O governo de São Paulo estima que levará 11 anos para recuperar a aprendizagem perdida em Matemática durante a pandemia nos anos iniciais do ensino fundamental. Estudantes do 5.º ano da rede estadual perderam habilidades que já haviam adquirido. Hoje, um aluno de 10 anos de idade tem desempenho pior do que ele mesmo tinha quando estava com 8 anos.
Os dados sobre o desempenho dos estudantes foram divulgados pelo secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, nesta terça-feira, 27. Os alunos passaram por avaliações amostrais semelhantes ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do governo federal, e, por isso, segundo o secretário, é possível comparar os resultados obtidos agora com as avaliações externas anteriores.
As escolas estaduais em São Paulo foram fechadas em março do ano passado, para conter a disseminação do coronavírus. Só em setembro começaram a ser reabertas, para atividades de reforço, com baixa participação de alunos. Alguns municípios, como a capital paulista, vetaram a reabertura naquele mês. Neste ano, as aulas presenciais começaram em fevereiro, mas um mês após a reabertura foram suspensas novamente por causa do recrudescimento da pandemia. O novo retorno ocorreu no dia 14 de abril e enfrenta resistência de professores, que temem contaminação.
Segundo o estudo apresentado nesta terça-feira, a perda de aprendizagem é maior em Matemática e mais evidente no início do ensino fundamental, com alunos mais novos. “Além de não aprender novas coisas, o aluno não consolidou o que tinha aprendido”, explica Rossieli. Para manter o mesmo nível de aprendizagem que tinham em 2019, os estudantes teriam de subir 46 pontos na escala do Saeb.
Nas últimas edições do Saeb, porém, os estudantes do ensino fundamental subiram apenas 4 pontos por ano, o que levou a Secretaria Estadual da Educação a estimar que seriam necessários cerca de 11 anos para recuperar a aprendizagem perdida nos anos iniciais do ensino fundamental.
“No 5.º ano, com esse resultado de Matemática, os alunos sabem resolver problemas muito elementares de adição e subtração, não sabem multiplicação e divisão, não sabem ler um gráfico nem dados apresentados em tabela, que são habilidades básicas e essenciais importantes para prosseguir com os estudos”, diz Lina Kátia, vice-presidente da Associação Brasileira de Avaliação da Educação e coordenadora do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed), ligado à Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A avaliação para medir os impactos da pandemia na rede estadual paulista foi aplicada pela Secretaria da Educação em parceria com o Caed. As provas, com questões de Matemática e Língua Portuguesa, foram realizadas no início deste ano. Fizeram os testes cerca de 21 mil alunos do 5.º e 9.º anos do ensino fundamental e da 3.ª série do ensino médio da rede estadual de São Paulo.
Alunos do 5.º ano obtiveram nota média de 196 pontos em Matemática - em, 2019, o desempenho do 5.º ano no Saeb era de 243 pontos. O governo paulista vinha registrando melhora gradual nesta série ao longo da década. Mas esse resultado agora é equivalente ao que a rede estadual tinha em 2007. Ou seja, os avanços no 5.º ano foram perdidos, de acordo com o novo estudo. Em Língua Portuguesa, os alunos do 5.º ano obtiveram 194 pontos no teste realizado no início deste ano. Em 2019, o resultado do Saeb para esta série era de 223 pontos. O nível de aprendizagem que os alunos têm hoje equivale ao que a rede estadual registrava 10 anos atrás.
No 9.º ano do ensino fundamental e no 3º. ano do ensino médio, também há prejuízos, tanto em Português como em Matemática, mas em escala menor do que o prejuízo verificado entre os estudantes mais novos. Uma das hipóteses é que alunos mais velhos têm autonomia maior para estudar em casa. Já entre os mais novos, o fechamento das escolas tem impacto ainda maior na aprendizagem.
O governo paulista também comparou o desempenho de alunos do 5.º ano com os resultados de uma prova estadual, o Saresp, aplicada para estes mesmos alunos quando eles estavam no 3.º ano do fundamental. Os resultados indicam que após 15 meses, os alunos estão em um nível de proficiência apenas levemente superior em Língua Portuguesa e menor em Matemática.
Em Matemática, um estudante do 3.º ano que fez 212 pontos no Saresp hoje tem nota 196, apesar de já estar no 5.º ano. "Não só não temos avanço como podemos ter regressão", disse Rossieli. O secretário qualificou os retrocessos na Educação como uma “catástrofe”. Para Rossieli, os estudantes podem levar as dificuldades em Matemática até o fim do ensino médio.
