LISBOA- Ao lado da praia da Torre, na linha de trem que liga Lisboa a Cascais, está uma das melhores escolas de negócios da Europa: a Nova School of Business and Economics. Assim mesmo, em inglês – nas cantinas, bibliotecas e corredores da Nova SBE, como é conhecida, ouvem-se poucas conversas em língua portuguesa. Dos professores, 40% são estrangeiros, assim como 68% dos alunos, em sua maioria alemães, – a segunda língua mais falada no câmpus, depois do inglês.
“Queríamos criar uma escola que, mais do que portuguesa, fosse internacional, capaz de colocar os alunos nas melhores empresas da Europa e do mundo”, diz o reitor da Nova SBE, Daniel Traça. O objetivo se cumpriu. A Nova SBE hoje é a 11ª escola do mundo em Finanças e a 15ª em Administração no ranking do jornal britânico Financial Times – que leva em conta principalmente a empregabilidade.
Tal façanha se consolidou nos oito anos do mandato de Traça na reitoria, que se encerra ao final deste ano. Nesta entrevista ao Estadão, ele fala do desafio de criar uma escola de padrão internacional e das oportunidades para brasileiros no mercado de trabalho europeu: “Faltam jovens na Europa, especialmente nas áreas de tecnologia, economia criativa e empreendedorismo”, afirma.
A Nova Business School está muito bem colocada em rankings internacionais. Como vocês conseguiram esse resultado?
Quando se começou essa aventura, antes que eu começasse meu mandato, diziam que era impossível que uma escola portuguesa conseguisse tal desempenho. Tínhamos vontade de fazer uma escola que, sendo em Portugal, não fosse uma escola portuguesa. Tínhamos muita consciência de que era preciso atrair alunos internacionais, professores internacionais, criar uma escola que estando em Portugal, e alavancando a força de Portugal – porque temos lifestyle, qualidade de vida, tudo aquilo que Portugal tem para oferecer – colocasse os alunos nas melhores empresas da Europa. Esta foi a aposta. Internacionalizar – alunos, professores, empresas.
Passeando pela universidade, vi que há várias salas com nomes de empresas, onde funcionam núcleos de inovação patrocinados por essas empresas. Como isso funciona?
Nossos mestrados em Portugal eram para alunos que acabaram a graduação, eram bem preparados, mas não conheciam nada do mundo e nada do mercado. Queríamos levá-los para o mercado. Isso implicava ter muita proximidade com as empresas, realizando projetos conjuntos, de forma que os alunos não apenas aprendessem a teoria, mas aprendessem a fazer. Implicava também muitas competências de “soft skill” - muitos trabalhos de grupo, módulos à volta de liderança, módulos para ajudar os alunos a descobrirem o que é que eles queriam. Já não é só um conhecimento acadêmico, é conhecimento do mercado de trabalho, para o mercado de trabalho, e com as competências que são exigidas. Antigamente os alunos acabavam a graduação, depois chegavam à empresa e a empresa dizia: “Pronto, agora esqueçam tudo o que aprenderam e vamos te ensinar a trabalhar”. Nosso sonho era que nossos alunos chegassem às empresas já sabendo trabalhar.
Isso inclui o incentivo ao empreendedorismo?
Sim. Sabíamos que um tema muito importante para essa geração é o poder para fazer. Eles não queriam ser clientes, queriam ser atores do seu próprio destino. Dizíamos muitas vezes a nossos alunos: “O que faltar na escola, façam acontecer. Queremos que vocês criem aqui dentro.” Portanto, essa dinâmica de muito empreendedorismo com propósito, com ligação ao mercado de trabalho e às empresas, fez com que os alunos viessem, achassem que a Nova era diferente, falassem aos amigos, portugueses e estrangeiros. Assim fomos crescendo. Há 14 anos, quando cheguei, eram 107 alunos no mestrado. Hoje são 1,7 mil.
Qual a porcentagem hoje de alunos portugueses e alunos não portugueses?
