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Ataques em escolas: como a polícia investiga postagens de ameaças nas redes sociais?

Registros de ameaças passam por momento de alta, diz Polícia Civil. Monitoramento de redes e acompanhamento de grupos são formas de desarticulação e prevenção

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

A circulação de mensagens sobre ataques em escolas tem aumentado há pelo menos um mês, segundo a Polícia Civil de São Paulo. Para rastrear possíveis ameaças, os investigadores realizam desde monitoramentos com base em palavras-chave ligadas a atentados antigos a infiltração de agentes em grupos de ódio. Os policiais mantêm também contato direto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para mapear novos ataques.

Segundo o delegado Carlos Afonso Gonçalves, chefe da Divisão de Crimes Cibernéticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil, o setor foi reforçado desde o episódio da Vila Sônia no último dia 27, quando uma professora de 71 anos foi morta por um aluno, e conta hoje com cerca de 80 agentes. “Atuamos no mesmo modelo e com a mesma tecnologia que todas as agências globais de segurança pública”, disse ao Estadão.

Alunos são recebidos no primeiro dia de retomada de aulas na escola Thomazia Montoro, onde professora foi assassinada Foto: Werther Santana/Estadão - 10/04/2023

A ampliação da equipe, afirma, permite à polícia intensificar as operações para desarticular grupos de ódio. “Estamos monitorando grupos, monitorando redes, instaurando alguns inquéritos policiais e cumprindo vários mandados de busca”, diz Gonçalves. A polícia não divulga os números, mas diz que têm buscado atacar várias frentes. “Trabalhamos inclusive com infiltração de agentes.”

Grau de repetição

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O crime de ataque à escola tem um grau de repetição em relação a casos antigos. Os criminosos, normalmente adolescentes e do sexo masculino, se articulam em grupos na rede e exaltam assassinos de massacres antigos, como o de Columbine (1999), nos Estados Unidos.

“É o ‘copycat’. Ele (agressor) vê um modelo e entende que aquilo ali, para ele, é factível e imita alguém que praticou um crime”, disse o delegado. Gonçalves identifica migração recene de falas de ódio da deep web (camada mais escondida da internet) para redes sociais mais comuns, movimento também notado por pesquisadores ouvidos pelo Estadão.

Agora, em muitos casos, quem pratica o crime não tem sequer acesso à deep web, segundo Gonçalves. “Para navegar nela é preciso ter um navegador específico. Não é uma navegação atrativa. Ao passo que nas redes sociais comuns e abertas, por assim dizer, o acesso é praticamente instantâneo”, acrescenta.

Essa mudança aumentou a escala de ameaças de ataques a escolas, o que dificulta ainda mais o trabalho da polícia. “Só sabemos se a informação é falsa depois que a gente investiga. Tudo que tem aqui hoje nós não estamos questionando, nós estamos avaliando, submetendo a uma primeira análise e, a partir daí, classificando e tomando as providências que nós temos que tomar.”

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‘Crescente’

De acordo com o delegado, as ameaças de ataques a escola estão em uma “crescente” desde o começo do mês passado. Na ocasião, a Polícia Civil de São Paulo recebeu um alerta de um possível massacre enviado pelo Ministério da Justiça, que atua em conjunto com a Homeland Security Investigations (HSI), agência americana que atua no Brasil por meio da Embaixada dos Estados Unidos.

O aviso propiciou desarticular um possível ataque planejado por um grupo de quatro adolescentes de São José dos Campos, Caçapava e Tupã, no interior. O grupo planejava um atentado na semana em que o massacre de Suzano (13 de março) faria quatro anos. Desde então, a polícia participa de grupos com o ministério para monitorar intenções violentas.

Nesta quarta-feira, 12, um estudante da Universidade de Brasília (UnB) foi preso após escrever ameaças de um massacre no espelho de um banheiro. Apesar de ter sido um caso real, a imagem do local, segundo o delegado, foi usada em uma série de posts com informações falsas. “Ela praticamente foi utilizada como sendo do banheiro de todas as escolas e faculdades que você conhece.”

Orientações

Gonçalves pede cautela à população quanto à divulgação das informações recebidas. “É importante que as pessoas, pelo menos aquelas que estão hoje divulgando notícias que elas ouviram dizer, que elas se contenham nesse hábito de ficar repassando coisas que não têm fundamento e não têm origem certa”, diz. “Isso tem agigantado exponencialmente o nosso trabalho.”

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Outra recomendação, segundo ele, é reportar movimentações suspeitas à escola ou, em casos mais avançados, registrar boletim de ocorrência na polícia. O delegado cobra também uma atuação mais ativa dos colégios. “Que as escolas assumam um protagonismo no sentido de abrir um debate com os pais, abrir um debate com seus próprios alunos sobre isso”, diz Gonçalves.

Conforme Alan Fernandes, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, países como a Alemanha trabalham com redes integradas para justamente conversar sobre o tema e combater a radicalização. “Funcionam como ‘brigadas de incêndio’, já que esses grupos podem ser fortalecidos pelas próprias pessoas que trabalham nas escolas”, disse o especialista. A polícia integra esses núcleos, mas tem uma atuação mais direta apenas em casos mais específicos. “Ela não dá conta de fazer um acompanhamento massivo.”

O Ministério da Justiça pediu nesta semana à Justiça a remoção de pelo menos 511 contas que tenham conteúdo nocivo e também publicou uma portaria que cobra ações das redes sociais para impedir o compartilhamento de conteúdos digitais que façam apologias, ameaças ou incentivem ataques em escolas. Caso as plataformas se recusem a remover as contas ou mensagens, podem ser multadas em até R$ 12 milhões ou ter a atividade suspensa no Brasil.

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Nos Estados Unidos, a Seção 230 do Communications Decency Act (CDA), aprovado ainda em 1996, estabelece que o dano causado por um conteúdo online é de responsabilidade do autor da publicação e não da plataforma. Ainda assim, as forças de segurança pública do país, como FBI e CIA, têm acesso privilegiado às redes sociais que lhes permite acessar dados como geolocalização e IP dos usuários.

“Os EUA conseguem detectar muito cedo esses ataques extremistas por causa desse monitoramento”, disse o antropólogo David Nemer, professor da Universidade de Virginia. “Mas, ao mesmo tempo, você vê que não é muito eficaz porque eles têm uma busca enviesada e mais focada no Estado Islâmico, ainda que a própria CIA já tenha admitido que a maior ameaça ao país hoje é dos próprios supremacistas brancos.” /COLABOROU JOÃO KER

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