A aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2019 custará R$ 500 milhões, segundo o Ministério da Educação (MEC). Além da impressão, há a logística de distribuição e recolhimento das provas pelo País. Essa realidade começa a mudar em 2020, com a aplicação do exame digital para 50 mil alunos. A cada ano, o número de estudantes aumentará, até a aplicação do modelo digital para todos em 2026.
Mudanças exigem tempo de adaptação, e os colégios de São Paulo já estão pensando na preparação dos alunos para essa nova prova, usando recursos tecnológicos aliados ao conteúdo tradicional. Tecnologias como lousas digitais interativas, salas de informática de última geração e laboratórios equipados se tornaram comuns em escolas privadas.
“Há décadas, o Objetivo é adepto do uso do digital em seu ensino e, portanto, a mudança do Enem estará inserindo o aluno em uma prática que ele já vivencia”, diz Vera Antunes, coordenadora pedagógica do colégio.
O Objetivo possui sala de robótica, rádio e TV, e os estudantes têm acesso a conteúdos e tarefas diárias online.
O Colégio Rio Branco também usa sistemas online tanto para estudo quanto em exames.
“Uma boa formação pressupõe o preparo para diferentes desafios. Além do uso de plataformas digitais para o trabalho dos alunos do fundamental e do médio, a prática com provas digitais também favorece os estudantes”, diz Ana Carolina Carmo Han, coordenadora de Projetos e do Pré-universitário da instituição.
No 3.º ano do médio, a escola trabalha com a plataforma Ari de Sá (SAS), que dá suporte digital ao aluno por meio de navegação personalizada, com base em seus resultados em simulados. Além disso, a escola trabalha com inteligência de dados com a plataforma Eduqo, para a geração de informações que possam ser usadas posteriormente.
“O Enem digital segue uma tendência mundial. O SAT (Estados Unidos) e o Gaokao (China), grandes exames de admissão no ensino superior, já usam esse formato, além do impresso”, afirma Ademar Celedônio, diretor de Ensino e Inovações Educacionais do SAS, que oferece a cerca de 780 escolas a ferramenta Tarefa On-line, com questões de todas as disciplinas. “O formato digital é mais facilmente absorvido pelos jovens do século 21, por causa da forte inserção de telas nessa geração”, diz.
Desafios
Para a coordenadora do Rio Branco, diante dos desafios da Base Nacional Comum Curricular e da reforma do ensino médio, saber o que será do Enem a partir dessas novas diretrizes é o que tem mais relevância.
“O Enem digital não significa necessariamente a ruptura com outras formas de avaliação, e implicações pedagógicas precisam ser consideradas com critério. Esse é um tipo de avaliação, com um suporte de mídia digital. Atualmente, tem se percebido novas e diferentes formas de avaliar candidatos ao ensino superior, indo além de provas de múltipla escolha.”
Giba Alvarez, diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber, lembra que a tecnologia é o meio, e não o fim. E completa: “Além disso, deve-se respeitar as especificidades. As metodologias para online são diferentes das presenciais. Gravar uma aula e pôr na rede não resolve porque desrespeita o estudante. Se mudar o formato da aula, necessariamente terá de mudar a metodologia”.
Ele defende processos híbridos, com uso de tecnologia para atingir os objetivos estabelecidos no planejamento de aula, complementando explicações presenciais.
“Os recursos tecnológicos chegaram para ficar. O importante é usá-los da melhor forma possível”, diz. “Essas tecnologias ajudam, e muito, como complemento das atividades presenciais. Diminuem custos e possibilitam o atendimento de várias pessoas ao mesmo tempo.”
O Colégio Palmares também trabalha com os dois juntos.
“O Palmares trata essa mudança de forma gradativa, inserindo a tecnologia no dia a dia com pequenas avaliações digitais, sem deixar de lado o modo tradicional do papel”, afirma Edson D’Addio, diretor do Colégio Palmares, lembrando que a escola não capacita o aluno para fazer um exame específico, e sim para todas as formas possíveis de avaliação.