Só para ter ideia, há 14 anos havia 107 alunos, como disse, e quatro ou cinco eram estrangeiros. Há cinco anos, havia 600 alunos, e 38% eram estrangeiros. Hoje há 1,7 mil alunos e 68% são estrangeiros. Portanto, esse grande crescimento se deu a partir da grande internacionalização da escola. Isso vale para os professores. Há oito anos, 10% dos professores eram estrangeiros, hoje são 40%.
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Os rankings na área de administração e finanças levam muito em consideração a empregabilidade, que os egressos das faculdades consigam trabalhos que permitam realização pessoal e bons salários. Qual o horizonte dos alunos que saem daqui?
80% dos nossos alunos acabam por trabalhar fora de Portugal, na Alemanha, na Espanha, na Inglaterra, na Suíça. Temos ex-alunos espalhados por Frankfurt, Milão, Nova York, São Paulo. Portanto, a Nova é eminentemente uma escola europeia e uma escola global. Quem vem para cá viaja pelo mundo inteiro sem sair do mesmo lugar.
Grande parte dos alunos vem da Alemanha. Há mais alemães do que portugueses estudando no mestrado da Nova. A Nova emprega muitos alunos na Alemanha?
Do ponto de vista de internacionalização, talvez o país onde mais tenhamos tido sucesso seja mesmo a Alemanha. 37% dos nossos 1,7 mil alunos são alemães. Estamos entre as cinco escolas com mais alunos alemães a fazer mestrado no mundo. Isso é importante porque significa que as grandes empresas alemãs todas – BMW, McKinsey, os bancos alemães – vêm recrutar alunos aqui na Nova para levá-los para a Alemanha ou para levá-los a outras geografias onde também têm negócios. Não teve muito marketing, teve muito passa-palavra, alunos que fazem graduação na Alemanha falam muito de vir para a Nova. E, de fato, a razão de tudo isso tem muito a ver com aquilo que Portugal tem a oferecer hoje como “lifestyle”. Eu diria que é uma das quatro ou cinco cidades mais interessantes para jovens na Europa, com a cena de inovação, com o ecossistema de empreendedorismo, com a praia, com o sol. Mas o que eles dizem é que vêm estudar na Nova porque têm muito mais contato com as empresas, com o mundo real, do que em muitas universidades alemãs que estão presas ao modelo antigo.
O que seria o modelo antigo?
As universidades são, em geral, muito conservadoras. O grande fator do nosso sucesso foi essa nossa cultura, essa disponibilidade para perceber que o mundo está a mudar e que só sobreviverá quem mudar à velocidade do mundo. Há uma frase que gosto muito, do Jack Welch (ex-executivo da GE e autor de livros sobre gestão), que diz que se a velocidade da mudança lá fora for maior que a velocidade da mudança cá dentro, o fim está muito próximo. E portanto temos de mudar muito mais depressa do que a mudança que está lá fora. Uma dimensão também interessante é o poder que damos aos alunos para eles próprios mudarem a escola. É algo muito importante para nós, dar a eles o poder. Sabemos que às vezes isso é difícil, que às vezes cria confusão, mas damos o poder para eles liderarem esse futuro. É o futuro deles e é o futuro da escola.
Um tema do qual se fala muito aqui em Portugal é o “brain drain”, a fuga de cérebros: os portugueses muito bem formados mas que não trabalham em Portugal. Como vê o fenômeno?
Esse fato é um tema aqui em Portugal. Temos um “brain drain”, mas também um “brain flow”. Alguns dos alunos alemães que vêm para Portugal estudar ficam cá, alunos italianos também ficam cá, alguns trabalhando em startups internacionais. Há muitos portugueses que saem, mas também há muitos estrangeiros que vêm estudar na Nova e cá ficam. Sobre os alunos portugueses que saem, acho que o mundo hoje de fato é uma aldeia global. Continuo a acreditar que nosso percurso de começar a estudar em Portugal, ter uma experiência internacional – em São Paulo, ou Londres, ou Berlim, ou Zurique – é sempre um percurso enriquecedor. Muito mais enriquecedor que ficar sempre no mesmo lugar. Portanto, eu diria que, de 100 alunos que saem, se 50 voltarem - com a riqueza das pessoas que conheceram e da experiência que tiveram – acho que Portugal se beneficia muito mais que se ninguém saísse, e toda gente se limitasse a reproduzir o que aprendeu das gerações anteriores. Queremos que nossos jovens cresçam.
