Greve na USP e briga na Unicamp: ‘Polarização não é nova, mas mundo está mais complexo’

Para psiquiatra, fenômeno tende a se aprofundar na medida em que a sociedade tem de lidar com novos problemas; caso de briga entre professor e aluno foi parar na polícia nesta terça

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Foto: Divulgação Pessoal
Entrevista comDaniel Martins de Barrosprofessor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

A briga em que um professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) levantou uma faca contra um aluno pode revelar mais que um ato de violência física. A ocorrência policial dentro da 3ª melhor universidade da América Latina, segundo ranking internacional divulgado em setembro, mostra que a intolerância e a polarização político-ideológica se agrava em cada vez mais espaços da vida pública do País.

O fato ocorreu na manhã desta terça-feira, 3, foi gravado em vídeo, e circulou nas redes sociais. O docente é investigado pela Polícia Civil e a reitoria informou que a conduta será apurada internamente.

Para o professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Martins de Barros, a polarização nas universidades não é nova, mas tende a se acirrar à medida em que a sociedade fica cada vez mais complexa.

Segundo o Diretório Central de Estudantes (DCE), os alunos decidiram pela paralisação em apoio aos protestos contra a privatização de órgãos estaduais, como as linhas de trem e da CPTM, e contra a precarização das universidades estaduais paulistas. Conforme as mensagens dos diretórios acadêmicos, o movimento também apoia a greve dos estudantes da USP pela contratação de mais professores.

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O Diretório dos Estudantes da Unicamp afirma que um grupo foi comunicar o professor sobre a decisão. Segundo o relato do estudante Gustavo Bispo, de 20 anos, diretor do DCE, o professor teria reagido de forma violenta, indo para cima dele e de um colega. O docente diz ter prestado depoimento à polícia e afirma que os fatos serão averiguados.

Na USP, os ânimos também se acirraram. Professores reclamam de terem sido impedidos de entrar nos prédios para dar aula e falaram até em ameaças por parte de estudantes. Os grevistas, por sua vez, afirmam que a mobilização é “justa e necessária”.

Para Barros, também colunista do Estadão, a forma como as redes sociais acentua essa divisão.

Passamos, e continuamos passando, por anos de intolerância política e ideológica. Após esse período, a tensão deveria arrefecer?

Não sei se é um fenômeno diferente ou a mesma intolerância. Depois de fazer Medicina, fiz Filosofia. Essa intolerância não vejo como diferente. Se tem uma coisa que a história ensina é que a história não ensina nada.

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Eu já dizia que pouca coisa iria mudar no pós-pandemia. A polarização não é nova, mas tende a passar por um agravamento na medida em que o mundo fica mais complexo. As questões são complexas e essa complexidade leva as pessoas a se acomodarem nos extremos onde as coisas são mais simples, mais binárias.

Como você tem visto isso se refletir na sociedade?

Na dificuldade de diálogo, nas brigas entre grupos de discussão, nas redes sociais. E no papel das próprias redes, que estimulam a polarização. Na medida em que os mais polarizados acabam ganhando mais relevância, você é exposto muito mais a coisas radicais de parte a parte. O bom senso perde voz e parece que todo mundo está de um lado ou de outro. Mas, na verdade, a maioria das pessoas não é radical e não está em um extremo ou outro.

Isso tende se aprofundar?

A rede social, como ela é montada, não oferece saída. A polarização é um produto e só vai ser fomentada. Se vai piorar ou não depende, de como vamos lidar com as redes sociais. Se ela vai se auto-regulamentar, se vai ter regulação externa, se vamos aprender a usar. O mundo tende a ser pendular. É possível que em algum momento a polarização chegue a um nível tão grande que as pessoas digam “não dá mais para viver assim”, que percebam que fugiu ao controle.

Espanta essa polarização em universidades, alunos e professores, que em tese são a vanguarda do pensamento social?

Chama a atenção, mas não espanta. (A violência) intensa, atípica, não é corriqueira. Mas não espanta por causa da sociedade polarizada em que estamos vivendo, por causa do país violento , por não ser novidade no movimento estudantil em que já havia polarização décadas atrás. O Brasil é um país violento, o trânsito é violento, a escola é violenta, as ruas são violentas. Haver violência nesse contexto, de novo, chama a atenção, mas não espanta.

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