora e professora de Filosofia e Sociologia do Elite Rede de Ensino.

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A questão traz também a perspectiva do quanto um acidente dessa natureza destrói a historia de varias comunidades, e os impactos ao sentido de pertencimento dos grupos atingidos, destaca o consultor pedagógico do SAS Educação, Paulo Fernandes.

Impacto da destruição da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), foi tema da prova do Enem 2024 Foto: Márcio Fernandes/Estadão

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“Sobre a crise climática, havia duas questões que direcionaram para isso. A primeira envolve a mudança do clima nas cidades brasileiras e os alunos tinham de fazer a relação com a implantação de parques públicos, pois a arborização nestes parques ajuda a minimizar os problemas relacionados à mudança do microclima urbano”, diz a professora de Geografia do Elite Rede de Ensino, Juliana Przybysz.

“A segunda está relacionada ao desmatamento da Amazônia e a intensidade de chuvas, já que o corte das árvores diminui a evapotranspiração e, consequentemente, a formação de chuvas”, acrescenta.

Outra questão da prova trazia a importância do envolvimento do Brasil na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP) e como a resposta brasileira à agenda ambiental tem sido impulsionada por cobranças internacionais e da sociedade civil. “O aluno tinha de fazer uma análise levando em consideração a importância do Brasil no combate às mudanças climáticas e quem cobrou o País a se manifestar”, continua Juliana.

A questão falava também sobre a participação do empresariado brasileiro, de vários setores diferentes - serviços, transportes, agronegócio - que se envolveram com a COP e anunciaram planos de cortar emissões de gases de efeito estufa.

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Já outra questão da prova de Ciências Humanas trazia uma visão crítica ao capitalismo. No item 90 da prova azul, um trecho de um texto da obra A instituição imaginária da sociedade, do filósofo Cornelius Castoriadis.

O enunciado cobrava do candidato a resposta que apresentava uma contradição interna do capitalismo apresentada pelo texto. A alternativa correta, segundo gabaritos extraoficiais, era o item C (na prova azul), que citava “a alienação decorrente da organização do trabalho”.

Questões sobre agronegócio e capitalismo geraram polêmica em 2023

No ano passado, economistas criticaram duas questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que abordam o agronegócio e a competitividade econômica. Uma delas tinha um texto que dizia que, no Cerrado, o “conhecimento local” está subordinado “à lógica do agronegócio” e que o “capital impõe conhecimentos biotecnológicos” que trazem consequências negativas para a população do campo. Em outra questão, relaciona-se a competitividade na economia à pratica de dumping.

Em reação, a Frente Parlamente do Agronegócio chegou a pedir a anulação de questões da prova e pediu a convocação de representantes do Ministério da Educação (MEC) para dar explicações no Congresso.

O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais (Inep), órgão da pasta responsável pelo exame, negou “viés ideológico” na formulação da prova. Disse também que os itens haviam sido elaborados em gestões anteriores.

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