Atualizado às 23h37
SÃO PAULO - Depois de 25 dias de ocupações de escolas, uma série de protestos, batalhas judiciais e queda de popularidade, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) recuou e suspendeu o projeto de reorganização da rede estadual de São Paulo. Assim, nenhum colégio será fechado no ano que vem. Segundo o governo, os planos foram adiados para que, em 2016, a proposta seja mais bem debatida. O anúncio veio acompanhado da confirmação da saída do secretário da Educação, Herman Voorwald, do cargo.
Até esta sexta-feira, 4, – dia marcado por novas manifestações na capital paulista –, 196 escolas estaduais estavam ocupadas. Desde o início da semana, em ao menos cinco atos houve ação da Polícia Militar para dispersar estudantes com bombas. A decisão da gestão é tomada no mesmo dia em que uma pesquisa Datafolha apontou que o governador enfrenta altos índices de rejeição. Segundo o levantamento, seis em cada dez paulistas são contra a reorganização e 55% apoiam as ocupações.
Apenas 20% da população classifica a gestão como ótima e boa.
A reorganização, anunciada no dia 23 de setembro, incluía o fechamento de 93 escolas e a transformação de 754 unidades em ciclo único, com a transferência de 311 mil alunos. O governo convocou coletiva de imprensa no fim da manhã, enquanto policiais ainda dispersavam estudantes na região central de São Paulo. Em uma fala breve, Alckmin anunciou que o processo estava interrompido.
“Recebi a mensagem dos estudantes e seus familiares e respeito essa mensagem, com suas dúvidas e preocupações em relação à reorganização das escolas aqui no Estado de São Paulo. Por isso, a nossa decisão de adiar a reorganização e rediscuti-la escola por escola com a comunidade, com os estudantes e, em especial, com os pais dos alunos”, disse o governador. “Entendemos que temos de aprofundar o diálogo, que já está sendo feito há meses e isso acontecerá em 2016.”
Aulas. Segundo a gestão, os estudantes continuarão matriculados onde estudam atualmente. As matrículas serão automáticas. O decreto já publicado, autorizando a transferência dos professores no âmbito da reforma, será revogado. Essa publicação é esperada para hoje no Diário Oficial do Estado.
Voorwald, secretário da Educação desde 2011, entregou nesta sexta a carta de demissão. A cúpula tucana, entretanto, já estava decidida por sua saída. A avaliação do Palácio dos Bandeirantes era de que ele não soube conduzir a discussão sobre o projeto, que acabou se transformando no maior desgaste político de Alckmin em 2015. O secretário não teria conseguido emplacar a tese de que o movimento era político e demonstrado dificuldades de estabelecer diálogo.
Além das manifestações contra a reorganização, o secretário enfrentou neste ano a greve mais longa dos professores na história. O Estado não concedeu reajuste. A reportagem procurou Voorwald, que não respondeu às ligações. Alguns nomes para substituí-lo começaram a aparecer.
Há cinco cotados: José Renato Nalini (presidente do TJ-SP), Alexandre Schneider (ex-secretário municipal da Educação de São Paulo), Claudia Costin (diretora de Educação do Banco Mundial), Marcos Monteiro (atual secretário de Planejamento do Estado) e Laura Laganá (que comanda o Centro Paula Souza). Os nomes foram adiantados pelo blog Direto da Fonte.
Críticas. Desde que foi anunciada, a proposta de reorganização da rede foi alvo de críticas e protestos. Alunos e professores argumentam que não houve discussão da proposta com as comunidades escolares antes do anúncio. Especialistas em educação e pesquisadores, por sua vez, apontavam ainda a fragilidade pedagógica da reforma. Todos são contra o fechamento de escolas.
As Faculdades de Educação da USP, Unicamp e Unifesp divulgaram notas de repúdio ao projeto. Com base no estudo que fundamentou a reforma, revelado pelo Estado, pesquisadores da UFABC concluíram que o documento nem “sugere” que a reorganização teria efeitos positivos na educação.
O argumento do governo é de que escolas de ciclo único têm melhor Idesp, índice de qualidade do Estado, do que as unidades com alunos dos três ciclos (1.º ao 5.º ano, 6.º ao 9.º e ensino médio). Sobre o fechamento dos 93 colégios, o Estado defende que há 2,9 mil salas ociosas na rede.
O governo insistia até esta sexta que não abriria mão da política anunciada. Em áudio de uma reunião feita no domingo com dirigentes de ensino, o chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Fernando Padula, fala que a tática do Estado é de “guerra”.
Alegando falta de participação democrática, Defensoria e Ministério Público do Estado de São Paulo entraram na quinta na Justiça para suspender a reforma. Nesta sexta, o projeto já havia sido cancelado pela Justiça no município de Guarulhos, na região metropolitana.
Mobilização. Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o recuo aconteceu porque os estudantes se mobilizaram e receberam o apoio da sociedade. “Esse fato vai reverberar por muitos anos. Sabe-se hoje que não é pacífico em São Paulo fechar escolas. Porque em outros Estados têm se fechado escolas, sempre pelo motivo financeiro”, diz ele. “A secretaria tinha convicção de que executaria a política sem problema. A novidade vai fazer qualquer gestor pensar duas vezes antes de fechar escolas.”
Ao longo de toda a discussão, a gestão Alckmin insistiu que não havia motivação financeira para o projeto. O Estado revelou nesta sexta, entretanto, que a “redução de despesas” foi um dos critérios usados pelo governo.
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