“Hoje treinamos com simulados impressos, grifando os textos e realizando cálculos, marcações e anotações na própria prova, o que será inviável no novo modelo”, acredita David Nusbaum, aluno do 3.º ano do ensino médio do Colégio Poliedro. “O Enem já é uma prova cansativa, com muitos textos longos, o que exige uma grande capacidade de concentração e foco do candidato. Executar essas tarefas em uma tela de computador torna a prova mais cansativa ainda”, afirma o jovem.
O coordenador do Poliedro Campinas, Vitor Ricci, lembra que essa cultura digital ainda tem de ser criada, mesmo que os jovens tenham um contato frequente com a tecnologia em casa ou na escola - no Poliedro, por exemplo, desde o fundamental o aluno já tem contato com o tablet.
“Considerando que os alunos estão treinados desde o fundamental até o pré-vestibular para fazer uma prova no papel, que é um jeito totalmente diferente do que no computador, tudo isso precisa ser muito bem pensado. Temos de entender como vai funcionar. Só assim vamos trazer essa realidade para os alunos.”
Segundo Ricci, a perspectiva do exame digital causou certo receio nos alunos, ainda mais por ele abrir várias oportunidades pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que leva em conta as notas do Enem para o ingresso em universidades de todo o País.
“Porque é algo novo e também por eles não saberem se tudo vai correr bem durante prova, se não terão nenhum tipo de problema com o computador, com a rede”, conta. “Tudo isso causa insegurança em uma situação na qual eles já estão nervosos com os vestibulares, com o resultado de uma prova que tem um peso muito grande para eles ao longo do ano.”
Interatividade
Conexão estável e disponibilidade de computadores em larga escala para a realização do Enem digital são outros desafios a serem enfrentados, de acordo com os entrevistados. Em contrapartida, a tecnologia promove práticas sustentáveis e abre novas possibilidades nas questões.
“A longo prazo, o Enem digital é uma excelente proposta, pois representará uma economia nas impressões da prova e maior interatividade durante o exame, a partir do uso de recursos audiovisuais”, acredita Vinícius Ramos Tessari, estudante do curso Etapa.
Segundo Marcelo Dias, coordenador do Etapa, o novo modelo do exame terá resultados significativos se as escolas se modernizarem em termos de tecnologia e formação de professores.
“Há a possibilidade de customização do exame de acordo com a área de formação do estudante e ainda é possível tornar a prova mais moderna a partir do uso de recursos como vídeos, infográficos animados, gamificação e inteligência artificial, por exemplo. Essas ferramentas poderão enriquecer os enunciados da prova”, afirma.
ENTENDA O QUE ESTÁ PREVISTO
O piloto do Enem digital tem sua primeira aplicação prevista para 2020. Apenas 50 mil pessoas, residentes do Distrito Federal e de 14 capitais - entre elas, São Paulo e Rio de Janeiro -, vão fazer o exame na nova modalidade já no próximo ano.
Inscrição
Os participantes terão a opção de escolher entre o formato digital e a prova tradicional. Por ordem de inscrição, as 50 mil pessoas que optarem pela prova online serão selecionadas. As demais farão o exame em papel.
Exame
Segundo o MEC, os participantes realizarão os cadernos de disciplinas da prova e a redação online em uma plataforma criada pelo Inep. A prova digital será aplicada só em postos autorizados pelo MEC. O candidato terá de ir até uma escola ou universidade conveniada ao Inep para realizar o Enem no novo formato. Portanto, não será possível fazer as provas com um computador particular. As datas do exame online também serão diferentes: o Enem digital ocorrerá em 11 e 18 de outubro de 2020, enquanto as provas em papel serão realizadas nos dias 1º e 8 de novembro.
Resultado
Com a eliminação dos cartões-resposta e folhas de Redação, toda a prova do candidato estará computadorizada, acelerando a correção.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.