Por que voltar a estudar depois dos 50 anos ajuda no envelhecimento saudável?

Especialistas apontam vantagens sociais e cognitivas; presença de alunos mais velhos também traz novos desafios e oportunidades para as instituições de ensino

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Atualização:

Desde a aposentadoria, há mais de uma década, Theresa Guedes, de 68 anos, se dedicou com mais intensidade às leituras, hábito que sempre cultivou. Participou de cursos e oficinas de contos, estudou Literatura e História da Arte, e tentou voltar a pintar. “Tudo isso fiz sem muita regularidade e disciplina, à mercê do tempo disponível”, comenta.

Vestibular UnB 60+ é voltado exclusivamente para idosos Foto: Luis Gustavo Prado

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Quando suas filhas mandaram o link do edital Vestibular 60+ da Universidade de Brasília (UnB), onde elas estudavam, viu uma oportunidade única de ter um estudo regular, em uma instituição de excelência. Theresa entrou na universidade por meio desse programa – desde 2023, a UnB realiza um processo seletivo para preencher vagas extraordinárias destinadas às pessoas idosas nas graduações.

“Projetos como esse são um grande estímulo aos idosos, resgatando a autoestima e provando que ainda temos muito a aprender, conhecer e contribuir, em uma sociedade mais justa e igualitária, que enxergue todos como indivíduos completos”, afirma ela.

Theresa Guedes, 68 anos, estuda na Universidade de Brasília. Foto: Acervo Pessoal

Diêgo Madureira, decano da UnB, descreve o programa 60+ como uma iniciativa para promover um envelhecimento saudável e participativo, alinhado com as mudanças demográficas do País. “O programa não só oferece oportunidades educacionais para seniores, mas também enriquece a comunidade acadêmica, permitindo que jovens estudantes se beneficiem da sabedoria e experiência de vida dos seus colegas mais velhos.”

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Enquanto Theresa embarcava em uma nova jornada, Rozimeire Sodré, aos 57 anos, também decidiu investir em si ao retornar aos estudos. Após anos dedicados exclusivamente à criação das filhas, Rozimeire surpreendeu a todos – e a ela própria – ao ser aprovada no vestibular de Pedagogia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “Achei que não passaria, mas valeu a pena toda minha dedicação”, afirma.

Após anos dedicados exclusivamente à criação das filhas, Rozimeire Sodré investiu em si mesma e foi aprovada em Pedagogia na Uerj. Foto: Rozimeire Sodré/Acervo Pessoal

Em situação similar, Katia Keiko, de 57 anos, optou por uma mudança radical após a morte de sua mãe. Ela havia planejado um ano sabático para descansar e superar o período de luto, mas mudou seus planos ao se deparar com a oportunidade de realizar um sonho antigo: estudar Medicina.

A preparação para o vestibular foi intensa, mesmo com o limitado tempo de estudo diário que sua energia permitia. “É um curso muito concorrido, mas durante o exame, estranhamente, só caíram questões de temas que eu dominava bem.”

Durante a faculdade, Katia enfrentou grandes desafios, como iniciar as aulas de forma remota - durante a pandemia - e ter de se familiarizar completamente com o mundo digital. No entanto, também teve novas experiências, como participar de cirurgias de transplante de fígado e missões médicas na Amazônia e na África.

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Foram nessas missões que Kátia se apaixonou pelo impacto social da Medicina. Estudante da Universidade Anhembi Morumbi, termina a graduação em 2025.

Nº de alunos idosos cresce mais de 50%

Dentro da chamada economia prateada, focada no crescente segmento de consumidores maduros, a educação tem se destacado. Segundo dados do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), há 51,3 mil idosos matriculados em instituições de ensino superior no Brasil, alta de 56% entre 2012 e 2021. Este aumento não é só numérico, mas profundamente significativo em termos sociais e econômicos.

Johannes Doll, professor titular e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que os adultos maduros de hoje têm melhores condições de saúde e vida mais longa, o que os encoraja a buscar novos desafios após a aposentadoria.

“Muitos veem a universidade como uma chance para realizar um sonho antigo ou começar uma nova carreira. A experiência de estudar pode reacender a paixão pelo aprendizado e melhorar significativamente a qualidade de vida.”

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Outro ponto é a importância da aprendizagem contínua para a manutenção das capacidades cognitivas. Segundo ele, o provérbio use it or lose it (use ou perca) aplica-se maravilhosamente ao cérebro. “Estudar em idade avançada é um excelente treinamento mental”, diz.

Além disso, o retorno à universidade amplia os contatos sociais e aumenta a autoestima. “A interação com um ambiente jovem e dinâmico oferece aos idosos uma excelente oportunidade para se sentirem vivos e valorizados.”

Coexistência em sala de aula

Em 2023, o caso de etarismo envolvendo Patrícia Linares, estudante de Biomedicina de 45 anos, em Bauru (SP), ganhou notoriedade. O incidente começou quando três colegas publicaram um vídeo zombando dela por frequentar a sala. “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”, disse uma delas.

O caso ilustra um desafio persistente nas universidades: a coexistência harmônica entre diferentes gerações. “Os mundos, os interesses, os ritmos dos mais jovens e dos mais velhos são diferentes”, afirma Johannes, um especialista em dinâmicas intergeracionais.

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“Essa diferença geracional pode trazer problemas como formação de grupos e exclusão, mas também representa uma oportunidade única de aprendizagem, de absorver as experiências dos outros, expandir horizontes e questionar posições próprias. Isso, no entanto, requer abertura de ambos os lados, dos mais jovens e dos mais velhos”, diz

A inclusão crescente de estudantes seniores nas universidades brasileiras não responde apenas às demandas da chamada economia prateada, mas também reflete a evolução de uma sociedade que vê a educação como alicerce para um envelhecimento ativo e saudável. Segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas com 65 anos ou mais corresponderão a 25,5% da população em 2060.

Diêgo Madureira, decano de ensino de graduação da Universidade de Brasília, destaca que a diversidade etária pode enriquecer inclusive as práticas didático-pedagógicas no ambiente acadêmico. “Cada vez que um professor em sala de aula se vê desafiado a adaptar suas práticas para melhorar o processo de ensino-aprendizagem, há ganho coletivo”, afirma.

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