O Brasil está prestes a assumir o pioneirismo no mundo ao olhar para a primeira infância como uma estratégia de combate à causa-raiz das desigualdades. Por meio da criação de uma Política Nacional Integrada para Primeira Infância (PNIPI), o País deve integrar as esferas municipal, estadual e federal para fortalecer os serviços para crianças de 0 a 6 anos e, assim, atuar de maneira efetiva na quebra dos ciclos intergeracionais de pobreza.
Viabilizado pelo Decreto Presidencial 12.083, de junho de 2024, um Comitê Intersetorial trabalha atualmente na construção dessa política com foco em áreas setoriais prioritárias, como Saúde, Assistência Social, Educação, Proteção e Justiça.
O grupo conta com quinze ministérios e quatro representantes da sociedade civil.
“O grande propósito da Política Nacional é atender as crianças vulnerabilizadas, de tal forma que o Brasil consiga proporcionar a todas as crianças uma infância plena, saudável e segura, combatendo a desigualdade social na raiz. Já passou da hora de
o País priorizar ações destinadas àquelas que são historicamente excluídas e submetidas a diversas vulnerabilidades”, diz Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (Conselhão), ela foi nomeada também para compor o Comitê Intersetorial como representante da sociedade civil.
Um estudo realizado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) aponta que, do total de 18,1 milhões de crianças brasileiras na primeira infância, 10 milhões (55,4%) vivem em famílias de baixa renda. Além disso, três quartos dessas famílias são chefiados por mães solo – a maioria delas é parda e tem idade entre 25 e 34 anos.
O prazo para a instauração da Política Nacional Integrada para Primeira Infância é de 120 dias. “Esperamos que o processo avance com o senso de urgência que o tema merece”, comenta Mariana Luz.
Primeira infância primeiro
Os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento do ser humano. Tido como uma “janela de oportunidades”, é nessa fase que 90% das conexões neuronais são estabelecidas e que se formam as bases do desenvolvimento cognitivo, motor e socioemocional. Crianças que recebem atenção integral na primeira infância têm mais saúde física e mental ao longo da vida, melhores condições de aprendizagem e mais oportunidades profissionais no futuro. Por outro lado, a negligência, a violência e a pobreza impactam negativamente o desenvolvimento da criança, com possíveis consequências ao longo da vida.
Experiências de diferentes locais do mundo mostram, com dados comprovados, que o investimento na primeira infância é a medida mais eficaz para combater a desigualdade social e reduzir o índice de pobreza. James Heckman recebeu o prêmio Nobel de Economia ao provar que a cada um dólar aplicado na primeira infância, 7 dólares retornam para a sociedade.
Um outro estudo publicado por Heckman, em 2021, estabeleceu uma conexão direta e duradoura entre a primeira infância e a qualidade de vida de acordo com o envelhecimento: aos 54 anos, indivíduos que tiveram a oportunidade de uma educação pré-escolar de qualidade superaram em cerca de 80% seus pares em saúde e indicadores sociais, e ganharam, em média, 10 mil dólares a mais anualmente.
No Brasil, tanto a Constituição Federal, promulgada em 1988, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, reconhecem e enfatizam a importância dos cuidados na primeira infância. O bem-estar é um direito da criança e assegurá-lo é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre família, sociedade e Estado, visão consolidada pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257, de 2016), que trouxe avanços significativos na proteção aos direitos das crianças brasileiras de até seis anos.
“A Política Nacional Integrada para Primeira Infância tem o potencial de se constituir como o motor para o desenvolvimento socioeconômico do País, além de garantir a prioridade absoluta à criança, como defende a Constituição Federal de 1988″, lembra Luz. “A criança é o agora. Por isso, é fundamental garantir hoje todas as condições para que se desenvolvam plenamente”, finaliza.
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