A Ursula van Der Leyen, presidente da Comissão Europeia, deu a diretriz do que seria, para ela, o futuro da União Europeia: cada vez mais “digital” e “sustentável”. Acredita nessa diretriz? Se sim, o que a Nova faz para que os alunos incorporem esse espírito?
Acredito que o futuro seja digital, e esperemos que seja também sustentável, porque a alternativa é bem perigosa. O primeiro grande tema é sobre a questão não só do digital, mas também da tecnologia. Vemos com muita clareza que a fronteira entre a gestão e a tecnologia acabou. Nos últimos quatro anos, lançamos um novo mestrado em “Business Analytics”, já muito focado em “data science”. Criamos um programa em que os alunos não aprendem a tecnologia propriamente dita, mas conhecem a tecnologia com profundidade suficiente para, como gestores, serem capazes de tirar todo o partido dessa tecnologia. Estamos nessa ideia de criar “translators”, as pessoas que facilmente fazem essa interface entre a tecnologia e a gestão.
E a questão da sustentabilidade?
Acabamos de lançar um mestrado na área de sustentabilidade, em que tentamos criar nos alunos um mindset de respeito e de ação. Não é só um mindset passivo. O mais importante é perceber que o mundo depende do que fazemos. Isso significa tomar iniciativas nas nossas empresas, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, que façam diferença. O motto que uso com eles é uma frase do filme Homem-aranha, o primeiro: “Grande poder traz grande responsabilidade”. Essa frase está gravada nas paredes aqui da escola. Muito do desafio que temos no mundo de hoje é porque perdemos a responsabilidade das elites. Essa consciência do poder que têm e da responsabilidade acrescida que têm por causa deste poder.
Os alunos da Nova seriam essa elite?
Sim. Pela capacidade intelectual que têm, por terem o privilégio de estudar na Nova, eles têm a responsabilidade de agir e de liderar de forma que torne o mundo melhor no futuro. Para isso, lhes damos as competências na área de sustentabilidade, mas mais que as competências é o sentido de responsabilidade que eles têm que ter para fazer a diferença. Podem começar aqui na escola. Criando um clube, uma iniciativa à volta da sustentabilidade, uma iniciativa que faça, por exemplo, que o tratamento do plástico na escola seja mais eficiente. Damos condições para que aqui na escola eles já comecem a mudar as coisas.
Como se lida com a questão de diversidade na Nova?
Uma universidade com 68% de alunos que vêm de fora tem diversidade cultural grande. Essa diversidade beneficia muito os alunos e é uma razão pela qual outros também vêm. Há a diversidade de gênero, que normalmente não é um problema grande em Portugal, porque no ensino superior há equilíbrio grande, e esse equilíbrio existe na Nova também. Uns programas têm mais homens, outros têm mais mulheres mas, no cômputo geral, é quase 50%/50%. Há diversidade mais complexa que tem a ver com as questões de acesso, de diversidade social. Nossas mensalidades no mestrado não são muito altas se comparadas com Estados Unidos, mas se comparamos com o que se passa em Portugal, são acima da média. E temos muitos planos de ajuda financeira a alunos de famílias menos favorecidas, para ajudar quem tem mais dificuldade para ter acesso à escola. Há outro aspecto da diversidade que me parece interessante. Fazemos questão de que venham fazer nosso mestrado em gestão pessoas de arquitetura, que tiraram curso de Engenharia, de Direito, de Farmácia, de Turismo... Criamos todo um sistema de apoios para ajudar os que têm déficit em algumas áreas para recuperar o tempo perdido. Isso tem sido incrível porque hoje há noção de que, se gestão e economia ficarem fechadas, elas não respondem aos desafios da sociedade. Têm de se abrir, de trabalhar numa lógica interdisciplinar.
Quais as oportunidades para um aluno brasileiro que queira estudar na Nova?
As oportunidades em Portugal são enormes, sobretudo para quem está no Brasil. Quem está no Brasil tem de perceber que a Europa hoje precisa muito de pessoas qualificadas. Na área de tecnologia, nas áreas mais criativas... Há muitas oportunidades em Portugal, há na Espanha, há na França. Há muito emprego e falta gente nessas áreas. O problema maior da Europa é que há poucos jovens. As gerações estão envelhecidas, e as empresas precisam desses jovens para produzir, portanto há espaço grande para se vir do Brasil para a Europa.
