‘Gestações atrapalharam’: parecer cita gravidez de pesquisadora em análise de bolsa; CNPq repudia

Professora da UFABC relatou o caso nas redes sociais. Universidade e conselho federal se manifestaram em repúdio ao ocorrido

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Por Redação

A professora e pesquisadora Maria Carlotto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, expôs nas redes sociais, na terça-feira, 26, um parecer preconceituoso recebido em um processo seletivo de bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De acordo com ela, entre as justificativas para a avaliação negativa, foi dito que as “gestações atrapalharam” algumas iniciativas da carreira.

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O CNPq repudiou o ocorrido após a repercussão do relato. No entanto, embora a própria agência tenha classificado a avaliação como preconceituosa, ela foi a principal considerada no resultado final preliminar - que cabe recurso - da bolsa, de acordo com Maria. A UFABC se disse “perplexa” e “indignada” com o teor do parecer.

“Resultado preliminar da bolsa produtividade do CNPq: reconhece minha carreira, mas aponta que não fiz pós-doutorado fora. Pandemia? Governo Bolsonaro? Não... ‘Provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro’. Vontade de chorar”, escreveu no X, antigo Twitter. Segundo ela, o pós-doutoramento não era critério para o benefício. Junto a esse parecer, veio outro, que foi “muito favorável”, conta.

Fachada do CNPq em Brasília, no DF Foto: Herivelto Batista/MCTIC

Conforme o currículo disponível na plataforma Lattes, ela é formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 2005. Concluiu um mestrado em Sociologia, também na USP, sobre a nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e seus efeitos sobre o sistema nacional de pesquisa e inovação em 2008. Entre 2010 e 2011, realizou um estágio na Université de Paris IV-Sorbonne, na área de sociologia do conhecimento. Em 2014, defendeu o doutorado no Programa de Pós-graduação em Sociologia da USP.

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Atualmente, é professora do Bacharelado em Ciências e Humanidades, do Bacharelado em Relações Internacionais (BRI) e do Programa de Pós-graduação em Economia Política Mundial da Universidade Federal do ABC (UFABC), onde coordena o grupo Neoliberalismo, Democracia e Mudança Estrutural do Espaço Intelectual Brasileiro.

Na quarta-feira, 27, O CNPq disse estar ciente do ocorrido e afirmou que o juízo é “inadequado”, tanto porque um estágio no exterior não é requisito para o edital, quanto por ser “preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação”.

Segundo a agência de fomento, a avaliação tratou-se de um parecer ad hoc, que são emitidos por especialistas, respeitando o sigilo da autoria, mas que não são corroborados comitê assessor responsável pelo julgamento. Ele serve como subsídio para esse último, mas pode ser ignorado.

“O CNPq tem como valores a busca de maior inclusão considerando dimensões de gênero, étnico-raciais e assimetrias regionais e não tolera atitudes que expressem preconceitos de qualquer natureza, sejam eles de gênero, raça, orientação sexual, religião ou credo político. Por essa razão, a agência instruirá seu corpo de pareceristas para maior atenção na emissão de seus pareceres e a Diretoria Científica levará este caso concreto à Diretoria Executiva do CNPq para o exame das providências cabíveis”, informou.

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Novamente no Twitter, Maria classificou o posicionamento do CNPq como importante, mas, na avaliação dela, a agência deveria fazer mea-culpa. “O que mais me incomodou nesse processo é que, no caso da minha área, a Sociologia, havia um incentivo para mulheres mães submeterem projetos por uma suposta compensação das licenças maternidade. Como, então, os pareceristas não foram minimamente treinados e letrados?”, questionou no X.

“Foi, sim, um erro do parecerista Ad hoc, mas foi tbm do CNPq, que deveria ter interditado o parecer como um todo. Na prática, o CNPq me incentivou a submeter um projeto pós-licença-maternidade e me submeteu, depois, a uma violência de gênero”, continuou.

De acordo com ela, embora o CNPq tenha repudiado o teor preconceituoso do parecer, ele foi o considerado para o resultado final preliminar - que cabe recurso segundo a agência. “O parecer favorável foi totalmente desconsiderado.”

“Mesmo que eu use o meu direito ao recurso, isso não apaga a violência cometida. E, de novo, não é sobre mim e sobre este caso, que não deve ser isolado, mas sobre como vamos construir editais realmente abertos a mulheres, especialmente aberto a mulheres mães”, escreveu a professora.

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Não houve novo posicionamento do CNPq. O Estadão entrou em contato, mas não obteve retorno na manhã desta sexta-feira.

O que diz a UFABC

Na quinta, 28, a UFABC disse estar “perplexa” e “indignada” com o que a professora da instituição havia passado, em nota assinada pela reitoria. “A UFABC discorda veementemente do exposto no parecer e rejeita de forma decidida e absoluta qualquer postura que reitere a perpetuação de estereótipos prejudiciais e discriminatórios em relação às mulheres e às mães envolvidas em pesquisas acadêmicas.”

“Não é factível que a maternidade seja encarada como um obstáculo à excelência acadêmica - o contrário, é preciso que a maternidade e a parentalidade sejam reconhecidas como vivências enriquecedoras capazes de contribuir para a diversidade e a ampliação de perspectivas críticas no âmbito da pesquisa, do ensino, da extensão e da vida universitária”, diz a nota.

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