Documento interno produzido pela Fuvest revela possíveis modificações no vestibular da Universidade de São Paulo (USP). Os candidatos que realizarem as provas em 2024 para ingresso em 2025 poderão se deparar com algumas mudanças, mais questões interdisciplinares, redação com outros gêneros textuais, lista de obras obrigatórias com livros de não ficção e novo modelo para preenchimento de vagas. Essas são recomendações da Fuvest, que ainda serão avaliadas pelo Conselho de Graduação da USP (CoG).
Segundo Gustavo Mônaco, diretor-executivo da Fuvest, levantamentos como esse são procedimentos comuns da fundação. “A Fuvest faz estudos contínuos para embasar decisões que possam ser tomadas pela USP”, explica. “Todos os anos, algum material é elaborado com possibilidades de trazer mudanças. Alguns são adotados, outros não são considerados”, diz.
O que pode mudar na Fuvest a partir da edição 2025?
- Leituras obrigatórias: obras com temáticas mais atuais podem passar a ter mais espaço na lista;
- Redação: outros gêneros textuais pode passar a ser considerados na produção;
- Formato das provas: cobrança de mais questões com caráter interdisciplinares, o que também poderia resultar em um número geral menor de questões;
- Preenchimento de vagas: em cursos menos concorridos e com menor nota de corte, a proposta é que mais candidatos sejam aprovados para a segunda fase.
Leituras obrigatórias
As leituras obrigatórias exigidas pelo vestibular, que compõem as questões de literatura da 1ª e 2ª fase, aparecem nas recomendações de mudanças feitas pela Fuvest. O documento indica que obras com temáticas mais atuais e que dialoguem com outras disciplinas deveriam ter mais espaço na lista de livros exigidos, que, atualmente, é composta por romances, contos e poesias de autores lusófonos.
Dentre as obras propostas pelo documento, estão Vigiar e Punir, de Michel Foucault, O que é ideologia?, de Marilena Chauí, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda – todos livros de não ficção e de bases sociais e científicas.
Para Luiz Otávio Neto, coordenador pedagógico do Poliedro, essa mudança vai em linha com uma preocupação comum a outros vestibulares: trazer obras mais conectadas à realidade dos candidatos. “Essa seria uma mudança positiva, porque passaríamos a avaliar outras habilidades dos estudantes e teríamos uma prova mais próxima do atual ensino médio”, diz.
Redação
O formato da redação também faz parte das propostas de alterações. O documento sugere que outros gêneros textuais passem a ser considerados na produção de redação pelos candidatos. As redações da Fuvest são apenas do gênero dissertativo-argumentativo que, de acordo com Neto, impedem a avaliação de outros tipos de conhecimento.
“Quando você sugere a produção de textos de outros gêneros, você deixa de avaliar apenas a capacidade argumentativa do estudante e passa a avaliar a capacidade criativa, analítica e muitas outras”, afirma. “É uma ótima maneira de ampliar a avaliação do candidato”, diz.
Formato das provas
O documento também propõe mudanças no formato das provas. Na primeira fase, as questões passam a ser interdisciplinares e exigir do candidato a associação de conhecimentos de mais de uma disciplina. Neto explica que essa medida pode tornar a prova mais complexa e, justamente por isso, o documento sugere a redução de 90 questões para 80.
Para a segunda fase, existem mais mudanças. No primeiro dia, além das questões de português, literatura e redação, a prova incluiria duas questões de inglês – visto que a USP tem buscado cada vez mais a internacionalização – e uma questão geral de linguagens. No segundo dia, seriam doze questões dissertativas, sendo: quatro gerais e interdisciplinares de todas as áreas e oito específicas de acordo com o curso escolhido.
Sociologia, filosofia, artes e educação física passam a ser parte do conteúdo das provas. Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber, considera a decisão acertada, especialmente com os crescentes debates sobre o novo ensino médio, em que essas disciplinas se tornariam optativas a depender do interesse do aluno.
“É interessante que a proposta tenha aparecido justamente após a suspensão do cronograma de implementação do novo ensino médio”, afirma. “Porque, mesmo que sem intenção, vai obrigar muitas escolas a refletir sobre o currículo que ela possui. Afinal, a Fuvest sempre ditou o ensino médio e vai continuar ditando.”
Preenchimento de vagas
O documento prevê, ainda, soluções para enfrentar problemas com vagas não preenchidas – em especial em cursos menos procurados. Para resolver esse problema, o documento propõe a alteração da relação candidato/vaga para classificação na segunda fase.
Em cursos menos concorridos e com menor nota de corte, a proposta é que mais candidatos sejam aprovados para a segunda fase. Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, explica que nesses casos a tendência é que menos vagas fiquem sem serem ocupadas.
A reescolha durante as chamadas aparece como uma outra proposta de solução. De acordo com o documento, aquele candidato que não foi aprovado no curso escolhido nas três primeiras chamadas poderá escolher outra carreira a partir da quarta chamada. “A ideia é que, nessa outra carreira escolhida, o candidato possa ocupar as vagas que ficariam ociosas”, diz.
Alvarez enxerga com bons olhos a proposta da Fuvest. “Não deixar vagas sobrando é um dever da universidade pública. E esses dois mecanismos são boas sugestões da Fuvest para evitar as vagas ociosas”, afirma.
Documento ainda em estudo
Gustavo Mônaco, diretor-executivo da Fuvest, exige cautela com relação às propostas detalhadas no documento. De acordo com ele, nenhuma das sugestões foi, de fato, adotada pela universidade e não há confirmações se serão ou quando serão adotadas.
Ele reforça que as regras e condições para Vestibular Fuvest 2024, que será aplicado em dezembro deste ano, continuam as mesmas. “É importante tranquilizar os vestibulandos: esse documento não não está aprovado e não será implementado no vestibular de 2024″, diz.
Caso as mudanças propostas pelo documento venham a acontecer, será estabelecido um calendário de implantação para que escolas, cursinhos e candidatos possam organizar a agenda de estudo e se prepararem para o novo formato da prova.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, mesmo que o documento reúna apenas propostas da Fuvest sem confirmação da sua implementação, essa já é uma movimentação que pode surtir efeitos importantes.
“Esse documento é bastante relevante porque temos o maior vestibular do País indicando um possível caminho para a avaliação menos focada em conhecimentos específicos e mais voltada para a interdisciplinaridade”, afirma Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.
Desde os anos de 1990 e 2000 que programas das disciplinas exigidas pela Fuvest não sofreram grandes alterações. Somado a isso, mudanças no ensino nacional, debates sobre o novo ensino médio e a sobra de vagas em alguns cursos da USP são fatores que, conforme explica o diretor do cursinho, justificam e exigem propostas de modernização no vestibular.
Para Alvarez, essas propostas deixam claro qual o tipo de estudante que a Fuvest está buscando. “É aquele candidato que é um leitor com repertório, que é crítico da realidade em que vive e que sabe aprender para resolver problemas”, alega. “Por isso, é uma proposta muito interessante e de forte impacto, que vai direcionar bastante o currículo do ensino médio”, afirma.
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