As ferramentas de inteligência artificial (IA) generativa, como o ChatGPT, têm alterado as rotinas escolares. Para evitar o mau uso, os professores decidiram levar a tecnologia para a sala de aula para que os alunos possam explorar suas potencialidades e entendê-la mais na prática.
No Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, por exemplo, os alunos do ensino médio receberam a tarefa de produzir uma redação, nos moldes do Enem, 100% por meio da IA. Os estudantes não poderiam escrever nenhuma palavra autoral. Em seguida, o docente corrigiu as produções em sala de aula, e o resultado foi que a maioria dos alunos obteve nota mediana, pois os textos apresentavam inconsistência de informação e faltava fluidez.
Apenas uma aluna se destacou. “Ela sabia o que queria e orientou bem a IA, e este é o cerne do que a gente acredita. Quando a ferramenta é usada para ajudar o aluno a aprofundar um conhecimento, o resultado é incrível, mas quando se usa para terceirizar, é péssimo. Um bom resultado depende de um bom comando”, afirma o professor Lucas Chao.
Na escola, a IA perpassa várias disciplinas. A instituição tem incentivado os professores a promoverem atividades que estimulem o uso dessa tecnologia, mas garantindo que não atribuam os resultados como algo autoral. “Nós geramos um manual que funciona como guia de utilização de IA generativa”, diz Chao.
Para o professor, é fundamental que esses sistemas sejam incorporados ao ambiente escolar, até para preparar os alunos para as oportunidades do mundo do trabalho. Mas é necessário lembrar que o vestibular, por exemplo, funciona como uma prova clássica. “Hoje trabalhamos com um consenso de que essas ferramentas são importantes e vieram para ficar. Se existe um futuro melhor, é por meio da conscientização, de um uso crítico. Trazemos essas tecnologias para a sala de aula, mas temos os momentos de avaliação tradicional com papel e caneta. São os dois mundos.”
Utilizar declaradamente
Autonomia e responsabilidade também estão entre os lemas do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. A instituição criou uma comissão com os estudantes para discutir e decidir como trazer a tecnologia para a rotina. Uma das resoluções foi a de não proibir o uso do ChatGPT, desde que seja declarado.
“O que eu não posso é entregar um conteúdo que eu usei IA para produzir algo e dizer que foi 100% meu. Não é competição entre homem e máquina, é uma junção”, afirma Verônica Cannatá, coordenadora de tecnologia educacional.
“Eu posso usar recursos de IA como ponto de partida. O que a gente não quer é o uso às cegas: o aluno vai lá, faz uma redação, o professor não percebe e atribui nota. Na hora do vestibular, não vai dar pra fazer uma redação usando o ChatGPT.”
O Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), uma organização sem fins lucrativos que promove a cultura de inovação na educação pública, publicou uma nota técnica em junho que trata das novas aplicações e tendências.
O centro sugere que o ensino nas escolas parta de dois eixos: o de pensar com a IA e o de pensar sobre a IA. O primeiro caso consiste em usar a tecnologia “para resolver problemas e integrá-la às práticas educativas”. “Assim, ela não substitui estudos tradicionais, mas os complementa.” Já pensar sobre a IA inclui estudar as interfaces que envolvem essas tecnologias, como dados, algoritmos e modelos.
Entendemos que, se o aluno ler o que a IA produzir, é um ganho. Se fizer leitura crítica, o ganho é maior. Se, por fim, ele avaliar e usar parte do que faz sentido na resposta, está de fato fazendo o uso adequado da ferramenta
Lucas Chao, professor do Liceu
Iniciação científica
No Dante, a IA já faz parte do ambiente escolar desde 2018 como disciplina eletiva. Em 2023, o tema se tornou um dos eixos do currículo de letramento digital e também é explorado em projetos do núcleo de pré-iniciação científica. É o caso de Clara Szylewicz Chabelmann, de 15 anos, e Felipe Cruz Monteiro de Barros, de 17 anos. Clara e a colega Carolina Agostini Rocchiccioli, ambas do 1.º ano do ensino médio, estão desenvolvendo uma pulseira que ajudará a detectar sinais de sonambulismo, evitando que pessoas se acidentem.
Embora esteja animada com potencialidades proporcionadas pela tecnologia em seu projeto, Clara diz que foi fundamental a abordagem da escola sobre seu uso indevido, como a criação de deep fake (amálgama de imagens). “A IA veio para sacudir e mostrar que a gente precisa ter ética.”
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Já Felipe criou um chatbot que responde perguntas sobre conteúdos que os adolescentes estão estudando na escola, com base em informações reais que foram discutidas em sala. “Fiz uma prova de conceito em uma escala pequena, mas funcionou. Acho que a IA é um recurso para ajudar a chegar onde a gente quer, mas é incapaz de competir com um trabalho humano bem feito.”
Formação humana e desigualdades
Verônica Cannatá defende que as discussões em torno do uso da IA se tornem políticas públicas e não fiquem restritas ao universo das redes particulares de ensino. “Ignorar a IA é deixar seu aluno em uma área de analfabetismo tecnológico. A IA não está revolucionando a escola, está revolucionando o mundo.”
Pelo fato de as crianças das escolas particulares terem mais acesso a computadores e conexão com mais qualidade, Paulo Blikstein, professor da Universidade de Columbia, e diretor do Transformative Learning Technologies Lab (TLTL), teme que a IA aumente a desigualdade entre alunos pobres e ricos.
“A tecnologia não determina nova forma de ensinar ou aprender, ela se adapta aos sistemas que já existem. Se há um sistema tradicional, sem o incentivo a pensar, a tecnologia se adapta a isso e teremos um usuário passivo de IA pedindo informações e pesquisando, mas não criando coisas. Por reafirmar os sistemas, a ferramenta pode produzir distorções terríveis.”
Outro ponto levantado pelo pesquisador é a importância do investimento em formação humana. “O que geralmente se faz é investir muito dinheiro em softwares, aplicativos e computadores e pouco ou quase nada em formação de professores para lidar com isso. O que muda a educação não é a tecnologia, são as pessoas que usam a tecnologia.”
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