O corpo e o cérebro trabalham em conjunto no nosso organismo, e o funcionamento é bastante similar. Por exemplo, quando alguém pratica exercícios físicos, está treinando os músculos para que fiquem mais fortes e saudáveis. O mesmo princípio se aplica ao cérebro.
Assim como o corpo pode ser moldado por exercícios específicos como agachamento e supino, há “treinos” para o cérebro que podem retardar o surgimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e demência: o aprendizado de línguas faz parte deles.
Neuroplasticidade
Especialista em neurociência aplicada ao aprendizado e coordenadora acadêmica do Edify Education, Andreia Fernandes afirma que, em primeiro lugar, é preciso pensar no conceito de neuroplasticidade. “O nosso cérebro é plástico. Então, quanto mais eu consigo estimulá-lo, melhor será a manutenção dessa reserva cognitiva. Por quê? Porque as conexões cerebrais que eu formo ao ser bilíngue são mais intensas. Eu tenho dois códigos para falar de um mesmo objeto”, explica.
Um dos exemplos mais comuns para explicar como o cérebro funciona no ensino bilíngue é o da simples palavra “casa”. É possível dizer “casa” em português, mas também falar “house” em inglês. São duas opções de nome para o mesmo objeto. Como consequência, isso dá uma flexibilidade cognitiva maior para o estudante que está aprendendo em mais de um idioma. É um exercício de plasticidade para a pessoa bilíngue, enquanto a monolíngue vai ter apenas uma opção.
“Conforme você vai se estruturando no processo de ser bilíngue, mais você vai exercendo essa neuroplasticidade, e mais essa reserva cognitiva vai ganhando um peso. E a gente sabe que, quanto mais diferentes áreas cerebrais são acionadas, melhor para a nossa saúde mental e melhor para o desenvolvimento saudável das nossas conexões cerebrais. E isso retarda o Alzheimer e a demência”, explica Andreia.
Ela também ressalta que aprender um segundo idioma coloca a memória em prática. “O Alzheimer afeta principalmente a memória de curto prazo até atingir a de longo prazo. Portanto, quanto mais exercitamos a memória, mais retardamos o desenvolvimento do Alzheimer e da demência”, acrescenta.
Regiões do cérebro
O ensino bilíngue tem impactos profundos no desenvolvimento do cérebro ao ativar diversas áreas e promover uma série de benefícios cognitivos. De acordo com Flávio Sekeff Sallem, neurologista supervisor do Hospital Japonês Santa Cruz e membro da American Academy of Neurology, o processo de aprendizado de uma segunda língua faz com que praticamente todas as regiões do cérebro sejam acionadas.
“Uma pessoa bilíngue é estimulada de diversas formas: auditiva, visual e também física, porque quando a gente fala há uma movimentação gestual”, diz Sallem. O lóbulo occipital, responsável pela visão, é ativado durante a leitura e a comunicação visual. O lóbulo parietal, ligado ao tato e à percepção espacial, também é trabalhado. Já o lóbulo temporal, que controla audição, olfato e paladar, é estimulado durante a audição e a fala.
Além das áreas sensoriais, o córtex pré-frontal, que lida com funções executivas, também é altamente beneficiado. “O córtex pré-frontal, a única área cerebral não necessariamente relacionada aos sentidos, é ativado pelas funções executivas, como planejamento, monitoramento, controle inibitório, atenção seletiva, flexibilidade cognitiva e criatividade. Isso está totalmente relacionado ao aprender e falar um segundo idioma”, destaca o especialista.
A formulação de uma frase envolve o uso da criatividade, que é processada pelo córtex pré-frontal. Quando essa atividade ocorre em duas línguas, o estímulo cognitivo é ainda maior, promovendo um desenvolvimento mais robusto da criatividade e, consequentemente, do cérebro como um todo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.