A professora que foi reconhecida mundialmente por fazer robótica com sucata não para. Debora Garófalo quer transformar a educação pública brasileira por meio da tecnologia e da inovação. Ela se emociona ao se lembrar da realidade de seus alunos da periferia de São Paulo e conta como foi difícil a decisão de deixar o chão da escola para se tornar gestora na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, em 2019.
No início deste ano, Debora passou a ocupar o cargo de diretora de inovação na empresa Multirio, vinculada à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, e está responsável por implementar e liderar políticas públicas inovadoras na cidade. “Nunca quis me candidatar nem para ser coordenadora ou diretora de escola. Minha ‘praia’ sempre foi a sala de aula. Mas os meus alunos foram muito mais maduros do que eu e falaram: ‘Não é justo que o trabalho que você fez fique só nessa escola. Você tem oportunidade de levá-lo para 3,7 milhões de estudantes [número de matrículas na rede estadual de SP]’. E eu fui com a missão de transformar o meu trabalho em uma política pública”, conta Debora, ao lembrar sua primeira incursão como gestora.
A professora se refere ao projeto que realizava na Escola Municipal Ary Parreiras, na zona sul de São Paulo, em que aproveitava o lixo coletado nas redondezas para construção de robôs e materiais eletrônicos. Assim conseguia resolver o problema do acúmulo de lixo no bairro – mais de uma tonelada de itens foi retirada – e deu novo significado à escola por meio de atividades mão na massa e criativas. O trabalho foi consagrado pelo Global Teacher Prizer, considerado o “Prêmio Nobel da Educação”, do ano de 2019, em que Debora foi uma das 10 finalistas.
Na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, ela implementou o componente de tecnologia e inovação no currículo e criou os Centros de Inovação da Educação Básica (CIEBP) dentro das escolas da rede. Esses são espaços que reúnem parceria com startups, estúdio, equipamentos de robótica, modelagem, prototipagem e infraestrutura para fazer ideias saírem do papel e ficarem disponíveis para todos os estudantes da rede estadual de São Paulo.
“A missão desses centros é democratizar o acesso à tecnologia e à inovação. Vai desde o hub de inovação até a possibilidade de o aluno modelar e prototipar com materiais de ponta. Tudo isso ligado ao currículo, que está associado ao projeto de vida e a esses novos tempos e premissas. Também há a possibilidade de trabalhar com materiais não estruturados e sustentabilidade”, diz Debora, ao lembrar que estes centros ajudam a desenvolver competências como colaboração, empatia, raciocínio lógico e resolução de problemas.
Rio
Agora no Rio de Janeiro, a paulistana chega com a missão de reestruturar o projeto pedagógico dos Ginásios Tecnológicos Experimentais, que integram a rede municipal de educação. São espaços que permitem que os estudantes pensem propostas e soluções inovadoras, de forma colaborativa, e por meio de trabalhos interdisciplinares, cultura maker e atividades mão na massa. Debora explica que os Ginásios funcionam como escolas multifuncionais, com áreas de cultura digital e robótica, que estão preparadas para atender os anseios de tecnologia e inovação dos estudantes, de forma interdisciplinar.
A reestruturação que encabeçou parte de uma premissa básica, herança da época do chão da escola: ouvindo as dores e desafios dos profissionais envolvidos no trabalho. “Trabalhar com inovação e tecnologia não é abandonar o currículo, é potencializá-lo. Eu sonho alto e acho que a gente merece ter uma disciplina de tecnologia e inovação que seja trabalhada de maneira transversal. É fazer o nosso estudante não ser só consumidor de tecnologia, e sim, produtor. E como se faz isso? Explicando o que existe por trás de um dado, trabalhando cultura digital e pensamento computacional.”
Ao recordar sua trajetória profissional, a professora não romantiza o fato de ter recolhido lixo na capital para ensinar. “Foi a única forma que eu enxerguei de potencializar meu trabalho. Mas enquanto gestora eu nunca quis que ninguém fosse às ruas coletar material. Hoje eu brigo para termos uma boa conectividade, que não é artigo de luxo; que a gente possa ter o mínimo para oferecer um processo de educação integral, que seja significativa e rica em experimentação.”
Faróis de Curitiba
Na rede municipal de ensino de Curitiba, os grandes irradiadores de inovação são os 33 Faróis do Saber e Inovação que funcionam anexos às escolas e são abertos para toda a comunidade. Os locais abrigam espaço maker com equipamentos tecnológicos como impressoras 3D e cortadoras a laser, itens de marcenaria, papelaria e toda a matéria-prima necessária para as oficinas que são ministradas a partir da demanda dos estudantes e demais frequentadores dos Faróis. Entre as opções há introdução à robótica, criação de aplicativos, produção de zines e muitas outras atividades mão na massa.
Elisângela Carvalho é professora do Farol Vinicius de Moraes, que fica anexo à Escola Municipal Professora América Sabóia, na Cidade Industrial de Curitiba, e diz que os trabalhos realizados nos Faróis representam uma oportunidade de aprendizagem de forma diferente, conectando toda a comunidade. “É um espaço que me permite trabalhar com digital, com analógico, com recursos diversos, como sucata. Vejo que o Farol é o fazer, o aprender, o compreender, o compartilhar, é espiral da aprendizagem criativa. Eu consigo conectar a Base Nacional Comum Curricular às minhas propostas, tudo que eu vou construir tem um propósito, e consigo despertar nos alunos um encanto que eu não tive enquanto eu estava na escola. Aprendo um conteúdo novamente e acima de tudo, me divirto.”
Um dos trabalhos que mais afetou Elisângela foi o “bosque do futuro”, um projeto de revitalização apresentado em uma maquete pelos alunos da Escola América Sabóia para uma área verde abandonada e repleta de lixo que fica do lado da unidade. As crianças “prototiparam” o que gostariam que o espaço tivesse: gangorra, escorregador, mirante, tirolesa, quiosque para atividades mão na massa, academia ao ar livre etc. “Fizemos várias peças na impressora 3D, como lixeiras e os animais que representam a biodiversidade do bosque, utilizando recursos da robótica para fazer essa proposta de revitalização. Apresentamos o projeto para o prefeito de Curitiba e hoje sonhamos em ver nosso bosque do futuro uma realidade, porque é um projeto que ultrapassou os muros da escola e já não cabe só nas nossas mãos. No ano passado, a prefeitura cercou o bosque e já não estão mais jogando lixo, é emocionante ver isso. É um passo de formiguinha que foi dado.”
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