O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai acabar com o programa federal de escolas cívico-militares criado em 2019. Especialistas em educação elogiaram a decisão, sob os argumentos de que o modelo é caro e não tem uma proposta pedagógica capaz de responder aos principais desafios da educação hoje. Já entre famílias dos alunos, há frustração e receio de que a mudança resulte em maior indisciplina ou insegurança.
As escolas cívico-militares têm a administração compartilhada entre militares e civis. São diferentes dos colégios militares, mantidos com verbas do Ministério da Defesa ou da Polícia Militar local e com autonomia para montar currículo e estrutura pedagógica.
Criado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o programa do Ministério da Educação (MEC) tem 202 escolas, com aproximadamente 120 mil alunos. As unidades não serão fechadas, mas reintegradas à rede regular de ensino.
Os Estados não estão proibidos de manter o modelo e podem manter o formato por conta própria. Santa Catarina e Paraná já sinalizaram essa intenção. “Havia fake news de que o militar intervia na parte pedagógica, mas isso não acontece. O militar tem caráter de organizar a entrada e saída de estudantes, o recreio, formar filas. O professor é autônomo na sala de aula”, diz o secretário do Paraná, Roni Miranda.
Já para Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, os colégios cívico-militares não reproduzem os benefícios das unidades militares, ligadas ao Ministério da Defesa. “Escolas militares têm professores muito mais bem pagos, são em tempo integral, atendem à família militar e a jovens que passam por processo seletivo restrito e demandante. Com isso, conseguem uma qualidade importante”, diz.
“Embora muitos achem que a disciplina é o elemento mais importante na escola, não se constrói educação de qualidade simplesmente respeitando normas militares”, afirma Claudia, ex-diretora de Educação do Banco Mundial. “Em tempo de 4ª Revolução Industrial, em que robôs substituem postos de trabalho, robotizar alunos não nos leva a lugar nenhum.”
O Movimento Todos pela Educação também apoiou a medida. “O modelo militarizado de escolas deveria ser restrito às escolas das Forças Armadas, para jovens que desejam esse tipo de formação e carreira, com militares que tiveram formação no campo educacional”, diz, em nota. Para a entidade, o programa mostrava “visão distorcida” das prioridades na área, que deveriam ser implementação do novo ensino médio, ampliação do ensino em tempo integral e o combate à evasão e às desigualdades.
‘A questão é a disciplina. Foi visível a mudança’
Com dois sobrinhos na Escola Municipal Professor Lafayette Rodrigues Pereira, em Taubaté, Eduardo Elias Santos não gostou da notícia. “A questão é a disciplina. Foi visível a mudança deles depois que a escola passou a ser colégio militar. Passaram a ser mais aplicados, mais respeitosos com a família”, disse o tio, que é responsável pelas crianças, de 9 e 11 anos.
Na opinião dele, a diferença na aprendizagem não deve ser um problema, mas há outros fatores. “Hoje eles fazem muito esporte que antes não tinha tanto”, relata o técnico de enfermagem.
Em 2021, o Estadão visitou a escola em Taubaté para mostrar a rotina de professores e alunos. Veja:
Mãe de uma aluna e membro do Conselho Gestor da Escola Jorge Bierrenbach Senra, de São Vicente, no litoral paulista, Carol Porto acredita que a escola vai perder. “Quem conheceu o Bierrenbach de antes e a de hoje percebe a diferença. Os alunos indisciplinados, que não tinham respeito, ou mudaram ou tiveram que sair”, diz.
“Algumas verbas ficaram paradas e não chegaram, mas as que vieram foram bem usadas. Conseguimos uma quadra e verba para fazer a cobertura dela. Uma pena que vai acabar, pois já havia verba destinada para climatizar as salas e fazer uma reforma”, continua.
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