Quais são as áreas com mais oportunidades?
Em primeiro lugar, tudo o que tem a ver com tecnologias, criatividades. Empreender, criação de startups, de novas ideias de negócio. Pode-se empreender muito facilmente na Europa. Há toda a área ligada à inovação e também as ligadas à sustentabilidade. Há um enorme mercado para ajudar as empresas a fazer a transição energética.
A Nova é uma universidade pública. No Brasil, as universidades públicas são gratuitas. Em Portugal, as universidades públicas cobram. Como funciona esse modelo, e quanto se cobra?
Na universidade pública em Portugal, do ponto de vista da graduação, os alunos portugueses e europeus têm um preço muito baixo. Um aluno que venha do Brasil paga na graduação em torno de 6 mil euros a 8 mil euros por ano (de R$ 33 mil a R$ 44 mil aproximadamente). A graduação dura três anos. Isso vale para a Nova SBE, para outros departamentos da Nova e para outras universidades públicas em Portugal. Do ponto de vista dos mestrados, que equivale um pouco ao 4º ou ao 5º ano da graduação brasileira, há mais liberdade em Portugal, e as próprias universidades públicas cobram o preço que quiserem. Na Nova, uma escola que está nos rankings do Financial Times, que tem nível de internacionalização alto dos professores e que é muito bem vista no mercado europeu, temos preços que são mais baixos que nossa concorrência em França ou Espanha, mas que são mais altos que muitos outros programas de mestrado em Portugal. Cobramos aqui entre 12 mil e 14 mil euros (de R$ 66 mil a R$ 77 mil aproximadamente) pelo preço do programa, que dura um ano e meio. Mas temos também muitos modelos que permitem aos alunos financiarem esse tipo de custos quando precisam.
Fala de bolsas de estudo?
Bolsas, muitas bolsas. Damos de mais de 1,5 milhão de euros por ano em bolsas, e também às vezes sistemas de “income agreement” em que os alunos, no fundo, recebem apoios e depois pagam de volta, mas pagam de acordo com aquilo que for seu rendimento nos anos a seguir ao mestrado.
Em um mundo onde as profissões mudam o tempo todo, a Nova tem cursos de reciclagem para os alunos?
Temos toda uma área de formação de executivos que permite que os alunos voltem e façam aqui o programa de MBA, e também formações mais curtas. Mas acho que os alunos devem circular. A maior parte dos alunos que vêm para essas formações não são alunos que fizeram aqui sua graduação. Temos de aprender coisas diferentes em lugares diferentes ao longo da vida. Voltar à mesma escola é o mesmo que ficar na mesma empresa, fazer a carreira na mesma empresa, uma coisa que não faz sentido nos dias de hoje.
O senhor se define como humanista e acha que o ensino tem de ser humanista. O que é humanismo para o senhor?
É uma pergunta interessante e, a meu ver, importante. Temos de ter consciência de que fazemos parte de uma história que é longa e envolve milhões de pessoas. Se calhar, bilhões de pessoas, ao longo de muitos milhares de anos. Quando pensamos nos primeiros que começaram a colaborar uns com os outros, que iam juntos fazer as pinturas rupestres nas grutas, e ao mesmo tempo fomos evoluindo, e alguns começaram a refletir sobre isso, começaram a perceber o que é a nossa existência. Começaram a criar cidades - essa noção de que fazemos parte, cada um de nós, de uma aventura que começou há muitos milhares de anos, e que temos a vida que temos porque recebemos o trabalho que eles fizeram, e temos a responsabilidade de passar para outras gerações o planeta, o desenvolvimento, as nossas comunidades, os nossos países, eu diria que o humanismo é sobretudo isso.
O senhor está encerrando seu 2º mandato de quatro anos como reitor na Nova. Não há reeleição para o 3º mandato. Quais seus planos para o futuro?
Continuar a fazer a diferença. Em Portugal, na Europa, quiçá no Brasil.
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