Para superar as defasagens, o secretário reforçou a necessidade de que as escolas continuem abertas e apresentou um projeto de recuperação de aprendizagem, com a contratação de mais professores para reforço escolar. Segundo a pasta, 2.261 professores estão atuando com recuperação e mais 10 mil docentes ainda podem ser contratados.
Também deverá ser feita uma repriorização curricular, que significa colocar foco em habilidades consideradas essenciais para os alunos avançarem. No Centro de Mídias, plataforma do governo estadual para atividades remotas, haverá expansão da carga horária diária.
Como o Estadão mostrou, com o retorno de alunos às aulas presenciais em fevereiro, aumentaram as queixas de pais em relação às aulas remotas para quem ficou em casa. Segundo as famílias, há pouco acompanhamento dos professores da turma no Centro de Mídias. Na plataforma, docentes dão aulas para toda a rede de ensino, mas, segundo os pais, os alunos mais novos sentem falta do contato virtual direto com seus professores, que foram deslocados para as aulas presenciais.
De acordo com o governo, haverá acompanhamento semanal com grupos menores no Centro de Mídias. "Vamos ter professores para orientar estudantes que vão estar organizados em grupos de 8 a 12 alunos. Esse professor consegue focar nas principais necessidades e desafios daquele grupo", explicou Bruna Waitman, coordenadora do Centro de Mídias. A pasta estima que frequentaram as aulas presenciais 1,1 milhão de estudantes, após o fim da fase emergencial no Estado de São Paulo - a rede tem 3,6 milhões de alunos.
Para Emily, de 10 anos, aluna de uma escola estadual na capital, não houve avanço na pandemia. No 5.º ano, ela mal sabe ler e escrever e não sabe fazer contas – só pelo celular. A menina já tinha dificuldades antes da pandemia e, com as aulas remotas, os problemas se agravaram. “Em casa não tem internet. Eles falam que vão colocar os pais em um grupo para passar atividades para fazer em casa, mas estou esperando faz tempo”, diz a mãe, Fabiana Rossi, de 30 anos. Ela também diz que faltam atividades de recuperação e atendimento psicológico. A menina voltou a ter aulas presenciais, mas vai apenas uma vez por semana – a escola só pode receber 35% dos alunos.
Na rede privada, impactos de aprendizagem também serão sentidos. Um dos diretores da Associação Brasileira de Escolas Particulares, Arthur Fonseca Filho destaca que "as perdas vão existir, do ponto de vista do sistema educacional como um todo, porque ele exige a atividade presencial. O que se faz de forma remota é um remendo diante da impossibilidade das aulas presenciais”. O diretor também aponta que a associação não presta nenhum tipo de orientação para as escolas particulares, mas que a rede interage para troca de métodos pedagógicos que estejam funcionando durante a pandemia.
Ainda sobre as perdas, Arthur esclarece que deve ser feita uma avaliação quando as atividades voltarem presencialmente, de forma efetiva, para todos os anos. Porém, ele garante que algumas mudanças devem impactar o processo educacional para sempre. “A aprendizagem mudou, não somente a relação dos estudantes com o acesso tecnológico. O processo de aquisição do conhecimento se tornou mais autônomo, isso é um ganho para os estudantes. Especialmente os maiores”, diz ele.
Resultados de São Paulo sugerem cenário ainda pior em outros Estados
O cenário atestado em São Paulo pode ser pior em outros Estados que ainda nem mediram o desempenho de alunos. “A Secretaria de São Paulo conseguiu estruturar uma resposta, errando, refazendo, melhorando. Se esses resultados aconteceram em São Paulo, que teve uma das melhores reações do País, o que dá para projetar para o resto do Brasil é uma situação muito mais crítica”, diz Priscila Cruz, presidente executiva do movimento Todos pela Educação.
Apesar da urgência de ações na área, especialistas veem omissão do Ministério da Educação (MEC) em projetos para garantir a volta segura às escolas e redução das defasagens. Segundo Priscila, a recuperação demanda investimentos em formação docente, revisão do calendário escolar e currículo, além de reformas físicas em escolas para que o retorno seja seguro. “Também é muito importante envolver os professores, em uma conversa aberta, desarmada. Colocá-los como parte da solução”, diz.
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