SÃO PAULO - Um estudante do 4º ano de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp), de 24 anos, relatou ter sido vítima de racismo durantea competição esportiva Intermed, entre alunos da medicina, realizada nesta semana.
O aluno afirmou ao Estado que, durante uma das partidas de vôlei feitas em Barretos contra os cursos das Pontifícia Universidade Católica de Sorocaba (PUC Sorocaba) e PUC Campinas, na segunda-feira, 4, recebeu ofensas sobre sua cor. "Eu estava no aquecimento e ouvi alguém dizendo 'olha a sua cor, você é negro, com certeza passou por cotas'", contou. Ele não conseguiu identificar quem o ofendeu. Depois do episódio, o estudante publicou um texto em seu perfil no Facebook narrando o episódio.
Na quarta-feira, 6, em outro jogo, o aluno relatou novo ataque. Um vídeo que circula nas redes sociais mostra uma menina na torcida com um cacho de banana nas mãos, que, de acordo com a vítima, seria uma referência racista. "Começaram a imitar sons de macaco", relatou. Em seguida, gritaram "textão de Facebook", em referência ao fato de o estudante ter denunciado o episódio de racismo no início da semana. A publicação dele teve 1,4 mil curtidas e mais de 200 compartilhamentos.
Alunos de ambas as universidades repudiaram o ato. Em nota, os coletivos Semente e Feminista Maria, Maria, de alunos da PUC, lembraram que este tipo de prática já aconteceu em outros anos e cobraram posicionamento da atlética da Puc Campinas, a Associação Acadêmica Atlética Carlos Osvaldo Teixeira. O Estado ainda não conseguiu contato com a entidade.
Trotes e ações consideradas racistas já foram relatadas por alunos de universidades paulistas em outros anos. Em abril de 2015, por exemplo, a PUC Campinas abriu sindicância para investigar um episódio no curso de Direito. Em uma discussão na internet, um estudante negro foi alvo de uma montagem com a frase "a tocha da Klu Klux Klan (KKK, a seita racista americana) chega a tremer" depois de sair em defesa de uma colega. Em outra imagem, uma mulher negra posa para uma foto ao lado de três pessoas vestidas de membros da KKK, com a frase "nego perdeu a noção do perigo. Em março, calouros foram recebidos na Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com roupas semelhantes à da KKK, embora os responsáveis neguem e digam que a fantasia era de "carrascos".
A reportagem tentou contato na quinta-feira, 7, com ambas as PUC de São Paulo, Campinas e Sorocaba, mas ainda não obteve retorno.
CPI. Instaurada em 2014, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trote apurou uma série de violação de direitos humanos em universidades paulistas. A maioria das denúncias vinham de cursos de Medicina. Além de trotes com ingestão de fezes, castigos físicos e humilhações, o relatório final da CPI apontou que, mesmo depois do período inicial do curso, práticas violentas continuavam a acontecer entre os alunos. A CPI recomendou que alunos com histórico "trotista" não pudessem participar de concurso público.
Leia o relato completo do estudante:
Depois de cinco anos na treinando na Atlética da Faculdade de Medicina da USP eu finalmente tive a chance de jogar pela primeira vez pela faculdade na competição mais importante do ano. Por mais que a torcida da minha faculdade se esforce e consiga abafar os gritos de ódio da torcida adversária, algumas coisas ainda passam. Primeiro foi o jogo contra a faculdade de medicina da PUC Sorocaba, já no aquecimento começou: olha a sua cor, você é negro, com certeza passou por cotas né. Depois veio a PUC-Campinas: preto, negro, você é um lixo, seu preto. Na minha cabeça eu tentava me forçar para imaginar que na verdade eles estavam gritando Pedro, e não preto, mas na realidade eu sabia muito bem o que estavam gritando para mim. Isso não é esporte, isso não é certo, isso é inaceitável. Por mais que vitória nesses dois jogos tenham trazido algum relento, fica difícil esquecer. Vocês não vão me calar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.