Há seis meses, a pandemia fechou as portas das instituições de ensino superior. A partir daí, a maioria das públicas interrompeu as aulas por cerca de quatro meses e retomou há pouco com conteúdos remotos. Já as universidades privadas, em grande parte, transferiram o presencial para o online já em março. A partir do improviso inicial, a vivência adquirida nesse período fez com que muitas delas obtivessem êxito em experiências acadêmicas e administrativas, com a possibilidade de serem adotadas de forma perene no futuro.
O vestibular é um exemplo. Realizar seleções online era um dos maiores desafios. Afinal, como garantir que o aluno não use o Google ou peça ajuda a conhecidos para preencher as questões? Enquanto muitas instituições preferiram abolir a prova e usaram evidências de desempenho como as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), outras mudaram completamente seus testes. Na Belas Artes, a solução foi adotar um digital que, além de se mostrar praticamente à prova de fraudes, funciona como uma espécie de pré-atividade acadêmica.
Com cursos ligados às áreas de comunicação, artes e design, a instituição criou um exame a partir de análises de ações de sucesso feitas por empresas atuantes em setores relacionados. “Elaboramos questões baseadas em aspectos dos processos de inovação das companhias. O tema da prova de redação também foi associado ao case, com o objetivo de avaliar o quanto o candidato está atualizado com temáticas emergentes”, explica Josiane Tonelotto, superintendente acadêmica da Belas Artes.
Essa abordagem da prova também permitiu à instituição avaliar o perfil dos alunos: se são mais realizadores, voltados a aspectos técnicos, ou idealizadores, com interesses em desenvolver conceitos e ideias. Bem recebido na instituição, o processo será adotado de forma permanente, com uma versão presencial como alternativa para quem preferir. A edição para ingresso em 2021 terá cases baseados em temas de economia criativa.
Quanto ao ensino, a Belas Artes adotou o modo remoto assim que a quarentena foi estabelecida no País. Os relatos dos estudantes apontam que, enquanto alguns tiveram dificuldade na adaptação, outros não querem mais o formato só presencial.
Taline da Silveira Azzi, que cursa o 3.º semestre do curso de Moda, não se imagina voltando para as aulas presenciais todos os dias. “Adoraria continuar com pelo menos as teóricas de modo remoto”, diz. O modelo online deu comodidade à aluna, que vive na cidade de Salto, no interior de São Paulo, e estuda no câmpus de Sorocaba da Belas Artes, a cerca de 40 quilômetros da sua casa. Com as duas horas economizadas nos deslocamentos, ela fez cursos livres em plataformas digitais como Udemy, Eduk e Escola Conquer.
Imaginar um futuro de ensino híbrido - com o digital incrementado por mais novidades tecnológicas - deixa Taline animada. “Conheço aplicativos em que eu uso a câmera do celular e faço um manequim em 3D com as medidas de uma pessoa. Creio que isso tende a evoluir, com mais possibilidades de testes e personalizações.”
Neste mês, a Escola Nacional de Seguros (ENS), por exemplo, inaugura, em São Paulo, a Sala do Futuro. É um ambiente de ensino que permite conectar até 64 pessoas (parte presencial, parte virtual) como se estivessem no mesmo lugar. O espaço tem ferramentas que estimulam o trabalho colaborativo - separados em grupos, os alunos podem responder a perguntas, pesquisas de opinião e testes com resultado em tempo real. É possível compartilhar aplicativos e mídias e fazer a edição de arquivos de forma colaborativa.
Aprovado
Para avaliar a forma como as aulas remotas foram conduzidas na pandemia e especular sobre um possível aumento de atividades online nos currículos, o Insper fez uma pesquisa com cerca de 500 alunos em agosto e consultas ao corpo acadêmico. Os resultados foram animadores: a maioria aprovou o modelo remoto implementado, bem como as soluções digitais para o relacionamento com a instituição (por exemplo, processos seletivos e matrículas).
“Temos uma grande quantidade de estudantes que não mora na cidade de São Paulo, para os quais a experiência remota foi mais satisfatória que a presencial”, diz Guilherme Martins, diretor dos cursos de graduação. “Mesmo aqueles que não gostam do ensino a distância, preferem o cara a cara do presencial, elogiaram a forma pela qual conduzimos as aulas na pandemia.”
Grande parte do êxito ficou por conta da forma como o processo foi instituído, acredita Martins. A instituição fez formações de suporte geral e personalizadas. Os professores participaram de treinamentos sobre as ferramentas assíncronas e as dinâmicas das aulas live. Nessas últimas, o objetivo era mostrar estratégias para não cansar a audiência em classes expositivas. Se na presencial, a turma é capaz de ficar duas horas sentada e concentrada, nos encontros virtuais é preciso menos falatório e mais interação, sob o risco de ver as câmeras fechadas.
Em relação aos alunos, a grande novidade é pedagógica. O Insper estabeleceu diagnósticos de desempenho. A cada etapa, a ferramenta permite verificar se o estudante está apto a prosseguir com o plano do curso. “Supondo que o aluno tenha feito uma disciplina como Cálculo 1 e tenha sido aprovado. Antes de seguir para Cálculo 2, passa por uma avaliação na qual vemos se reteve todos os conhecimentos essenciais. Caso tenha deficiências, deverá ter aulas e receber tutoriais individuais para chegar ao nível esperado.”
Há outro aprendizado da pandemia que deve ficar no Insper de forma permanente: o trabalho remoto colaborativo. “Os professores se surpreenderam com a qualidade das entregas. É uma tendência do mercado.”
Tanto na Belas Artes como no Insper - e na maioria das instituições de ensino superior públicas e privadas - o fim da pandemia deve abrir as portas físicas, mas nunca mais fechará o caminho do aprendizado mediado pela tecnologia. Do vestibular ao diploma, tudo será permeado pelo digital. O futuro do ensino superior é híbrido.
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