O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, tirou do ar toda a série histórica com dados sobre o Censo Escolar da Educação Básica. Os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) anteriores a 2020 também não estão mais disponíveis. A autarquia alega adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Os arquivos foram excluídos do site do Inep na última sexta-feira (18), quando o órgão divulgou os microdados do Censo Escolar 2021 e do Enem 2020, os únicos disponíveis atualmente. Os microdados do Censo costumavam trazer informações detalhadas sobre os alunos e professores da educação básica, enquanto os do Enem esmiuçavam a situação dos participantes da prova. A riqueza de detalhes auxiliava na formação de políticas públicas educacionais.
Os documentos divulgados no último sexta-feira seguem um padrão diferente do que vinha sendo observado nos últimos anos. Os dados do Censo 2020, por exemplo, eram compostos por 13 arquivos que totalizavam 17 GigaBytes e traziam informações sobre professores, estudantes e escolas. Já o Censo 2021 é composto por um único arquivo de 164 MegaBytes, cerca de cem vezes menor que o anterior, que traz majoritariamente dados sobre as escolas. Informações importantes sobre alunos e professores ficaram de fora.
A divulgação dos microdados do Enem 2020 também passou por mudanças e cerca de 44% das informações que costumavam integrar o documento foram retiradas. O arquivo que detalha a situação dos participantes passou a ter 76 colunas — antes, eram 136. Cada coluna mostra uma informação do participante, como o município onde a prova foi feita ou a nota em determinada área do conhecimento.
Para Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, a mudança na forma de divulgar os dados já era esperada. "O que nos surpreendeu foi o fato de eles terem retirado todos os dados anteriores [a série histórica]. Eu acho que é uma leitura muito precipitada da LGPD", comenta. Ela diz que a organização pediu ao Inep via Lei de Acesso à Informação os documentos que embasaram a decisão de mudar a divulgação dos dados.
Ela diz que a principal preocupação é que a decisão do Inep passe a mensagem de que a LGPD pode impedir a divulgação de microdados, além de gerar um efeito cascata nos municípios e Estados. "A gente reconhece os desafios de compatibilizar as duas leis [a de transparência e a de proteção de dados], mas o problema é fazer isso de forma unilateral e não levar em consideração os benefícios que a divulgação dos dados traz".
Lucas Hoogerbrugge, líder de relações governamentais do Todos Pela Educação, reconhece a importância de proteger dados pessoais, mas espera que as mudanças feitas pelo Inep nas bases de dados sejam temporárias. "Temos de encontrar uma forma de ter a informação necessária para a formulação de políticas públicas sem ferir a privacidade dos estudantes", diz. Ele afirma que tem conversado com servidores do Inep para entender o que aconteceu. "Parece que realmente é uma tentativa de adequação à LGPD. Eles estão trabalhando internamente para que os dados fiquem anônimos", fala.
A Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) fala, em nota, que a ausência dos dados representa uma grande perda. "As redações usam essas informações em diversas reportagens. Eles ajudam a mostrar com precisão qual a situação das escolas, das universidades e do ensino do país, além de permitir analisar a evolução ao longo do tempo, por conta das séries históricas", diz o posicionamento. A associação lembra que as informações suprimidas são de interesse público e afirma estar em contato com especialistas "para analisar se a supressão excede o razoável e extrapola o que a LGPD impõe."
O Inep se manifestou dizendo que o formato de apresentação dos arquivos "foi reestruturado para suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD)." A autarquia falou ainda que tirou do ar a série histórica do Censo e do Enem para que os arquivos sejam adequados ao novo formato, "tendo em vista o atendimento às normas da LGPD".
Leia abaixo a nota do Inep na íntegra:
"Os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 e do Censo Escolar da Educação Básica 2021 estão disponíveis, desde a última sexta-feira, 18 de fevereiro, no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O formato de apresentação do conteúdo dos arquivos, que reúnem um conjunto de informações detalhadas relacionadas à pesquisa estatística e ao exame, foram reestruturados para suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD).
A reformulação promovida pelo Inep alterou a estrutura que era utilizada na consolidação dos microdados, de forma a agregar ou retirar variáveis que favoreciam a reidentificação de indivíduos no contexto atual, com uso de recursos tecnológicos disponíveis. As mudanças anunciadas fazem parte de um trabalho desenvolvido para adequar os processos e produtos do Instituto às normas da legislação. Nesse sentido, a Autarquia continuará a promover pesquisas e estudos para avaliar alternativas que permitam a ampliação progressiva da utilidade desse produto de disseminação de dados e assegurem, ainda, a privacidade dos titulares dos dados da pesquisa, além de garantir a transparência nas divulgações, como o desenvolvimento de painéis dinâmicos de informação.
Tendo em vista o atendimento às normas da LGPD, os arquivos dos microdados das edições anteriores do Enem e do Censo Escolar disponibilizados anteriormente no portal do Inep, bem como dos demais exames e avaliações, foram retirados para que sejam adequados ao novo formato.
As pesquisas com a utilização dos dados tratados pelo Inep, eventualmente restringidos nos microdados, entretanto, não estão inviabilizadas. Entre os diversos meios de acessar as informações produzidas pelo Instituto está o Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), que possibilita o uso de bases restritas por pesquisadores. Para tanto, as pesquisas devem observar o protocolo do serviço, que pode ser consultado no portal do Inep."
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